domingo, 15 de junho de 2014
ECOS DOS INSULTOS
Até colunista da 'massa cheirosa' percebe que 'área VIP pisou na bola'
Por Fernando Brito
Eliane Cantanhêde, com aquela sinceridade de salão de cabeleireiro que falta ao empolado Merval Pereira, passa o recibo e assina escritura, hoje, na Folha, do tiro pela culatra que foi a grosseiríssima manifestação anti-Dilma no Itaquerão.
Certo que o faz com algum muxoxo – não é difícil imaginar o sorriso irônico em seu rosto no momento em que aquilo acontecia – mas acaba por reconhecer que Aécio Neves e Eduardo Campos “ajudaram”, quando pegaram carona nos xingamentos e, vejam que interessante, acaba por dizer, se é que entendi corretamente, que o posterior “recuo” do tucano “selou o êxito da estratégia lulista” de atribuir aos ricos e privilegiados aquele ato de selvageria.
Ocorre, entretanto, que aquele episódio não foi parte de uma “estratégia lulista”, mas de uma estratégia tucana que, se ainda precisasse de comprovação, a teria no insólito pedido do PSDB para “liberar” manifestações de cunho político-ideológico nos jogos da Copa.
E o “cunho político-ideológico” do conservadorismo brasileiro não vai além, é fácil verificar, do xingamento, da acusação moral e infamante e do simples ódio pessoal.
Falta de ética, moralidade, “roubalheira” seriam os males trazidos pelo “lulopetismo” para a vida pública brasileira, como se a podridão da política no Brasil fosse uma novidade e não uma praga histórica com a qual se tem de conviver por falta de uma reforma política à qual ninguém resiste mais do que este próprio “mundo” do status quo.
É tão medíocre esta elite que – vergonha para uma país que produz mentes brilhantes – tocamos a “intelectualidade” por celebridades e Chico Buarque por Luciano Huck.
Do restante do “político-ideológico” arcabouço da oposição, apenas se declara a disposição de tomar “medidas impopulares” para com os que “votam com o estômago” , dito em rodas elegantes, porque seria impensável vê-los a plenos pulmões dizendo “ei, pobre, vai tomar...”
É uma prática recorrente na esquerda confundir “democracia” com salamaleques e, para usar um gauchismo, “mostrar as canjicas” para a elite.
Isso não quer, absolutamente, dizer que se parta para a grosseria, porque a grosseria é, por si, contrária à boa prática democrática.
A elite brasileira, porém, não é civilizada a ponto de compreender um país como uma causa comum.
O país é ela, o mundo é ela, o universo é ela.
Lembro que, muitos anos atrás, quando o Jornal do Brasil ainda era o jornal dos bem-nascidos e os bem-nascidos se concentravam no Rio, não em São Paulo, que se brincava dizendo que a manchete do jornal sobre o apocalipse seria “Fim do mundo provoca o caos na Zona Sul”.
Uma gozação?
Talvez não, para quem se lembrar que um editorial, no início dos anos 90, “acusava” Leonel Brizola de ter aberto um acesso asfaltado ao Morro do Pavão-Pavãozinho para ajudar aos assaltantes que se escondiam ali a praticar seus roubos e furtos em Copacabana com mais facilidade.
Ou que não deixar pessoas morrerem de fome com o Bolsa-Família é um estímulo à vagabundagem.
Portanto, esperar que essa mente – prefiro mente ao gente, porque nunca odeio gente, mas pensamentos – seja reconhecida, grata ou, sequer, generosa é uma rematada tolice.
O PT, se quiser sobreviver e, com isso, fazer sobreviver um processo de transformação na vida brasileira, terá de fazer aquilo que, para quem acompanha a trajetória de Lula, operou-se em seu próprio líder nos últimos anos.
Esperar que a simples ascensão econômica vá operar um processo de tomada de consciência dos nossos direitos como povo – embora seja um ingrediente fenomenal – é uma ilusão (desculpem o termo, sou meio fora de moda) economicista que não resiste aos sacolejos das incertas conjunturas de um mundo globalizado e, pior, não esclarece a população de que a universalização dos direitos – sobretudo o direito à esperança – significa a privação de pelo menos parte dos privilégios desta elite.
Não precisamos e nem devemos mandar a área VIP do Brasil ir tomar em algum lugar.
Mas não podemos deixar nunca de dizer ao povo brasileiro (que) eles nunca o representaram e muito menos são o modelo do que queremos ser.
Porque o sucesso na lei da selva é cruel e predador.
Mas cobra o preço de viver em cercadinhos. (Fonte: aqui).
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