domingo, 24 de novembro de 2013

TRAÇO E TEXTO (II)

(Flagrantes irreais da competição).


A corrida das galinhas


Por Biratan Porto

Nazaré dos Passos era um povoadozinho perdido nas brenhas nordestinas e tinha como receita maior a venda de galinhas caipiras. Mas, num lance de sorte, passou a ser um pontinho vermelho no mapa mundi graças a uma corrida de galinhas promovida pelos criadores do lugar.
Uma grande empresa do país, depois de ver o vídeo da corrida num canal esportivo, resolveu apostar fundo no evento. Construíram um galinhódromo, logo apelidado de Penosão, investiram pesado na mídia nacional e a cada ano as corridas das galinhas recebiam o aasédio de torcedores e turistas. As apostas eram o ponto alto do torneio: chegavam a arriscar fazendas e vultosas quantias em dinheiro.
Na cidade, um clima de festa. Era o ano da grande final do Campeonato das Corridas de Galinhas. Disputavam as doze melhores atletas da redondeza. Marly, a mais cotada à obtenção da faixa de campeão, era nativa de Nazaré dos Passos. Levava vida de rainha. Patrocinada pela multinacional MilhoMidas, tinha ração importada, massagista, psicólogo e até direito a namorar com o galo galã dos quintais, Cary Joh, cujo canto sincopado deixava loucas as meninas do galinheiro.
Das doze concorrentes, a azarona era uma tal de Zezé, que sofria de surdez e se comunicava por libras com o seu técnico. As apostas estavam vinte para um. As lotecas instaladas em Nazaré dos Passos estavam cheias. Filas imensas para conseguir um valioso ingresso.
Dois espertos apostadores profissionais vieram do sul do país para tentar dar golpes e faturar no evento. Pesquisaram por duas semanas, in loco, os hábitos do lugar e a performance de cada galinha finalista. Apostaram alto na azarona Zezé, contrariando todos os palpites dos veteranos conhecedores do esporte.
Os dois pilantras torraram muitos neurônios no quartinho de hotel pensando num trambique para ganhar as apostas. O estrategista da dupla deu algumas opções:

─ Raptar o técnico da Marly? Não. ─ descartou o colega.
─ Sabotar a refeição das atletas? Alguma pode morrer e trazer problemas pra nós! ─ ponderou o outro. ─ Falsificar o exame antidoping? Muito trabalhoso.
O ardiloso deu uma estalada de dedos, chegou ao ouvido do parceiro e cochichou: bzzzzbzzzbzzz.
─ Mas rapaz! É isso! Contrate alguém capaz dessa proeza!
─ Deixe comigo! ─ falou confiante o mentor do plano.
Enfim chegou o dia da final da Corrida das Galinhas. O galinhódromo todo enfeitado, torcidas organizadas. Gente pelo ladrão. Ouviu-se o hino nacional e, ao final, o juiz entrou em campo, examinou a pista de corrida, olhou o posicionamento das galinhas nas baias com seus devidos técnicos e dirigiu-se ao canto para autorizar a largada. Silêncio geral da galera.
─ Priiiiiiiiiiiii! ─ apitou o juiz.
As galinhas saíram em disparada. Marly na frente, segura, firme, com seu técnico vibrando. Outro grupo saiu logo atrás em perseguição à favorita. Algumas mais atrás ainda, correndo em zig-zag, deixaram loucos seus orientadores. Entre elas, a surdinha Zezé, tentando entender os gestos em libras de seu desesperado técnico.
A duras penas, as valorosas atletas já haviam percorrido dois terços da pista. Já se ouvia o brado de “já ganhou” da torcida da Marly, a Usain Bolt das galinhas. Foi quando se ouviu alto e bom som no estádio o canto do galo Kary Joh. Marly freou bruscamente a poucos metros da vitória e voltou cacarejando languidamente em direção ao canto irresistível do conquistador-mor dos galinheiros de Nazaré dos Passos. Algumas galinhas desmaiaram de emoção, outras suspiravam encostadas no alambrado da pista. Foi então que, para decepção de todos, a atleta Zezé cruzou com seus trôpegos passos a linha de chegada. Na torcida, os dois trapaceiros urraram de contentamento e festejaram o plano da gravação do canto do galo ecoada no alto-falante alugado. A dupla embolsou uma grana preta, enquanto o grande público olhava de queixo caído a Surdinha Zezé levantar a taça no posto mais alto do pódio.

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