domingo, 8 de fevereiro de 2015

HENFIL, CARTUNISTA E ESCRITOR

                                Henfil e Dona Maria.

71 anos de nascimento e 27 de morte de Henfil

Por Mara L. Baraúna

Inquieto e determinado desde criança, Henrique de Souza Filho, o cartunista Henfil, alugava bicicleta escondido dos pais, apesar dos perigos que corria, já que era hemofílico. Um simples tombo seria fatal. “No início do namoro com a minha mãe, não contou que era hemofílico, sentia dores nas articulações, mas escondia dela. Procurava viver uma vida praticamente normal. E conseguiu. Dizia que a hemofilia não iria impedi-lo de fazer o que amava”, relembra Ivan Cosenza de Souza, fundador do Instituto Henfil e único filho do cartunista.

Henfil cresceu na periferia de Belo Horizonte, onde fez os primeiros estudos, frequentou um curso supletivo noturno e um curso superior em sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, que abandonou após alguns meses. Foi embalador de queijos, contínuo em uma agência de publicidade e jornalista, até especializar-se, no início da década de 1960, em ilustração e produção de histórias em quadrinhos.

Na adolescência, Henrique frequentou o Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), fundado por seu irmão Herbert de Souza. A influência do irmão mais velho foi inegável. Pelas mãos dele participou ainda dos encontros promovidos pela Juventude Estudantil Católica (JEC). Esta vivência seria de oportunidade inestimável, afinal de contas foi em um periódico da JEC, o jornal Resmungo, que publicou seu primeiro cartum, aos 17 anos.

Em 1964, foi para a revista Alterosa, quando surgiria um traço marcante (...): a criação de personagens. Por encomenda do editor Roberto Drummond, Henfil desenhou os fradinhos Cumprido e Baixinho. Com o golpe de 1964, a revista foi fechada pela ditadura. A partir de então Henfil não parou mais de produzir. Em 1965 passou a colaborar com o jornal Diário de Minas, onde fazia caricatura política. Uma antologia com esta produção resultou na publicação do primeiro livro de charges, Hiroshima, meu humor, uma paródia ao famoso filme de Alan Resnais Hiroshima, mon amour.

Em 1967, é convidado pelo filho do teatrólogo Nelson Rodrigues, Jofre Rodrigues, para mudar-se para o Rio de Janeiro e desenhar no popular Jornal dos Sports, para ilustrar os anúncios do jornal O Sol, que viria encartado no JS. Os desenhos faziam parte da coluna Dois Toques, feita a quatro mãos com Márcio Rubens Prado. Já se notabilizou ao criar em suas charges novos mascotes para os clubes, o que lhe conferiu grande popularidade, além de politizar a charge esportiva, criando personagens que representavam a realidade social dos torcedores cariocas através da luta de classes: de um lado, a elite burguesa caracterizada pelo Pó de Arroz (Fluminense) e o Cri-Cri (Botafogo); do outro, os populares Urubu (Flamengo) e Bacalhau (Vasco). (O processo de criação foi o seguinte:) Começando a ir ao Maracanã, descobriu que a torcida do Botafogo xingava a do Flamengo de urubu. Então já tinha um personagem pronto. Já a torcida do Vasco era chamada de bacalhau pela do Flamengo, por causa dos portugueses. A torcida do Fluminense era gozada pelo padrão social elevado da sua torcida, sendo chamados de Pó de arroz. Cri-Cri foi inspirado em cartas de flamenguistas que se queixavam do jeito implicante e chato dos botafoguenses; e Gato Pingado retratava a pequena torcida americana.

Passa então a contribuir também para as revistas Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro.

São vários os personagens criados por Henfil: os fradinhos Cumprido e Baixinho.   Inspirados nos frades dominicanos de Belo Horizonte, os dois personagens questionavam, com humor ácido e direto, o comportamento da sociedade. Estavam lá as críticas mais ferrenhas aos preconceitos raciais e de gênero, ao poder público e seu descaso para com as classes mais pobres e, sobretudo, às contradições da Igreja Católica como instituição de fé; a turma da caatinga, que apareceu pela primeira vez em 21 de agosto de 1972, no caderno B do Jornal do Brasil - formada pela Graúna, Zeferino e o bode Orelana; Ubaldo e o Cabôco Mamadô -; a feminista Zilda-Lib e o operário Orelhão, que tinha um companheiro negro, vestido como um típico malandro carioca (utilizado em piadas que lidavam com o cotidiano da população, como a inflação e o custo dos alimentos). Havia ainda Xabu – o provocador; Ovídio – representante dos caretas; Tamanduá, o chupa-cérebros; o Preto-que-ri, que reage ao racismo com sonoras gargalhadas; o delegado Flores, que reprime às avessas; o Flautista de Ramelin, persuasivo em seus argumentos, e os Três Cangaceiros do Apocalipse.

Sem contar os coadjuvantes dignos de registro, como os Caverinos, os irmãos Lati e Fundi e a onça Glorinha, todos figurantes de charges no alto da caatinga. Para completar, restam as variações de Ubaldo – o Paranoico, que são: Ufaldo, seu irmão empresário; Sam, seu tio, e Fonaldo, censor exclusivo do personagem.

Nas páginas de O Pasquim, uma publicação que seria um marco na resistência à ditadura, surgiu do traço de Henfil um de seus personagens mais polêmicos, o Cabôco Mamadô, que estreou em 1972. Em um cemitério atípico, o Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. O cartunista utilizou a situação para criticar personalidades públicas, que (em seu) entendimento (...) haviam colaborado de alguma forma com a ditadura.

 Henfil lançaria a Revista Fradim no ano de 1973.

Em 1976, foi lançado Ubaldo, o paranóico, nascido da aliança entre a criação artística de Henfil e o jornalista Tárik de Souza em outubro de 1975. Tárik esclarece o surgimento do personagem Ubaldo, na abertura do livro "A volta de Ubaldo, o paranóico": "Ambos nos acusávamos de paranoicos – e não faltavam razões de todas as ordens para que estivéssemos certos. (...). Até que resolvemos transformar num personagem de papel e traço essas inquietações comuns. Naquele tempo, os arrastões eram feitos pelos militares, que já manifestavam preferência tétrica por finais de semana. Muitos amigos desapareceram assim".

(...) Publicado em 1976, Diário de um Cucaracha narra a passagem de Henfil pelos Estados Unidos.

De 1977 a 1980, fez participação da revista Isto É, onde escrevia uma coluna chamada Cartas da Mãe. Dirigidas a sua mãe, as cartas comentam os assuntos mais importantes do momento com o estratagema lúdico de se aproveitar da intimidade e liberdade da relação entre mãe e filho para falar dos assuntos mais prementes.

(Para continuar, clique aqui).

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Henfil esteve em Teresina por volta de 1985, em um Salão Internacional de Humor do Piauí. Lembro-me de que me disse, na oportunidade, estar sofrendo de dores no joelho. Era a hemofilia, mal que aos poucos, mas implacavelmente, foi debilitando sua saúde, conduzindo-o à morte em janeiro de 1988.

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