quarta-feira, 22 de julho de 2015

RENATO RUSSO E O O DIÁRIO DO RECOMEÇO


Livro 'Só por hoje e para sempre' expõe alma, dias e vícios de Renato Russo

Por Mauro Ferreira

Há duas questões que envolvem a publicação de 'Só hoje e para sempre - Diário do recomeço', primeiro de uma série de livros póstumos de Renato Russo (1960 - 1996) que a Companhia das Letras vai pôr no mercado literário a partir deste ano de 2015. A primeira questão é ética e diz respeito à publicação de um livro que justifica como poucos  o clichê íntimo e pessoal. De acordo com texto publicado na orelha do livro, sem assinatura, a publicação do livro era um desejo do cantor, compositor e músico carioca que ganhou fama nacional com a criação em 1982, em Brasília (DF), da Legião Urbana, banda que existiu até a morte de seu líder e mentor, em 1996. 

Texto escrito na introdução do livro por Giuliano Manfredini - filho e herdeiro de Renato Russo - reproduz diálogo de pai e filho em que o primeiro revela ao filho que a intenção de escrever rotineira e compulsivamente escondia também o desejo de que, no futuro, as pessoas soubessem o que ele, Renato, sentia e pensava na época. Se de fato havia esse desejo da parte de Renato, essa questão ética passa a ser inexistente, ainda que publicações de livros póstumos do artista envolvam também interesses comerciais. 

A outra questão é de ordem literária: o livro em si é excelente e merece ser lido. Organizadas pelo jornalista carioca Leonardo Lichote, as notas escritas por Russo em forma de diário durante os 29 dias de 1993 em que o cantor passou internado na Vila Serena - clínica de reabilitação para dependentes químicos, às voltas com o vício já incontrolável em álcool e drogas, situada na cidade do Rio de Janeiro (RJ) - constituem verdadeiro tratado sobre a natureza da alma humana. O grau de exposição e intimidade é total, o que justificou inclusive que as personagens citadas por Russo em seus relatos tenham tido seus nomes ocultados através de iniciais. Alguns efeitos desses 29 dias podem ser detectados em algumas letras de 'O descobrimento do Brasil' (EMI-Music, 1993), o álbum gravado pela Legião Urbana na sequência da saída de Renato da clínica. 

Mas nada se compara ao teor íntimo dos relatos dos diários. Ao que parece, Russo desnudou por completo sua alma ao relatar suas impressões sobre o tratamento e suas motivações para ter se tornado um viciado em drogas e álcool (e para deixar de sê-lo - objetivo primordial de sua internação). Aparecem nos escritos todas as feridas abertas naquela alma que vivia dias de tormento: a autoestima baixa (ou mesmo nula em determinadas situações, inclusive sexuais), a arrogância (alimentada pelas ilusões e pelos falsos amigos trazidos com a fama), a autopiedade e as sensações de inadequação em várias situações (dentro da clínica e fora dela, no meio artístico, antes da internação), entre outras características comuns a quem passa por situações do tipo. Paralelamente, Russo descortina bastidores da Legião Urbana - como a relação difícil com o baterista Marcelo Bonfá e como sua atração pelo guitarrista Dado Villa-Lobos (plenamente vivida no plano da fantasia) - enquanto revela sentimentos positivos e negativos brotados ao logo do tratamento. 

O livro é forte, contundente, expressivo. Até porque Russo tinha o dom de escrever muito bem. Somente a carta de despedida endereçada a ele próprio - e assinada pelo medo que o controlava, o tolhia e o anulava - vale por si a aquisição e a leitura de'Só por hoje e para sempre'. (Fonte: aqui).

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Mauro Ferreira tem por hábito escrever textos inteiriços. Para facilitar a leitura, promovi 'cortes' diversos. 
A leitura do 'Diário do recomeço' será com certeza interessante. Afinal, parafraseando o escritor João Antonio, Russo era a tradução de "um homem abraçado à sua angústia".

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