Nazaré dos Passos era um povoadozinho perdido nas brenhas
nordestinas e tinha como receita maior a venda de galinhas caipiras. Mas, num
lance de sorte, passou a ser um pontinho vermelho no mapa mundi graças a uma
corrida de galinhas promovida pelos criadores do lugar.
Uma grande empresa do país, depois de ver o vídeo da corrida
num canal esportivo, resolveu apostar fundo no evento. Construíram um
galinhódromo, logo apelidado de Penosão, investiram pesado na mídia nacional e
a cada ano as corridas das galinhas recebiam o aasédio de torcedores
e turistas. As apostas eram o ponto alto do torneio: chegavam a arriscar
fazendas e vultosas quantias em dinheiro.
Na cidade, um clima de festa. Era o ano da grande final do Campeonato das Corridas de Galinhas. Disputavam as doze melhores atletas da
redondeza. Marly, a mais cotada à obtenção da faixa de campeão, era nativa de
Nazaré dos Passos. Levava vida de rainha. Patrocinada pela multinacional
MilhoMidas, tinha ração importada, massagista, psicólogo e até direito a
namorar com o galo galã dos quintais, Cary Joh, cujo canto sincopado deixava
loucas as meninas do galinheiro.
Das doze concorrentes, a azarona era uma tal de Zezé, que
sofria de surdez e se comunicava por libras com o seu técnico. As apostas
estavam vinte para um. As lotecas instaladas em Nazaré dos Passos estavam
cheias. Filas imensas para conseguir um valioso ingresso.
Dois espertos apostadores profissionais vieram do sul do país
para tentar dar golpes e faturar no evento. Pesquisaram por duas semanas, in loco, os hábitos do lugar e a performance
de cada galinha finalista. Apostaram alto na azarona Zezé, contrariando todos os palpites dos veteranos conhecedores do esporte.
Os dois pilantras torraram muitos neurônios no quartinho de
hotel pensando num trambique para ganhar as apostas. O estrategista da dupla
deu algumas opções:
─ Raptar o técnico da Marly? Não. ─ descartou o colega.
─ Sabotar a refeição das atletas? Alguma pode morrer e trazer
problemas pra nós! ─ ponderou o outro. ─ Falsificar o exame antidoping? Muito
trabalhoso.
O ardiloso deu uma estalada de dedos, chegou ao ouvido do
parceiro e cochichou: bzzzzbzzzbzzz.
─ Mas rapaz! É isso! Contrate alguém capaz dessa proeza!
─ Deixe comigo! ─ falou confiante o mentor do plano.
Enfim chegou o dia da final da Corrida das Galinhas. O
galinhódromo todo enfeitado, torcidas organizadas. Gente pelo ladrão. Ouviu-se
o hino nacional e, ao final, o juiz entrou em campo, examinou a pista de
corrida, olhou o posicionamento das galinhas nas baias com seus devidos
técnicos e dirigiu-se ao canto para autorizar a largada. Silêncio geral da galera.
─ Priiiiiiiiiiiii! ─ apitou o juiz.
As galinhas saíram em disparada. Marly na frente, segura,
firme, com seu técnico vibrando. Outro grupo saiu logo atrás em perseguição à
favorita. Algumas mais atrás ainda, correndo em zig-zag, deixaram
loucos seus orientadores. Entre elas, a surdinha Zezé, tentando entender os
gestos em libras de seu desesperado técnico.
A duras penas, as valorosas atletas já haviam percorrido dois
terços da pista. Já se ouvia o brado de “já ganhou” da torcida da Marly, a Usain Bolt das galinhas. Foi quando
se ouviu alto e bom som no estádio o canto do galo Kary Joh. Marly freou
bruscamente a poucos metros da vitória e voltou cacarejando languidamente em
direção ao canto irresistível do conquistador-mor dos galinheiros de Nazaré dos
Passos. Algumas galinhas desmaiaram de emoção, outras suspiravam encostadas no
alambrado da pista. Foi então que, para decepção de todos, a atleta Zezé
cruzou com seus trôpegos passos a linha de chegada. Na torcida, os dois
trapaceiros urraram de contentamento e festejaram o plano da gravação do canto
do galo ecoada no alto-falante alugado. A dupla embolsou uma grana preta, enquanto o grande público olhava de queixo caído a Surdinha Zezé
levantar a taça no posto mais alto do pódio.
Grande Dodó. Muito thanks pelo compartilhamento da crônica.
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