A criminalização das consultorias
Por André Araújo
A questão do tratamento fiscal das consultorias é antiga. Desde o começo da década de 90, a Receita entende que as firmas de consultoria precisam justificar seu faturamento com relatórios detalhados com horas trabalhadas por projeto que possam consubstanciar os valores cobrados do cliente. No caso de intermediação de negócios, a Receita exige contrato prévio que embase cobranças com a cláusula 'ad exitum', e uma vez faturados os serviços prestados a transação subjacente que justifica a comissão de intermediação precisa ser comprovada. Portanto serviços de consultoria precisam estar lastreados em projetos realmente executados, com planilha de horas e o custo hora determinado na contratação.
Foi a partir desse entendimento consolidado que o juiz Sérgio Moro disse que a JD Consultoria não tinha “condição técnica” de prestar serviços de consultoria. O juiz seguiu a regra da Receita, e que também é a do COAF. Mas ambas as regras são falhas.
Existe no mercado, e portanto é uma realidade, a CONSULTORIA DE RELACIONAMENTO, que não é nem prevista e nem proibida, ela existe e é um fato. Nesse caso, o consultor usa seu “network”, sua agenda e seu prestígio pessoal para abrir portas e propor negócios que, sem ele, não chegariam a quem decide. É um ramo antigo, sólido e valioso de consultoria.
Vou dar alguns exemplos. A firma KISSINGER ASSOCIATES, de Nova York, foi contratada por uma multinacional americana com sérios problemas com o governo brasileiro, para estabelecer contato com esse governo e resolver o problema. O sócio Henry Kissinger ligou para um conhecido no Brasil, ex-presidente de um banco oficial, e pediu que este atendesse diretamente a empresa.
Kissinger deu apenas um telefonema, saiu do assunto e por seu telefonema cobrou 30 mil dólares. Como faria a Receita no Brasil?
Como comprovar que esse telefonema tem esse valor? Provavelmente glosaria, porque na cabeça dos fiscais, procuradores e juízes esse ramo de consultoria é pecaminoso e nem deveria existir. Existe todavia em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Nos EUA é um ramo gigantesco, em Washington 100 mil pessoas vivem disso, são os “lobistas”, absolutamente legais, atendem empresas e países, abrindo portas e aconselhando sobre estratégias de relacionamento. Praticamente todos os países do mundo tem lobistas em Washington, o Brasil é uma rara exceção. A China é a maior de todas as clientes, a Venezuela ao tempo de Chávez tinha 16 escritórios sob contrato. Cada contrato com país ou estatal estrangeira precisa de registro no Departamento de Justiça, fora isso a atividade é absolutamente legítima, aliás nasceu em Washington, no lobby do Hotel Willard, no Século XIX.
O ex-Embaixador Anthony Harrington ficou em Brasília poucos meses, mas foi o suficiente para abrir uma consultoria baseada na sua agenda feita no Brasil. Kissinger é o mais famoso, seu sócio é Thomas McLarty, ex-Chefe da Casa Civil de Clinton. Para fazer esse tipo de trabalho nem precisa ter escritório, alguns lobistas trabalham de casa, clube ou mesa de bar e conseguem muita coisa.
Outra vertente de “consultoria de relacionamentos” se dá por juízes, procuradores, agentes fiscais de renda aposentados, aqui no Brasil. Tornam-se “consultores” bem pagos mas não porque sejam bons advogados ou tributaristas, mas porque conhecem as portas dos gabinetes certos. Vendem seu relacionamento anterior, que é sua matéria prima; dificilmente um bom juiz ou procurador é bom advogado, ficou muito tempo do outro lado do muro, onde a lógica é outra, não precisa agradar o cliente, mas tem um “network” que o advogado comum não tem e disso fazem um negócio. Existem quem sequer atende o cliente diretamente, só trabalha para outros advogados como “lobista de tribunal”.
Não é só a agenda, é também a postura que carrega consigo mesmo aposentado: o ex-colega vai atendê-lo melhor do que a um estranho. Isso se repete agora nas agências reguladoras, ex-egressos dessas agências se tornam “consultores” sobre processos na agência, o caso do CADE é famoso, a maior parte dos advogados consultores trabalhou lá; o mesmo se repete na CVM, SUSEP, etc. Nesses casos o limite é bem mais perigoso mas, ao que eu saiba, não desperta nenhum interesse do Ministério Público, que prefere se concentrar fora desse área onde estão obviamente ex-colegas.
A Receita, o COAF e o Ministério Público precisam aceitar esse tipo de consultoria, porque ela existe e não é ilegal, de modo a evitar avaliações fora do contexto, como dizer que uma consultoria de relacionamento não tem “condição técnica” para faturar.
A única condição técnica necessária é saber teclar um telefone, o resto do capital vem da história de vida do consultor. (Fonte: aqui).
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O lobismo é legalizado nos EUA. Há iniciativas no sentido de que seja legalizado no Brasil, mas as perspectivas não parecem positivas (AQUI). A Consultoria de Relacionamento constitui atividade de lobby. Ora, se se está a fim de criminalizar empresas da espécie, especialmente a JD, a postura vai ser a de rigor extremo: tudo o que a Receita e COAF requerem das empresas de consultoria em geral será exigido das Consultorias de Relacionamento, e quanto ao fato de a tradição mostrar que a prática da CR é usual no país, sem despertar questionamentos (como demonstrado no texto acima) o julgador, quem sabe, argumentará que no Brasil a common law não prevalece - nem ele, julgador, está a fim de criar precedente. (Pode ser que a instância superior venha a manifestar entendimento diferente...).
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O lobismo é legalizado nos EUA. Há iniciativas no sentido de que seja legalizado no Brasil, mas as perspectivas não parecem positivas (AQUI). A Consultoria de Relacionamento constitui atividade de lobby. Ora, se se está a fim de criminalizar empresas da espécie, especialmente a JD, a postura vai ser a de rigor extremo: tudo o que a Receita e COAF requerem das empresas de consultoria em geral será exigido das Consultorias de Relacionamento, e quanto ao fato de a tradição mostrar que a prática da CR é usual no país, sem despertar questionamentos (como demonstrado no texto acima) o julgador, quem sabe, argumentará que no Brasil a common law não prevalece - nem ele, julgador, está a fim de criar precedente. (Pode ser que a instância superior venha a manifestar entendimento diferente...).
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