domingo, 6 de abril de 2014

DO CONSPIRACIONISMO


De ovos, serpentes e o que fazer a respeito

Por Carlos Orsi

Dei uma passada no YouTube para assistir ao vídeo da TV Folha com os supostos ideólogos da tal Marcha Com Deus Pela Família Etc. e Tal, e tomei um tremendo susto. Não sei se os leitores do blog se lembram, mas em julho do ano passado a revista Galileu publicou uma reportagem minha sobre teorias da conspiração. Entre outras coisas, a matéria incluía alguns avisos, feitos por psicólogos e cientistas políticos, sobre como teorias assim são perigosas, na medida em que solapam a capacidade de diálogo dentro da sociedade, transformam adversários em inimigos e, no fim, ameaçam a democracia.

Enfim. Enquanto assistia à Folha dar corda para que seus entrevistados se enforcassem, alguns sinais de alerta começaram a pipocar na minha cabeça: um deles disse que a "Nova Ordem Mundial" está controlando o Brasil. Outro, que o "Barão Rothschild" é o dono do mundo. Não sei como ninguém mencionou a Maçonaria, os Illuminati, os Reptilianos. De repente, ficou no chão da ilha de edição, ou no equivalente digital.

Falando assim pode parecer que achei graça, mas longe disso. Por dois motivos.

Primeiro: quando eu estava preparando minha matéria -- para quem não viu, ou não se lembra, o texto foi estruturado em tópicos, sendo que cada tópico representava uma conspiração diferente -- um dos temas que cheguei a propor ao editor Alexandre Matias foi "judeus".

Acabou descartado, basicamente para evitar mal-entendidos, mas a sugestão nasceu de um dado bem concreto: basicamente, toda teoria de conspiração surgida no mundo ocidental, pelo menos do século 18 para cá, é, no fundo, antissemita. Dos Illuminati da Baviera à Internacional Comunista, do Grupo Bilderberg aos Alienígenas Cinzentos, não  parece haver uma única fantasia paranoica a oeste da Sibéria que não tenha dado um jeito de reivindicar, para sua galeria de vilões, o "Barão Rothschild" e seus sequazes circuncidados.

Esboçando uma genealogia da coisa, a maioria das teorias sobre "governo mundial" passa, mesmo que seus proponentes atuais não saibam, por Nesta Webster (1876-1960), uma -- mais ou menos -- historiadora britânica, figura humana, em linhas gerais, especialmente deplorável e antissemita delirante. Creio que todo mundo que veio do século 20 sabe o tipo de merda que isso costuma dar.

A segunda razão está lá no texto da Galileu. Com o perdão da autocitação, reproduzo:

Embora o termo “paranoia” esteja quase sempre associado à conspiração, ela não se traduz como patologia psicológica coletiva. O fato de lidarem com o implausível mascara que as teorias são parte da opinião pública, como descrevem os cientistas políticos J. Eric Oliver e Thomas J. Wood da Universidade de Chicago, em estudo publicado em 2012.

Eles escrevem que essas teorias servem para consolidar uma opinião populista que tende a extremos conservadores, como tradicionalismo, xenofobia, etnocentrismo e isolacionismo. Esta constatação confirma um artigo clássico sobre o assunto, publicado em 1964, em que o historiador americano Richard Hofstadter (1916-1970) chamava atenção para o caráter corrosivo destas teorias no debate público. Se o adversário conspira, as ferramentas da democracia — negociação e diálogo — não funcionam, restando uma escalada retórica que gera ressentimentos e pode produzir violência.


E, por fim:

O cientista político Michael Barkun, que já atuou como consultor do FBI, vê a subcultura das conspirações como um sistema integrado, uma rede em que o ponto de entrada não permite determinar o destino: o melhor indicador para prever se uma pessoa vai acatar uma nova teoria de conspiração é se ela já aceita outra, não importa qual.

Destilando o principal: "O fato de lidarem com o implausível mascara que as teorias são parte da opinião pública" e "o melhor indicador para prever se uma pessoa vai acatar uma nova teoria de conspiração é se ela já aceita outra, não importa qual". Em outras palavras, o fato de uma ideia ser ridícula não significa que não haja muita gente por aí que acredita nela e, dada a porosidade da cultura da conspiração, nenhuma besteira é "grande demais", em princípio, para que seja seguro deixá-la passar sem contestação racional.

Não creio que seja ético, ou mesmo viável, suprimir ideias pela força ou pela lei. Mas isso não significa que elas não devam ser combatidas no discurso público: "desconverter" conspiracionistas convictos pode ser quase impossível, mas há uma massa de indecisos e curiosos por aí que precisa, e merece, ser melhor informada. (Fonte: aqui).

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Se bem que está consagrada a seguinte prática: se algo surge que possa, mesmo que remotamente, por em xeque algum conceito paradigmático, o adepto de tal conceito lança o implacável 'antídoto': "Bobagem, isso não passa de teoria da conspiração!".

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