A traição de Temer
Por André Singer
Começo por uma confissão. Por bom tempo, desenvolvi a tese de que o PMDB seria o partido de centro no sistema brasileiro. A ideia era, creio, razoável. Agremiação moderada, serviria para frear os ímpetos de radicalização tanto do PT quanto do PSDB. Desse modo, o governismo peemedebista estabelecido desde o período Sarney, teria alguma função sistêmica.
Contrariamente à hipótese, primeiro fui obrigado a reconhecer que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos principais nomes da sigla no período recente, atuava para radicalizar o cenário. O presidente da Câmara adotou desde o começo do ano o perfil de líder conservador radical, disposto a colocar fogo no circo para queimar o PT.
Acalentei, então, durante certa fase a esperança de que, tal como corpo estranho, o político carioca fosse expelido do campo moderado. Nessa visão, a fúria expressa nas manobras cunhistas seria passageira. Terminada a sua vilegiatura, tudo voltaria ao normal.
A incrível atitude de Michel Temer nesta semana, entretanto, me faz repensar todo o esquema. Sem qualquer razão de fundo, a não ser a óbvia ambição de poder, ele abandonou a companheira de chapa na hora em que ela mais precisava dele. Como não há qualquer divergência política que justifique o afastamento, uma vez iniciado o trâmite do impeachment, o vice inventou uma série de desculpas esfarrapadas.
Não que os episódios relatados na carta sentimental enviada domingo passado sejam falsos. Ao contrário, parecem de realismo pungente. O problema é que nenhum deles se refere ao passado, presente ou futuro do país. São mágoas pessoais dignas de intriga municipal das mais chinfrins.
Em lugar de propor a expulsão de Cunha do PMDB, que seria o destino óbvio para um sabotador contumaz, Temer voltou-se contra a estabilidade das instituições. O Brasil pagará preço alto se houver impeachment sem base consistente. Arrisco dizer que Temer não só traiu Dilma como a própria vocação do PMDB.
E o vice traiu, também, a si mesmo. A sua postura irresponsável animou Cunha a continuar manipulando de maneira descarada tanto o rito do impedimento quanto o Conselho de Ética. Os episódios de pugilato na Câmara nos últimos dias devem ser debitados também na conta do vice, que sempre cultivou a imagem de equilíbrio e ponderação.
Sem dúvida, Dilma fica mais fraca e isolada. Mas Temer mostrou que a sua candidatura ao Planalto tem dimensão apenas paroquial. Abre-se um perigoso vazio em que a presidente não tem força para atuar e a alternativa imediata revela-se um fiasco. A tripla traição de Temer deveria ficar para a história como exemplo de péssima política. (Fonte: aqui).
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A prática demonstra: misturar volúpia de poder com oportunismo resulta em situações deploráveis, como a acima relatada. O constitucionalista Temer perdeu todos os escrúpulos.
Em linha relativamente oposta aos juízos manifestados pelo articulista, transcrevo o comentário do atento leitor Ion de Andrade: "Discordo do fato de que Dilma tenha ficado enfraquecida. São as brumas do momento que geram essa impressão. Quem está perdido é Temer. Não conseguiu intimidar o PMDB do Rio e não conseguiu intimidar Renan. O governo já demonstrou que tem poder de fogo para resistir ao Impeachment, o que torna a próxima semana um momento de reacomodação de forças em detrimento dos golpistas.
Serra já diz que "se não ocorrer o impeachment será grande tragédia"... ou seja, já começou a estudar essa possibilidade. No dia seguinte ao enterro do impeachment Temer perde tudo. Ele e os que tiverem aderido publicamente a ele.
A Sociedade Civil se levantou, é uma densa linha de trincheiras, e a oposição saiu em combate frontal. Será dizimada pela artilharia da sociedade civil. Temer já sentiu o golpe. Deixou de ser insignificante e agora é vaiado. A matemática dos dois terços não fecha e a decisão será provavelmente do Senado, como prevê a Constituição. No Senado a situação do governo é melhor do que na Câmara.
O golpismo quebrou a cara e vai amargar a tragédia pressentida por Serra."
A palavra do Supremo, não obstante, dividirá águas.
A palavra do Supremo, não obstante, dividirá águas.
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