É proibido (se) exaltar?
Por Pedro Alexandre Sanches
Da paixão correspondida entre a música brasileira e o regime ditatorial do gaúcho Getúlio Vargas, nasceu o Brasil-exaltação: Heitor Villa-Lobos, “Bachianas Brasileiras”, Ary Barroso, “Aquarela do Brasil”, “Isto Aqui o Que É”, Rádio Nacional, Francisco Alves & Dalva de Oliveira, a exaltação à Bahia-berço-do-Brasil…
O ufanismo à la Barroso era bajulatório, barroco, rococó, escalafobético, um tanto rebimbocado da parafuseta. Mas naquele tempo, parece, não era feio, errado, pusilânime ou calhorda exaltar, ufanar, ostentar, afirmar amor ao Brasil.
E, sim, a “era de ouro” dos “cantores do rádio” era feita de ditadura e abdicação e sujeição a Walt Disney e aos Estados Unidos da América do Norte. Carmen Miranda, a carioca que parecia baiana, mas era portuguesa, não gostou da ~ditadura~ e foi viver ~liberdade~ internacional braZileira, interpretando subalternas mexicanas em filmes de Hollywood. Dos píncaros da glória, só voltou morta ao Rio de Janeiro.
O ditador virou presidente democraticamente eleito. A elite cafeeira não gostou da ditadura da democracia. UDN. Carlos Lacerda. Um ET cigano plantou Brasília no coração do Brasil: Juscelino Kubitschek. Eleições, democracia, bossa nova, república rycah de Ipanema y Copacabana.
João Gilberto, único baiano sertanejo feminino entre os garotos machinhos de Ipanema, destoou da fórmula praia-exaltação e, no corridinho das décadas, exaltou à vera a Bahia (e o Rio) e o Brasil: “Samba da Minha Terra” e “Saudade da Bahia” (ambas de Dorival Caymmi), “Na Baixa do Sapateiro” e “Aquarela do Brasil” (de Ary Barroso), “Eu Vim da Bahia” (do pupilo manso-e-rebelde Gilberto Gil), “Bahia com H” (do paulista-de-pseudônimo-anglo Denis Brean), ”Canta Brasil” (dos – será? – getulistas David Nasser e Alcyr Pires Vermelho), “Adeus América” (de Haroldo Barbosa e Geraldo Jaques)…
1964. MPB. 1968. Tropicália. AI-5, 13 de dezembro de 1968 (dia do aniversário de Luiz Gonzaga, eterno legalista admirador de Lampião). Os Estados Unidos da América do Norte invadem a América Latina inteirinha, e o BraSil, e o ufanismo braZilEUA vira a água que sai de todas as torneiras.
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Rogério Duprat, Torquato Neto, Mutantes, Tom Zé, Capinan, Júlio Medaglia e a ex-garota-de-Copacabana Nara Leão, entre vários outros, inventam a trans-exaltação. Exaltam para esculhambar, debocham para exaltar: “Tropicália”, ”Soy Loco por Ti, América”, “Marginália II”, “Panis et Circensis”, “Miserere Nobis”, “Parque Industrial”, ”Geleia Geral”, ”Três Caravelas”, “Lindoneia”, “Bat Macumba”, “Hino ao Senhor do Bonfim da Bahia”, “Yes, Nós Temos Bananas” (de Braguinha), “A Voz do Morto”, “São São Paulo”, “Divino, Maravilhoso”, “2001″, “Aquele Abraço”, “Meu Nome É Gal”, “Jimmy, Renda-Se”, “Chão de Estrelas” (de Orestes Barbosa e Silvio Caldas)…
Copa do Mundo de 1970. Wilson Simonal, “País Tropical”, Jorge Ben, Pelé, Jair Rodrigues, Toni Tornado, Tim Maia, black power, Vera Fischer, Arlete Salles, Rede Globo, repressão-power, “pra frente, BraZil!”, “ame-o ou deixe-o”, “eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, Os Incríveis, Dom & Ravel, Ultragaz, O Pasquim, esquerdireitas (des)unidas, avante. Elza Soares (& Garrincha). Dilma Rousseff torce pela seleção brasileira entre uma sessão de tortura e outra.
É proibido torcer pelo BraZil: você é um traidor da pátria assaltada por ditadores (civil-)militares.
É proibido torcer contra o BraSil: você é um comunista comedor de criancinhas do iê-iê-iê.
É proibido fumar, é proibido pisar na grama, e os adaptadores tropicalistas do “é proibido proibir” foram expulsos do BraZSil.
O Festival Internacional da Canção, do aparato Globo-Time-Life, e a Copa do Mundo ensaiam se tornar mensagens brasileiras atiradas em garrafas latino-americanas nos oceanos do mundo. Há tortura (experimente perguntar para a hoje presidenta do BraSil), e o mundo não pode saber, senão cortem-lhe as cabeças! Vão-se as cabeleiras black power de Simonal, Tornado, Erlon Chaves etc. e tal.
A exaltação chega ao ápice com a vitória do BraZil na Copa de 1970, para logo em seguida iniciar seu mais longo e persistente inverno de hibernação. O sinal está fechado para nós, que somos jovens - Belchior, Elis Regina, mais uma “Aquarela do Brasil” (misturada com o tema racista “Nega do Cabelo Duro”, de Rubens Soares com o também-jornalista David Nasser), as “Águas de Março” fechando o verão (até mesmo na Cantareira).
1975, 1976. Fechadas as comportas do BraSZil-exaltação, há quem tente a brecha latino-americana – e a Latino América é toda ditaduras. ”América do Sul”, com Ney Matogrosso. “Los Hermanos” e “Gracias a la Vida”, com Elis. “Volver a los 17″, com Milton Nascimento (e Mercedes Sosa). “Soy Latino Americano”, com Zé Rodrix. Não vai durar muito a latino-ostentação.
Vem a reação pós-tropicalista ao “ame-o e deixe-o”, e a exaltação já não é a um país ou a um continente: “O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar”, “o seu amor, ame-o e deixe-o ir aonde quiser”, ”o seu amor, ame-o e deixe-o brincar, correr, cansar, dormir em paz”, cantaram os Doces Bárbaros Caetano, Gal, Gilberto e Maria Bethânia.
Anos 1980, 1990. O yuppismo norte-americanizado invade as redações moderninhas do eixo Tradição-Família-Propriedade, do eixo Rio-São Paulo. Gravadoras multinacionais, Organizações Globo e Folha de São Paulo manietam a indesejada redemocratização, e deus-nos-livre de qualquer ufanismo nem exaltação: “A gente somos inútil!”. Leonel Brizola. Luiz Inácio Lula da Silva. Fernando Collor. Prepara-se o ~consenso~ neoliberal. (“Falsa Baiana”, 1944, de Geraldo Pereira.) Fernando Henrique Cardoso.
“Sinais de vida num país vizinhEUA, eu já não ando mais sozinhEURO”, “bichos escrotos, saiam dos esgotos”, “se cheira pra todo lado: que país é este?”, “quem são os ditadores do partido colorado?, o que é democracia ao sul do Equador?, quem são os militares ao sul da cordilheira?, quem são os assassinos dos índios brasileiros?, quem são os estrangeiros que financiam o terror em Parador?”, “mostra tua cara!”. Renato Russo, Cazuza, Marina Lima, Titãs, Ira!, Paulo Ricardo, Roger Moreira, Lobão: proibidão-exaltação.
É proibido (se) exaltar. É proibido ufanar. Canção de protesto é proibida – além de ser cafona, chata, panfletária. O neoliberalismo jornalístico musical braZilEUA exalta Blur e Oasis enquanto massacra o amor-próprio e a auto-exaltação-ostentação, devidamente garroteado pelo ideário político dos chefes mais ~altos~ das redações (e, evidentemente, dos patrões e dos patrõe$ dos patrões).
É proibido protestar contra o BraZil porque é proibido exaltar o BraSil porque é proibido ostentar o orgulho braSileiro porque as canções de protesto Geraldo Vandré e Mano Brown e Marcelo Yuka são chatas cafonas fanáticas panfletárias ~esquerdinhas~.
Esmorecida(s), a(s) ditadura(s) faz(em) últimos refúgios nas redações, no Jornal Nacional, na OMB, na OAB, na TFP, no CCC, na monarquia, na sujeição a Washington. As ditaduras encolhem, mas vigoram.
A exaltação migra para o corpo: pagode, lambada, fricote, axé music, forró, brega. Segura o Tchan, amarra o tchau, libera o tchau! Quem não gosta do corpo bom sujeito não é – e, nos nichos de ditadura, é proibido gostar do corpo.
Então Luiz Inácio Lula da Silva, então Gilberto Gil & Juca Ferreira no Mini(mi)stério das Culturas, então Dilma Rousseff.
Então o rap. O funk. O tecnobrega. O forró eletrônico. O lambadão. O sertanejo universitário. O Teatro Mágico. A tchê music. O funk do pré-sal (canção 104 abaixo). O funk-ostentação. O funk brasileiro. (Os MCs assassinados pelo aparato civil-militar paulista.)
Enquanto a MPB é sistematicamente (auto)calada pelas ditaduras midiáticas, o BraSil profundo SE exalta, à margem das desmaiadas gravadoras e das moribundas redações. A Globo se debate para submeter Gaby Amarantose MC Guime - esse jogo não pode ser zero a zero!
O sinal permanece fechado para nós que somos velhos, mas está novamente aberto para nós que somos jovens.
Mas está aberto, ou está fechado, o velho sinal de Paulinho da Viola?
Por que, em plena Copa do Mundo do BraSil, a música braSileira guarda uma mordaça atada à face por entre black blocs e anonymous e rappers brancos norte-americanos vestidos de pula-brejo numa cerimônia junina que sabota a neurociência braSileira?
Por que as arenas de futebol estão invadidas e dominadas e domadas por caras-pálidas fantasiados de verde e amarelo (as cores que, na maior parte do tempo, os caras-pálidas odeiam)?
Por que não toca música brasileira na Copa da mais pujante DEMOCRACIA que já tivemos?
Quando foi que, neste longo caminho, nos auto-interditamos de exaltar, de nos exaltar e de (por que não?) exaltar os nossos contra-irmãos?
Junho de 2014, BraSil braZileiro. (Assis Valente, mulato baiano homossexual suicida.) A mídia BraZil braZileuro braZilEUA, após quatro anos ininterruptos de profecia do caos, assassina Mãe Menininha do Gantois e se consuma na recém-falecida Mãe Dinah.
#NãoVaiTerCopa. PSOL. Marina Silva. Bradesco, Natura, Itaú-Kaiowá. Caos aéreo. Caos energético. Caos terrestre. (Caos hídrico ou metroviário, jamais!) Caos subterrâneo. CAAAAAAAOOOOOOOOOOZ BRAZYLEYRO!!!!!! Glauber Rocha, Sérgio Ricardo, Jorge Mautner. Profeta Gentileza (gera gentileza).
E o mundo chega ao BraSZil. A mídia braZileura anunciara e garantira que não ia chegar, mas chegou.
Se em 1970 braSileiros se exilavam no chamado ~Primeiro Mundo~ e levavam para fora notícias da tortura braZilEUA, hoje é o mundo que vem aqui nos visitar e contar para nós-braSileiros e eles-braZileiros que o BraSil é UM POUCO diferente daquilo que os anfitriões da festa & $eu$ patrõe$ andaram pintando. Um pouco. Diferente. Ronaldo, fenômeno de vergonha alheia (ou não-alheia, porque NOSSA).
Nas ruas, florestas e praias amazonenses, gaúchas, cariocas e baianas do Bra$il, holandeses, argentinos, ingleses e croatas fazem o carnavalito para bailar. Nós-braSileiros, por enquanto, assistimos de braços meio cruzados o inesperado, surpreendente, inimaginável espetáculo que nós mesmos proporcionamos. Sem ostentação. Sem exaltação. Sem exaltar. Sem NOS exaltar. Agora antimacunaímicos. Porque vivemos numa democracia plena que (ainda) nos proíbe de (nos) exaltar.
P.S. 100% leigo sobre futebol: merece ganhar a Copa do Mundo um país que não se ufana, não se exalta, não se emociona, não se orgulha de si e não mergulha de cabeça nas suas paixões? Particularmente, acho que não merece…
P.S. 50% leigo sobre música: segue abaixo uma radiola sonora (a música) e uma listagem escrita (o jornalismo) de 108 canções ufanistas (a política) de BraSil-exaltação (o esporte) de samba-ostentação (a cultura). Podiam ser 1.008. Ou 10.008. Ou quantas os srs. e sras. compositoras decidam nos presentear dora dora dora em diante. (...).
(Para continuar, clique AQUI).
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"P.S. 100% leigo sobre futebol: merece ganhar a Copa do Mundo um país que não se ufana, não se exalta, não se emociona, não se orgulha de si e não mergulha de cabeça nas suas paixões? Particularmente, acho que não merece…"
Será? Armaram um clima de catastrofismo como forma de inibir a emoção, o orgulho, a paixão do brasileiro pelo Brasil. Mas não há garantia de que tal clima deprê perdure. De repente, a euforia poderá (re)tomar os corações e as ruas, para desolação de 'formadores' diversos, colunistas, comentaristas, especialistas, sumidades e cartunistas espalhados do Oiapoque ao Chuí.
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"P.S. 100% leigo sobre futebol: merece ganhar a Copa do Mundo um país que não se ufana, não se exalta, não se emociona, não se orgulha de si e não mergulha de cabeça nas suas paixões? Particularmente, acho que não merece…"
Será? Armaram um clima de catastrofismo como forma de inibir a emoção, o orgulho, a paixão do brasileiro pelo Brasil. Mas não há garantia de que tal clima deprê perdure. De repente, a euforia poderá (re)tomar os corações e as ruas, para desolação de 'formadores' diversos, colunistas, comentaristas, especialistas, sumidades e cartunistas espalhados do Oiapoque ao Chuí.
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