No Brasil, dos autos de resistência, a polícia mata mais
Por Helena Martins
Entre 2000 e 2012, cinco pessoas morreram no Brasil, por dia, em situações de confronto com as polícias Civil e Militar. Apenas em 2012, 1.890 brasileiros morreram nessas condições. Os dados fazem parte de um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feito em 2013. Nos Estados Unidos, em 2012, foram registradas 410 mortes semelhantes, segundo dados do Criminal Justice Information Services Division do FBI (Federal Bureau of Investigation), disponibilizados na publicação do fórum. O estudo mostra que a taxa de letalidade da ação policial no Brasil é maior do que a de países como o México, a Venezuela e a África do Sul.
A maior parte das investigações dessas mortes acaba sendo arquivada, sob a alegação de que foram motivadas por resistência à ação policial. Em 2006, mais de 400 jovens foram mortos, durante o mês de maio, em São Paulo, em ataques atribuídos a confrontos entre membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e policiais. Em 2011, Juan Moraes, de 11 anos, morreu após ser atingido por uma bala disparada por um policial militar, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Comum a todos esses diferentes casos, a explicação oficial das mortes: autos de resistência.
A expressão é usada nos casos em que um civil é morto por agentes do Estado. A prática é amparada no Código de Processo Penal, de 1941. Os policiais também sofrem com essa situação. A taxa de mortalidade de um policial no Brasil é três vezes maior que a de um cidadão comum, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O fim do registro de homicídios como autos de resistência é o objeto do Projeto de Lei (PL) 4.471/12, que fixa regras para a investigação de crimes que envolvem agentes do Estado, como policiais. O projeto chegou a entrar na pauta de votação nesta semana. Movimentos sociais e secretarias do governo federal manifestaram-se a favor da proposta. No entanto, devido à pressão de setores que se opõem à medida, a proposta acabou sendo retirada.
Para a coordenadora do Movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva, que teve o filho de 29 anos encontrado morto com cinco tiros na periferia de Santos (SP), a mudança pode gerar a diminuição da letalidade da polícia e a garantia da vida de muitas pessoas que são alvos da criminalização e da violência policial. Ela relata que, no caso da sequência de mortes ocorrida em 2006, muitos dos jovens assassinados foram encontrados com tiros nas mãos ou na nuca, o que comprovaria que eles estavam em posição de defesa e não de ataque. “O que temos hoje é a morte decretada pelo gatilho do revólver. Na ocorrência de resistência seguida de morte, não há investigação. Os próprios policiais são testemunhas dos fatos. Essa é uma prática abusiva das autoridades, feita para matar”, destaca Débora.
Integrante do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac) do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Jacqueline Sinhoretto analisou inquéritos sobre mortes provocadas por policiais que são acompanhadas pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo e também das prisões em flagrante, cujos dados são divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do estado. A pesquisadora concluiu que os jovens negros eram as vítimas na maior parte dessas situações.
Dos 734 processos de mortes em decorrência da ação policial analisados, que envolveram 939 vítimas e 2.162 autores, houve registro de 501 vítimas negras e de 322 brancas. Ao todo, entre os anos de 2009 e 2011, o número de mortes de negros foi três vezes superior ao de brancos da mesma faixa etária, em situações consideradas autos de resistência. Das 817 vítimas que tiveram a idade apontada nos inquéritos, 630, isso é, 77% tinham entre 15 e 29 anos de idade. Já entre as 939 pessoas mortas que tiveram o sexo identificado, 911 eram homens.
O coordenador nacional do Plano Juventude Viva, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Felipe Freitas, defende a mudança na legislação. Para ele, o fim dos autos de resistência poderia gerar mais segurança para a juventude negra e confiança nas polícias.
“Todas as atividades profissionais precisam de formas de controle social para que sejam exercidas com responsabilidade e transparência. Quando se trata de profissionais que trabalham armados, esse controle precisa ser ainda maior. A sociedade precisa conhecer quais procedimentos eles devem usar, para que, quando não usem aquele procedimento, ela possa requerer a responsabilização desses profissionais, no caso, dos policiais”, defende. (Fonte: aqui).
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