quinta-feira, 22 de maio de 2014

MÍDIA, ISENÇÃO E FICÇÃO

Nash.

Mídia: o Ministério da Saúde adverte

Por Luciano Martins Costa

Os analistas da mídia repetem incessantemente que o grande desafio da imprensa tradicional nos tempos correntes tem sua origem no advento das tecnologias digitais de informação e comunicação. Por conta desses recursos tecnológicos, qualquer cidadão minimamente aparelhado para registrar imagens e postar comentários pode se transformar em jornalista, e sua ação individual pode entrar em concorrência direta com o trabalho de centenas de profissionais lotados nas redações.

Há muitas nuances e alguma tergiversação nessa afirmação, principalmente quando ela vem desacompanhada de outras reflexões sobre o impacto da tecnologia na estrutura daquilo que chamamos imprensa. A primeira delas exige que se questione a crença segundo a qual o melhor jornalismo é aquele que apresenta a opinião “justa e livre” sobre fatos colhidos de forma independente.

A dor do crescimento do jornalista se manifesta justamente quando ele admite que não existe imprensa independente nem opinião justa ou livre. O que existe, ou que deveria existir como qualidade fundadora da imprensa, é o propósito da objetividade e da justiça na construção das opiniões e a ponderação crítica sobre quais seriam os laços de dependência moralmente aceitáveis por um órgão de comunicação.

Essa manifestação de vontades a definir o arbítrio do jornalista é que produz a justificativa moral para a existência de um poder estruturado e estruturante que se oferece como mediador entre os variados interesses presentes na vida social, em seus aspectos políticos, econômicos, culturais etc.

Esse é o arcabouço dos paradigmas que orientam a análise crítica da mídia, e esta pontuação é necessária para responder a questionamentos presentes nas redes sociais sobre o trabalho diário do observador da imprensa.

O observador faz suas ponderações com o olhar na rotina, no produto de cada jornada, mas precisa de vez em quando lembrar que há princípios em jogo. Esses princípios são deturpados quando se alimenta a ilusão de que é possível uma imprensa independente, com opiniões “livres e justas”. Isso é uma ficção.

Imprensa faz mal à saúde
O que afeta a imprensa tradicional no Brasil, e pode ser constatado diariamente, não é a oferta da tecnologia, mas o potencial que ela oferece para questionar o exercício dessa suposta independência.

Por exemplo, quando o blogueiro de um jornal como o Estado de S.Paulo posta em seu canal da internet (ver aqui) um comentário dizendo que se sente angustiado com o noticiário sobre o Brasil e que os jornais poderiam vir com aquela recomendação típica do Ministério da Saúde sobre o risco do excesso de informações negativas, ele abre a possibilidade de outros autores questionarem justamente a origem do mal-estar, ou seja, o noticiário negativo.

O blogueiro está confessando que pensa em deixar o país por causa da sensação de mal-estar provocada pelo bombardeamento de notícias ruins, e alguns comentaristas podem questionar: afinal, quais são as razões objetivas desse mal-estar? Onde estão os indicadores de que o Brasil vai mal, de que vivemos uma crise econômica ou social, de que estamos hoje pior do que estávamos há dez, vinte ou trinta anos?

Se o leitor for buscar as fontes primárias de cada afirmação deletéria, nociva, insalubre, dessas que empesteiam diariamente as primeiras páginas dos principais jornais do país, vai se dar conta de que não há uma conjugação objetiva de fatos que justifique a criação dessa histeria antinacional.

Apanhemos um exemplo, casual, na edição de terça-feira (20/5) do próprio Estado de S.Paulo: pode-se ler, no caderno de Economia, que o presidente regional do Banco Central americano em Dallas, no Texas, Richard Fisher, criticou a política econômica do Brasil.

A biografia de Fisher, que em 40 anos de carreira não passou do segundo escalão de todas as instituições a que serviu, não o recomenda como fonte de primeira grandeza. O que o recomenda, para a imprensa, é sua opinião negativa sobre o Brasil, emitida no meio de um debate variado sobre a economia americana (ver aqui relato do site Marketwatch.com).

Uma pauta distribuída pela agência Dow Jones cai nas mãos do editor do Estado, que escala dois repórteres para fazerem a “repercussão” da opinião de Fisher.

Pergunte-se o leitor atento: se Fisher tivesse elogiado o Brasil, sairia no jornal? Mil fichas contra uma de que não sairia, porque o interesse é detonar.

O que há é manipulação de emoções por meio de notícias negativas, o que não apenas torna ridícula a hipótese de uma imprensa “independente”, como desfaz a ilusão de que a imprensa ao menos pretende ser objetiva. (Fonte: aqui).

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