sábado, 1 de março de 2014

O MINISTRO QUE DESMANCHOU A TRAMA

Uber.

Barroso, o senhor juiz, e sua declaração de amor do Direito

Por Luis Nassif

Há dois tempos na vida de um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal): o momento prévio à indicação e o momento depois de indicado.

Antes da indicação, ele necessita da aprovação do presidente da República. Para espíritos menores, é o momento da lisonja, das articulações políticas, das promessas futuras. Para espíritos políticos, a afinidade com o padrinho ou com o projeto político.

Depois da indicação, cessa qualquer subordinação ao Executivo. O Ministro torna-se irremovível e a salvo de qualquer pressão. O único poder capaz de afetá-lo é a mídia, seja expondo-o a críticas, ao deboche, a denúncias consistentes ou a escândalos vazios; ou então o julgamento de seus pares.

Os espíritos maduros mantêm a altivez; os espíritos menores exorbitam ou vacilam.

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Poucos têm a solidez de um Ricardo Lewandowski para remar contra a maré e não se deslumbrar com as luzes dos holofotes. E nenhum deles foi fruto tão direto da meritocracia quanto Luís Roberto Barroso.

Em que pese seu inegável preparo, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence assumiram por favores explícitos prestados ao governo Sarney e ao polêmico Ministro da Justiça Saulo Ramos. Marco Aurélio de Mello deve o cargo ao primo Fernando Collor. Gilmar Mendes foi nomeado por FHC para blindá-lo de qualquer aventura jurídica futura do STF; Lula nomeou Dias Toffoli com a mesma intenção. Joaquim Barbosa entrou na cota racial; Ayres Britto fingindo-se petista; e Luiz Fux, à dupla malandragem, de prometer “quebrar o galho” antes, e de não cumprir com a palavra depois.

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Há muitos anos Luís Roberto Barroso já era unanimidade no meio jurídico.

Sua indicação não foi um favor da Presidente a ele; foi um favor dele às instituições, especialmente a uma instituição ameaçada, como o STF.

Com vida tranquila, titular de uma banca de alto nível, com reconhecimento geral, sendo aceito pelo meio econômico, social e midiático do Rio, um dos preferidos da Globo, o que teria a ganhar indo para o STF?

Certamente, não o prêmio do reconhecimento, que já tinha; ou da popularidade, que não o cativa. Parece que queria algo mais substantivo.

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Ao se insurgir contra o julgamento anterior da AP 470,  para o crime de formação de quadrilha, aparece o objetivo: desmanchar uma trama que maculou o Supremo e a justiça.

Não é desafio fácil, é apenas para os grandes.

Barroso tem muito a perder – a simpatia da mídia, a tranquilidade da unanimidade, a blindagem contra ataques, a exposição pública (porque televisionada) às baixarias de valentões de bar, como Joaquim Barbosa ou Gilmar Mendes, até os ataques presenciais, como os que sofreu Lewandowski.

E o que teria a ganhar expondo as mazelas de seus pares, indagariam os cidadãos (e Ministros) que enxergam o mundo da planície das vaidades pontuais? Não precisa do Executivo, não se identifica em nada com o PT, não tem as pretensões políticas de Joaquim Barbosa, nem as comerciais de Gilmar Mendes, nem quer entrar no grito na história, como Celso de Mello. Não precisa incorrer no ridículo permanente de um Ayres Britto para ser aceito pelo establishment: já faz parte da elite social e jurídica do país.

Seu único objetivo foi o da restauração da imagem do Supremo – e, a partir dela, do direito -, afetada pelos exageros de um julgamento que tinha de tudo para ser exemplar. Como um pedagogo, pregar a lição de que não há politização que justifique a instrumentalização da justiça, como os atos que cometeram em co-autoria Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Ayres Britto.

Em toda minha carreira jornalística, poucas vezes testemunhei ato tão desprendido e apaixonado de amor à profissão quanto a atitude de Barroso.

Confirma o que ouvi de grandes juristas, antes da sua posse: Barroso é uma instituição maior que o próprio STF de hoje. É um iluminista em uma terra em que a selvageria insistentemente se sobrepõe à civilização.

PSNa esteira da rebeldia legitimadora de Barroso, outro brado, agora de mais um jornalista em defesa dos fatos: o depoimento do setorista do Estadão no STF, repórter Felipe Recondo, relatando o que viu e ouviu nos bastidores do julgamento da AP 470, e rompendo a cortina de silêncio que foi auto-imposta pelos setoristas menos jornalistas, e impostas aos verdadeiramente jornalistas.

O Estadão sonegou a informação de seus leitores: ela ficou restrita ao blog do repórter.

Em sua matéria, mostra que Joaquim Barbosa não acreditava na peça acusatória do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel. Considerava-a inconsistente e sem provas contra seu principal alvo, José Dirceu. E que o aumento da pena, no crime de formação de quadrilha, era essencial para completar o jogo. (Fonte: aqui).

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De fato, foi judiciosa a postura do ministro Barroso relativamente à AP 470, o que não causa surpresa, conforme observado em ocasiões anteriores por este blog - aqui, por exemplo -.

Sobre o desmanche da trama, reproduzo comentário exposto no jornal GGN, aqui:

"(...) Em março de 2011, Joaquim Barbosa já constatava que não seria possível jurídica ou legalmente imputar crime de quadrilha aos acusados. Naquele momento, há três anos, ele tinha, baseado nos autos, a convicção como juiz de que não existiam provas e com isso muito menos a possibilidade de condenar.

À margem da lei e dos princípios que regem uma sociedade civilizada, bem como o papel fundamental de um juiz , ele envergou os fatos, manipulou o quanto pode com o único objetivo de perseguir impiedosamente Zé Dirceu, Delúbio e Genoíno para, além de condená-los, obrigá-los a ficar em regime fechado. Isso fica também corroborado pela atitude de manter Dirceu há mais de três meses em regime fechado, mesmo sendo sua pena de semi aberto.
  
Joaquim Barbosa já tinha a sentença decretada muito antes do processo ir a julgamento. Este é o grande fato que muitos desconfiavam, que Recondo e Barroso revelaram e o próprio Joaquim Barbosa confirmou.
  
Diante de tal escandalosa revelação e a confissão pública de Barbosa, ele passa de Juiz a réu, por mais condescendente que se possa ser com ele."

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