Laerte.
Racismo não existe. As armas é que gostam de matar jovens negros
Por Leonardo Sakamoto
Há amigos que nunca foram parados em uma blitz policial. Normalmente, são
brancos, caucasianos, bem vestidos, jeito de bom moço ou moça, com todos os
dentes ou próteses bem feitas, dirigindo veículos que estão nos comerciais
bonitos de TV. Aqueles com o relevo e a fauna características de nosso país,
como montanhas nevadas e cervos.
Um deles, por exemplo,
me explicou que pilota uma moto há tempos sem habilitação. “A polícia não para
de jeito nenhum.” Enquadra-se perfeitamente na categoria acima descrita.
Recentemente, um róseo conhecido foi parado em uma batida. Ficou transtornado.
“Como se atrevem? Acham que sou um qualquer?”
Por outro lado, há aqueles
que cansaram de cair na malha fina da polícia. Quase sempre, negros ou
pardos.
De tanto ser parado, um outro colega já encara como hábito.
Perguntei se isso não o revoltava. Explicou, com um certo cansaço, que, desde
moleque, era sempre a mesma coisa. Então, se acostumou. Já chegou a cair em duas
batidas na mesma noite. Procuravam um meliante.
Sei que é assunto já
tratado neste espaço, mas peço permissão para trazer a discussão de outro post.
Pois uma
pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da
Universidade Federal de São Carlos, lançada nesta quarta (2), apontou que a
mortalidade de negros devido à violência policial é três vezes maior que a de
brancos no Estado de São Paulo – apesar dos negros serem minoria.
Coisa
que os jovens negros e pobres da periferia das grandes cidades paulistas já
sabem há muito tempo.
Quando falamos em cotas raciais para acesso à
educação superior ou a postos no serviço público, muita gente fica possessa.
Dizem que cotas deveriam valer apenas para pobres, não para negros. Pois, às
vezes, filhos de pais de pele cor parda nascem brancos ou negros. Ou, por vezes,
uma pele negra esconde um perfil genético com grande participação de
ancestralidade europeia.
Na minha opinião, a questão genética não deveria
influenciar. O preconceito não se traduz quando alguém tem conhecimento da
ancestralidade do outro (“Ei, sem preconceito! Meu tataravô era branco e
alemão”), mas ao observar a cor ou diferenças étnicas. Porque mesmo que essas
diferenças visuais digam pouco sobre a origem da pessoa, séculos de racismo
deram um significado bem claro para determinada cor de pele. E isso não pode ser
alterado sem enfrentamento.
Na prática, muitos não esperam para perguntar
o perfil genético do rapaz negro que vem no sentido contrário na rua escura.
Simplesmente, atravessam para o outro lado ou correm. Balas perdidas com o DNA
da polícia não são guiadas pelo perfil genético e pouco se importam que um rapaz
de pele negra tenha 70% de ancestralidade europeia. Talvez, posteriormente, o
legista ache interessante.
E a herança desse preconceito não precisa ter
sido sentida por gerações e mais gerações. Se uma criança nascer com a pele mais
escura que sua família vai sofrer preconceito na sociedade mesmo que seus pais
não tenham sofrido. Se for pobre, pior ainda. Tomando como referência a média
salarial, os valores pagos para uma mesma função na sociedade coloca, em ordem
decrescente: homem branco rico de um lado e mulher negra pobre do
outro.
Ao me relacionar com os outros, não faço isso só. Imprimo séculos
de biografias, séculos de acomodação cultural, de preconceitos e medos,
reforçadas pela imagem do que sou hoje. Não só a genealogia pesa sobre os
ombros, mas também a história e as condições sociais do país. De certa forma, no
“agora” está presente toda a história humana.
A Justiça que se pretende
fazer ao analisar e tentar reconstruir o Estado por um novo viés não é apenas a
de saldar a dívida de uma escravidão mal abolida com os descendentes dos negros
escravizados que não foram inseridos como deveriam no pós Lei Áurea. Mas sim a
tentativa de mudar o pensamento e a ação de uma sociedade, ainda calcada na
relação Casa Grande e Senzala, que trata as pessoas de forma desigual por conta
da cor de pele.
Afinal, para muita gente, saber que alguém é negro já é o
bastante. (Fonte: aqui).
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