Al Capone visita Charles Chaplin em Hollywood
Por Sebastião Nunes
A enorme limusine preta, ornamentada com dourados, exibia na frente, em vez do costumeiro emblema do fabricante, uma sombria águia de asas abertas, esculpida com chumbo extraído de corpos assassinados. Quando parou, diante do portão principal do estúdio, saltaram três homens armados de submetralhadoras. Rapidamente eles se postaram, atentos, nas laterais e na traseira do automóvel, olhando para a direita e para a esquerda. Em seguida, o motorista abriu sua porta, também com uma submetralhadora nas mãos, e deu a volta até o outro lado, abrindo a porta dianteira. Um homem pequeno e rechonchudo desceu, lentamente, encaminhando-se com passos curtos para o portão, no alto do qual se lia “United Artists”.
ARTISTAS EM AÇÃO
Como se esperasse o visitante, o porteiro inclinou-se levemente e empurrou a maçaneta para trás. O homem pequeno e rechonchudo entrou, seguido pelo motorista com a submetralhadora e pelo porteiro.
Ninguém reparou neles nem era razoável que reparassem. Dezenas de pessoas andavam apressadas no meio de câmeras, gruas, torres de iluminação e cenários de todos os tipos e tamanhos, no gigantesco galpão. O porteiro, tomando a dianteira, bateu suavemente três vezes numa porta sobre a qual se lia “Entrada proibida”.
– Entre! – ouviu-se lá de dentro.
O porteiro abriu a porta e afastou-se de lado, deixando passar os visitantes.
HOMENS DE AÇÃO
Os dois entraram. O motorista mantinha a submetralhadora nas mãos, mas ninguém parecia ligar. Detrás de uma mesa grande, fumando um grosso charuto, estava um sujeito baixo e magro, com uma loura sentada no colo.
– Boa tarde, Mr. Chaplin – disse o visitante. – É uma honra conhecê-lo.
– A honra é minha, Mr. Capone – respondeu o visitado, expulsando a loura do colo com um safanão, enquanto se levantava e estendia a mão. – Tenha a bondade de sentar-se. – Desapontada, a mulher encolheu-se numa poltrona junto à parede.
O visitante nem olhou para a loura. Sem pressa, acomodou-se na única cadeira diante da mesa, colocada em plano levemente inferior, de modo que qualquer visitante pareceria menor que o dono da sala.
– Joe – disse ele, voltando-se para o motorista. – Leve com você o berro, deixe no carro, e traga aquela caixa fechada. Você sabe qual. – Então tirou um charuto do bolso, que acendeu riscando um fósforo na sola do sapato, e soltou uma baforada.
AÇÃO ENTRE AMIGOS
– Gosta de louras, Mr. Chaplin? – indagou o visitante.
– Não mais que de morenas e ruivas, Mr. Capone – respondeu o visitado, com um sorriso amável no rosto ainda jovem.
– Então o senhor é como eu, Mr. Chaplin. Também não tenho preferência quanto a cor. Mas por ser descendente de italianos, como sabe, as louras me fascinam.
– Compreendo, Mr. Capone. Comigo é diferente. Sendo inglês, me sinto mais inclinado para as morenas. Essa loura que viu estava no meu colo por acaso. De modo geral, tanto faz ruiva quanto loura ou morena. O que vier, eu traço.
Riram um riso breve e olharam-se com simpatia. Eram afins por temperamento e, principalmente, pela coragem de correr riscos e dizer o que pensavam.
– Confesso que há tempos desejava conhecê-lo, Mr. Chaplin. Agradeço por ter autorizado minha visita.
– O mesmo se passa comigo, Mr. Capone. Só não o procurei antes por não saber se seria recebido com apertos de mão ou tiros.
Riram novamente e soltaram baforadas de seus charutos.
AÇÃO E REAÇÃO
A porta se abriu e Joe entrou, uma grande caixa nas mãos.
– Ponha em cima da mesa – disse o visitante, olhando a caixa. E voltando-se para o visitado: – Creio que gostará do presente, Mr. Chaplin. São 12 litros do melhor uísque de milho produzido neste país. De venda totalmente proibida, é lógico.
O visitado riu novamente.
– Decerto que é proibido, Mr. Capone. Tudo o que é bom é proibido.
O visitante também riu.
– Parece estranho, não é mesmo? Somos dois homens importantes e famosos, mas o senhor está dentro da lei e eu, fora. A lei não tem nada contra o senhor, mas, ao mesmo tempo, não consegue me pegar. É como se nada tivesse contra mim.
– Entendo, Mr. Capone – disse o visitado olhando fixamente o visitante. – Creio que é tudo um tanto estranho neste país. Hollywood, por exemplo, é a maior rede de prostituição do mundo. No entanto, aos olhos das pessoas, de qualquer nível social, passa como a grande indústria de entretenimento e arte da América.
– Sei disso, Mr. Chaplin – disse o visitante. – Quantas mocinhas já enviei para produtores e diretores de cinema? Centenas, talvez milhares. Não posso ficar com elas, não é mesmo? No meu trabalho, preciso de homens duros e impiedosos. Mas elas surgem às dúzias, vindo de todos os estados, sonhando com fama e riqueza.
– O mesmo acontece entre nós, Mr. Capone – respondeu o visitado. – Ninguém suporta mais tanta mulher em volta. Ou melhor, suporta sim. Nós nos divertimos muito. Mas por quantas camas uma mocinha dessas tem de passar até chegar a mim, que decido seu futuro e, em muitos casos, sua fortuna ou sua miséria?
– Nenhum de nós dois vale nada, não é mesmo, Mr. Chaplin? Ou nós estamos certos e o sistema é que está errado? O que acha o senhor?
– Prefiro acreditar que errado seja o sistema, Mr. Capone. Nós estamos certos, pois não somos hipócritas. O que mata a sociedade é a hipocrisia.
Então os dois ficaram se olhando, novos e velhos amigos desde sempre. (Fonte: aqui).
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