terça-feira, 4 de agosto de 2015

O NEOFEUDALISMO E AS MEIAS VERDADES DA MÍDIA


Para o neofeudalismo a meia verdade da mídia basta

Por Luiz Flávio Gomes

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” (Albert Einstein). Minhas crônicas desta semana ainda não foram totalmente compreendidas. Somos, no entanto, verde-amarelos, logo, persistentes. Vamos ver a de hoje. Nós, os senhores neofeudais invisíveis (plutocratas, oligarcas cartelizados e, sempre que possível, ladrões cleptocratas do dinheiro público), atribuímos a culpa de toda corrupção a quem a merece, ou seja, ao Estado, às empresas estatais, ao petismo, aos agentes públicos e, particularmente, aos políticos. Só em parte, evidentemente, isso é verdadeiro. Nós, os verdadeiros donos do poder (financeiro e econômico), do mercado, das empresas e das corporações, também somos corruptos (mais precisamente, somos os corruptores). Mas nós não aparecemos. Somos invisíveis.

Faz parte do jogo do poder noticiar os corrompidos, não os corruptores. Dois exemplos: 1º) Veja o escândalo do ISS no município de São Paulo: a mídia mostra os fiscais corruptos, quase nunca nós, os corruptores. Esse é um dos mais eficientes truques do exercício do poder; 2º) Todos ouviram dizer que Eduardo Cunha teria recebido 5 milhões de dólares de propina. Você sabe quem teria pago essa propina? Pouca gente sabe. Os delatores dizem que foi a Samsung e a Mitsui. As coisas estão mudando no Brasil em nosso desfavor. 
Sempre há cretinos que querem mudar as regras do jogo que sempre nos foram muito favoráveis. A instituição da impunidade tem tradição e merece respeito.
Se existe um campo em que nossa organização neofeudal vem conseguindo uma eficaz comunicação (doutrinação) com a população, esse é o da grande mídia, nossa fiel aliada na arte das manipulações. A regra de ouro é a seguinte: não é preciso propagar mentiras, basta não contar toda a verdade. O assunto corrupção é, como todos podem imaginar, um dos mais sensíveis para nós, porque pode implicar alguma vulnerabilidade para nossa estrutura (que os maldosos apregoam ser mafiosa). Vemos nisso uma calúnia e um exagero. Mas é inegável que neste campo da cleptocracia contamos com uma forte e triunfante tradição.
São mais de 500 anos de prática contínua, sendo Pero Borges, o primeiro corregedor-ouvidor-geral da Justiça, nomeado pelo rei em 17/12/1548, juntamente com Tomé de Souza, o Governador-Geral, um dos nossos baluartes inesquecíveis: foi nomeado para cá depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na construção de um aqueduto, em Elvas (no Alentejo) (veja E. Bueno, em História do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259). Para o cidadão comum e os neovassalos (neoservos ou neoescravos), que contam com 7,2 anos de escolaridade em média, no entanto, sempre é bom recordar: a História explica, mas não escusa. Dos deveres éticos e morais somente nós, os senhores neofeudais invisíveis, estamos dispensados.
Por meio da corrupção já alcançamos alguns trilhões de dólares ao longo desses cinco séculos de neofeudalismo. A corrupção, ao lado do parasitismo (extrativismo e exploração de tudo e de todos – veja Manoel Bomfim, A América Latina), são dois dos grandes esteios de sustentação dos nossos prósperos negócios. O Brasil não seria jamais oligarquicamente rico (com serviçõs públicos deploráveis) se não existissem tais fontes. A corrupção, no entanto, deve sempre ser noticiada como coisa do funcionário público, do Estado, das empresas estatais, dos políticos.
Quando se divulga que mais da metade dos parlamentares eleitos em 2014 tem problemas com a Justiça (clique aqui para ver a lista dos políticos e suas implicações policiais ou judiciais), isso reforça nosso discurso: oferecemos a prova de que eles é que são os exclusivos corruptos (não nós). Trata-se de uma propagação massiva do discurso da antipolítica (somente os políticos não valem nada: essa é a mensagem diária). Dizemos que a corrupção está indissoluvelmente (e exclusivamente) ligada aos políticos. Nós, os senhores neofeudais corruptores, continuamos na sombra. O poder é exercido dessa maneira.
Eis uma amostra do nosso discurso (O Globo 26/7/15: 18): “Grande peso do Estado na economia explica a corrupção: a Polícia Federal, desde 2002, faz mais operações contra os criminosos do colarinho branco porque a corrupção aumentou muito no Brasil. E por que a corrupção aumentou? Basta ver os dois maiores escândalos dos últimos tempos: mensalão e petrolão. Em ambos o epicentro reside nas empresas estatais. A corrupção é imensa no Brasil em razão da grande participação do Estado na economia, sendo as estatais eficazes gazuas de arrombamento de cofres públicos; essas empresas oferecem múltiplas oportunidades de falcatruas; o petrolão lulopetista é a prova concreta de que há uma relação direta entre estatização e corrupção; nestes 13 anos de poder lulopetista um grupo político voraz encontrou nessas empresas amplas oportunidades de financiar, com caixa dois, seu projeto político e eleitoral; sem essa grande participação do Estado em setores que movimentam muito dinheiro, não haveria como o PT e aliados se financiarem com propinas”.
Não precisam falar mentiras, bastam as meias verdades. Não se joga a culpa em nós, os corruptores, sim, nos corrompidos. Não se fala de dezenas de países estatalistas (como os escandinavos) onde tudo funciona bem, com baixíssima corrupção. Isso acontece em virtude do capitalismo distributivo (que é uma palavra impronunciável aqui). A lógica é controlar a patuleia (as massas rebeladas) com informações rasas. Jamais botar o dedo na estrutura do poder. O buraco é mais em cima. Mas Ícaro sabe que não pode se aproximar do Sol. (Fonte: aqui).
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Luiz Flávio Gomes é jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). 

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O articulista foi preciso ao apontar a causa principal da corrupção:  a estrutura do poder. Permeando-a, a tal busca da governabilidade, que, na prática, submete o Estado. À espreita, interesses diversos, inclusive midiáticos (o 'quarto poder'). Quanto à corrupção em si, um exemplo emblemático de análise seletiva: muito raramente é feita alusão ao afrouxamento das salvaguardas jurídicas, como se viu no governo FHC, que tornou sem efeito, para a Petrobras (que se pretendia ver privatizada; daí o neologismo "Petrobrax"), as cautelas da Lei de Licitações (Lei 8.666/93), substituindo-as pelas do "Procedimento Licitatório Simplificado" (Lei 9.478/97), o qual passou a regular licitações da Petrobras de forma 'mais ágil', mas cuja frouxidão convertia chefes de área em "donos da situação", investidos do direito de deliberar sobre quase tudo, sem maiores atropelos. Essa frouxidão normativa, aliás, foi considerada por juristas como Celso Antonio Bandeira de Mello a 'mola' estimuladora da corrupção, que, insuflada e exercitada por empreiteiras cartelizadas - com o estímulo de servidores corruptos, ávidos por vantagens escusas - alastrou-se por outros segmentos.

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