Thor, mesmo sob a forma de sapo, controla chuvas e tempestades.
Rituais místicos para trazer chuva: uma análise sobre as falácias
Por Carlos Orsi
Até algum tempo atrás, o escritor Paulo Coelho volta e meia dizia que, entre seus poderes mágicos, estava o de fazer chover. No entanto, em entrevista concedida à revista Veja, em 2001, o esotérico da Academia Brasileira de Letras mostrava-se bem mais blasé quanto à habilidade de manipular do clima: “Esse negócio de fazer chover, por exemplo. Pô, o que que isso vai me ajudar?”, disse ele, conforme registrado aqui. Imagino que seria de se esperar que, diante da atual crise hídrica que assola São Paulo – e que vai tomando conta do país – Coelho adotasse uma postura menos egocêntrica em mais afinada com o espírito público.
Na Bíblia, fazer chover era, como diz o historiador Geza Vermes (1924-2013), uma prerrogativa dos homens de Deus. No Primeiro Livro de Reis, o profeta Elias ameaça: "Juro pelo nome do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo, que não cairá orvalho nem chuva nos anos seguintes, exceto mediante a minha palavra". Durante a ocupação romana da Palestina, um pouco depois do tempo de Jesus, surgiu uma figura carismática, Honi o Traçador de Círculos, que usava a seguinte técnica para pôr fim à seca: ele desenhava um círculo no chão e dizia a Deus que não sairia de lá até que chovesse. Vermes nota que “o comportamento caprichoso de Honi o faz parecer uma criança mimada”. Os relatos que chegaram até nós sugerem que Honi foi bem-sucedido em sua birra, o que propõe um interessante curso de ação para as dúzias de apóstolos e profetas que se acotovelam nos templos e nas esquinas, hoje em dia.
Em termos práticos, o eventual “sucesso” de rituais para fazer chover é um exemplo da falácia lógica post hoc, ergo propter hoc – latim para “depois disso, logo por causa disso”. Assim, fez-se o rito, e algum tempo depois, choveu. Daí supõe-se se a chuva foi trazida pelo ritual. No entanto, sem uma explicação convincente do mecanismo de ligação entre a cerimônia e a chuva, a suposição faz tanto sentido quanto achar que tomar leite causa gripe, porque é um fato que a maioria das pessoas que fica gripada tomou um pouco de leite – ou comeu queijo, ou manteiga, ou chocolate, ou um doce com creme – em algum momento antes dos sintomas aparecerem.
Nas superstições, a falta de conexão entre a suposta causa e o efeito constatado é suprida pelas chamadas leis do pensamento mágico. Uma delas é a lei da semelhança: coisas de aparência semelhante são capazes de afetar uma à outra, ou o que acontece à imagem acontece ao objeto. Outra é a lei do contágio: coisas que estiveram em contato no passado, ou que fizeram parte de um mesmo todo, preservam propriedades essenciais uma da outra.
Essas leis, por mais que careçam de confirmação empírica, têm raízes profundas no psiquismo humano, e ninguém escapa de usá-las, ainda que apenas num nível intuitivo. Um experimento psicológico muito citado, publicado originalmente em 2007, mostrou que pessoas adultas têm dificuldade em acertar um alvo, com dardos, quando esse alvo é a foto de uma criança, e que sentem menos simpatia por alguém que acreditam ter pisado em excremento – ambos indicadores do apelo visceral dos princípios da semelhança e do contágio.
Um fato que milita a favor da mágica para fazer chover é que, a menos que se tenha o azar de viver numa época de mudança climática radical, cedo ou tarde, toda seca acaba. Alguém que diga que vai chover assim que ele estalar os dedos está se expondo a um risco tremendo; mas alguém que diga que seu estalo de dedos cria as condições para que chova em algum momento das próximas semanas tem uma chance razoável de ver sua previsão realizada, nem que seja pela mais miserável das garoas. (Fonte: aqui).
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