A caixa preta dos programas nucleares
Por André Araújo
Cinco países do mundo tem armas nucleares autorizadas, são os membros do Conselho de Segurança; três tem, não autorizadas: Índia, Paquistão e Coreia do Norte; Israel tem mais não declara e não discute a questão; a África do Sul chegou a ter, mas desmantelou a parte bélica de seu programa; cerca de 11 países tem programas nucleares em diferentes estágios; o Brasil é um caso especial e mais adiantado que os demais países: é o único fora dos cinco do C.S. que está fabricando um submarino nuclear.
Desde o primeiro programa, Projeto Manhattan, de 1944, até os atuais, todos os programas nucleares tem grande parte de sua atividade tratada de forma sigilosa e em muitas etapas de forma clandestina. Há um mundo científico oficializado e há um mundo clandestino de espionagem, contrabando, compra de cérebros, de fórmulas, de pesquisas, de materiais controladíssimos, mas que também se compram por baixo do pano.
O Iraque, ao tempo de Saddam, operou um programa nuclear, mas talvez o caso mais descarado de operações clandestinas tenha sido o do Paquistão, que comprou no varejo e no atacado tudo o que estava à venda na área, gastou bilhões de dólares nessa tarefa, toda ela clandestina. Em seguida, o Irã: gastou cerca de 36 bilhões de dólares no seu programa, parte semi-oficial, parte completamente clandestina, escondida em cavernas de montanhas, comprando tecnologia onde estivesse à venda, importando cientistas, contrabandeando material para seu ciclo; existe um vasto mercado clandestino de todo o ciclo nuclear, na praxe do "pagando, acha".
O Brasil é um caso único, porque desde a década de 40 teve cientistas e centros de pesquisas, a partir de César Lattes, Mario Schenberg e muitos outros esteve à frente da maioria dos países na pesquisa e no desenvolvimento e na continuidade com o Almirante Alvaro Alberto, pioneiro da Marinha no programa nuclear brasileiro, dos mais respeitados e acompanhados do mundo, infelizmente paralisado no governo Collor e quase liquidado no de FHC.
Lembremos que o programa nuclear americano, concentrado no laboratório de Los Alamos, foi intensamente espionado pelos soviéticos, que conseguiram detonar sua bomba em 1949 com a ajuda da trinca de espiões ingleses como Kim Philby, Donald Mac Lean e Guy Burgess e muitos outros como Alger Hiss, Klaus Guchs, o casal Rosenberg.
No submundo dos programas nucleares existem em todos os programas contas secretas para comprar materiais sem documentação, para trazer cientistas sem visto e sem autorização, para comprar conhecimento científico que não pode ser vendido. Todos os programas nucleares tiveram graves problemas gerenciais e financeiros, começando pelo Manhattan. No caso do Irã e do Paquistão a maior parte dos gastos foi paga em malas de dinheiro, uma vez que transferências bancárias não se usam para programas clandestinos intensamente combatidos, como o do Irã.
O Brasil teve contas secretas para pagar esses gastos que não deveriam deixar rastro. Tem um cientista na Romênia que pode ajudar muito em um elo do ciclo mas não podemos trazê-lo oficialmente, então vamos mandar dinheiro por doleiro para a Holanda, lá um portador arranja passagem para ele e a esposa, ai ele embarca de Bucareste a Paris e depois Rio. Isso aconteceu muitas vezes, o dinheiro vem de conta secreta. No caso do programa brasileiro a conta era gerida pelo Almirante Othon. O valor merreca (em termos de um programa nuclear) que se alega que ele recebeu (com nota e recibo) em seis anos e que justificou sua prisão pode ter tido destinação desse tipo mas evidentemente que ele não pode colocar na mesa para toda a mídia ver onde gastou o dinheiro de uma conta desse tipo.
Na já longa história dos programas nucleares que surgiram no mundo a partir de 1944, o Brasil tem a primazia em um ponto: pela primeira vez na história dos programas nucleares a Polícia entra no assunto, prende o responsável pelo programa e escracha tudo para a mídia. Nunca antes no mundo se viu semelhante coisa, em um campo que em todo o planeta é coberto por um manto de sigilo e proteção que é da própria natureza da atividade.
Não é a toa que o New York Times está se deliciando com o escândalo, era tudo o que os EUA mais gostariam de ver.
Os EUA são inimigos históricos do programa nuclear brasileiro e tudo de ruim que pode acontecer com ele atende aos interesses dos Estados Unidos. (Fonte: aqui).
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Em face de diversas abordagens feitas a propósito, o caso do Almirante Othon aparenta ser bem mais complexo do que o que está exposto acima (sem prejuízo da relevância da tese de Araújo, também reforçada por outras fontes, como se vê AQUI), e o dilema se revela inevitável: apurar os indícios e proceder segundo a lei ou relevar eventual ilicitude pessoal em decorrência do interesse nuclear que o assunto envolve?
Quanto ao Irã, a abordagem feita por André Araújo guarda relação com a versão elaborada pelos críticos relativamente àquele país, não necessariamente caracterizada pela fidedignidade. Aliás, diante da obscuridade que cerca o tema política nuclear, é até natural que as especulações prosperem.
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