Entrevista póstuma com Noel Rosa
Em 1973, o semanário carioca O Pasquim abriu espaço para Noel Rosa, e o papo foi o seguinte:
"Trinta e seis anos depois de sua morte (morreu dia 4 de maio de 1937), procurei Noel Rosa para uma entrevista.
- Eu não tenho nada a dizer. O que você quiser saber está na minha obra – disse ele modestamente.
O resultado foi esta entrevista. Se não estiver boa, não ponham a culpa exclusivamente no repórter. Afinal, o entrevistado não dá entrevista há, pelo menos, 36 anos. (Sérgio Cabral).
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O PASQUIM – Você um cara cheio de problemas de saúde, não saía dos bares, bebendo a noite inteira, batendo papo, etc.
NOEL ROSA – Saber sofrer é uma arte. E pondo a modéstia de parte, eu sei sofrer.
O PASQUIM – Então você sofreu pra burro.
NOEL ROSA – Mesmo assim não cansei de viver.
O PASQUIM – Mas as mulheres de vez em quando, te faziam sofrer mais ainda.
NOEL ROSA – Quem sofreu mais do que eu não nasceu.
O PASQUIM - Uma das suas mulheres foi até visitá-lo, quando você esteve doente. Mas você estava fora. Por que ela foi lá?
NOEL ROSA – Porque pretendia somente saber qual era o dia que eu deixaria de viver.
O PASQUIM – Você sofreu várias decepções mas continuou amando.
NOEL ROSA – Nunca se deve jurar não mais amar a ninguém.
O PASQUIM – Quer dizer que você não tem nada contra o amor.
NOEL ROSA – Quem fala mal do amor não sabe a vida gozar.
O PASQUIM – Mas você, de vez em quando, fala mal da mulher.
NOEL ROSA – A mulher mente brincando e, às vezes, brinca mentindo.
O PASQUIM – Explica isso melhor.
NOEL ROSA – Quando ri está chorando e quando chora está sorrindo.
O PASQUIM – Você sabe se a Betty Friedman o conhecesse teria uma imensa bronca de você que é contra a mulher trabalhando.
NOEL ROSA – Todo cargo masculino, seja grande ou pequenino, hoje em dia é pra mulher.
O PASQUIM – Mas o que é que atrapalha isso, Noel?
NOEL ROSA – E por causa dos palhaços, ela esquece que tem braços. Nem cozinhar ela quer.
O PASQUIM – Mas os direitos são iguais.
NOEL ROSA – Os direitos são iguais, mas até nos tribunais a mulher faz o que quer.
O PASQUIM – Então não são tão iguais assim.
NOEL ROSA – Pois o homem já nasceu dando a costela à mulher.
O PASQUIM – Essa história não é bem assim, não. É preciso discutir.
NOEL ROSA – Mas não quero discussão.
O PASQUIM – Da discussão sai a razão.
NOEL ROSA – Mas às vezes sai pancada.
O PASQUIM – Você gosta mesmo é de samba, não é?
NOEL ROSA – O mundo é um samba em que eu danço sem nunca sair do meu trilho.
O PASQUIM – Você acha mesmo o samba um troço importante?
NOEL ROSA – Exprime dois terços do Rio de Janeiro.
O PASQUIM – Tenho vários amigos que não gostam de samba, querem voar mais alto.
NOEL ROSA – Mas quem voa em grande altura leva sempre grande queda.
O PASQUIM – Não fale assim, Noel, os caras podem se chatear.
NOEL ROSA – O que eu falo é bem pensado. Não receio escaramuça. E que aceite a carapuça quem se sente melindrado.
O PASQUIM – Assim como você está falando, o que é que quer que eles pensem de você?
NOEL ROSA – Que entre nós o páreo é duro.
O PASQUIM – Mas vão acabar seus inimigos.
NOEL ROSA – Meus inimigos, que hoje falam mal de mim, vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.
O PASQUIM – Pelo que vejo, não se pode falar mal do samba perto de você.
NOEL ROSA – O samba é a corda e eu sou a caçamba.
O PASQUIM – Você não tem medo de ninguém?
NOEL ROSA – Sou independente como se vê.
O PASQUIM – Independente? Está rico?
NOEL ROSA – Não consigo ter nem pra gastar.
O PASQUIM – Ou seja: está durão.
NOEL ROSA – Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu. Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou.
O PASQUIM – Você não vai porque está com medo dos malandros do samba.
NOEL ROSA – Não tenho medo de bamba. Na roda do samba, eu sou bacharel.
O PASQUIM – Como é que é esse negócio de bacharel?
NOEL ROSA – Quando me formei no samba recebi uma medalha.
O PASQUIM – Você vive em tudo que é samba, não é?
NOEL ROSA – A polícia em todo canto proibiu a batucada. Eu vou pra Vila onde a polícia é camarada.
O PASQUIM – O samba em Vila Isabel é de noite ou de dia?
NOEL ROSA – O sol da Vila é triste. Samba não assiste porque a gente implora: “Sol, pelo amor de Deus, não venha agora que as morenas vão logo embora”.
O PASQUIM – Mas tem mais samba em outros lugares, Noel.
NOEL ROSA – Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz.
O PASQUIM – E a Vila, como é que fica nisso?
NOEL ROSA – A Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também.
O PASQUIM – Conforme você disse, o samba exprime dois terços do Rio de Janeiro.
NOEL ROSA – Mas tenho que dizer: modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila.
O PASQUIM – Assim não pode, Noel. Com esta banca é melhor a gente acabar a entrevista.
NOEL ROSA – Ofereço meu auxílio. Passe bem, vá pela sombra.
O PASQUIM – Está me mandando embora, Noel?
NOEL ROSA – Não mandei você embora porque sou benevolente.
O PASQUIM – Sabe que se você dissesse isso para certos jornalistas, eles entenderiam como um desafio para briga?
NOEL ROSA – De lutas não entendo abacate.
O PASQUIM – Ué, eu soube que você já lutou profissionalmente.
NOEL ROSA – Cheguei até ser contratado para subir em um tablado para vencer um campeão.
O PASQUIM – E daí, venceu?
NOEL ROSA – Mas a empresa, pra evitar assassinato, rasgou logo o meu contrato, quando me viu sem roupão.
O PASQUIM – E como é que você se vira com esses valentões?
NOEL ROSA – No século do progresso, o revólver teve ingresso para acabar com a valentia.
O PASQUIM – Você sabe que o Josué Montello...
NOEL ROSA – Escreve sal com c cedilha.
O PASQUIM – Pois é. Ele agora é da Academia Brasileira de Letras, junto com a Pedro Calmon.
NOEL ROSA – Desta vez, juntou-se a fome com a vontade de comer.
O PASQUIM – Mas eles tem prestígio por aí, numa certa roda.
NOEL ROSA – Vassouras nos salões da sociedade.
O PASQUIM – Você não frequenta essa roda, não é?
NOEL ROSA – Você pode crer que a palmeira do Mangue não vive em Copacabana.
O PASQUIM – Vamos falar mal das pessoas. E o Roberto Campos, hem?
NOEL ROSA – Que é também brasileiro. E em três lotes vendeu o Brasil inteiro.
O PASQUIM – Sabe que andaram pixando você sob o pretexto de que você é bom de letra mas não de música?
NOEL ROSA – Sendo as notas sete apenas, mais eu não posso inventar.
O PASQUIM – Bem, Noel, vamos acabar a entrevista. Adeus.
NOEL ROSA – Adeus é pra quem deixa a vida. Três palavras vou gritar por despedida: até amanhã, até já, até logo."
NOEL ROSA – Saber sofrer é uma arte. E pondo a modéstia de parte, eu sei sofrer.
O PASQUIM – Então você sofreu pra burro.
NOEL ROSA – Mesmo assim não cansei de viver.
O PASQUIM – Mas as mulheres de vez em quando, te faziam sofrer mais ainda.
NOEL ROSA – Quem sofreu mais do que eu não nasceu.
O PASQUIM - Uma das suas mulheres foi até visitá-lo, quando você esteve doente. Mas você estava fora. Por que ela foi lá?
NOEL ROSA – Porque pretendia somente saber qual era o dia que eu deixaria de viver.
O PASQUIM – Você sofreu várias decepções mas continuou amando.
NOEL ROSA – Nunca se deve jurar não mais amar a ninguém.
O PASQUIM – Quer dizer que você não tem nada contra o amor.
NOEL ROSA – Quem fala mal do amor não sabe a vida gozar.
O PASQUIM – Mas você, de vez em quando, fala mal da mulher.
NOEL ROSA – A mulher mente brincando e, às vezes, brinca mentindo.
O PASQUIM – Explica isso melhor.
NOEL ROSA – Quando ri está chorando e quando chora está sorrindo.
O PASQUIM – Você sabe se a Betty Friedman o conhecesse teria uma imensa bronca de você que é contra a mulher trabalhando.
NOEL ROSA – Todo cargo masculino, seja grande ou pequenino, hoje em dia é pra mulher.
O PASQUIM – Mas o que é que atrapalha isso, Noel?
NOEL ROSA – E por causa dos palhaços, ela esquece que tem braços. Nem cozinhar ela quer.
O PASQUIM – Mas os direitos são iguais.
NOEL ROSA – Os direitos são iguais, mas até nos tribunais a mulher faz o que quer.
O PASQUIM – Então não são tão iguais assim.
NOEL ROSA – Pois o homem já nasceu dando a costela à mulher.
O PASQUIM – Essa história não é bem assim, não. É preciso discutir.
NOEL ROSA – Mas não quero discussão.
O PASQUIM – Da discussão sai a razão.
NOEL ROSA – Mas às vezes sai pancada.
O PASQUIM – Você gosta mesmo é de samba, não é?
NOEL ROSA – O mundo é um samba em que eu danço sem nunca sair do meu trilho.
O PASQUIM – Você acha mesmo o samba um troço importante?
NOEL ROSA – Exprime dois terços do Rio de Janeiro.
O PASQUIM – Tenho vários amigos que não gostam de samba, querem voar mais alto.
NOEL ROSA – Mas quem voa em grande altura leva sempre grande queda.
O PASQUIM – Não fale assim, Noel, os caras podem se chatear.
NOEL ROSA – O que eu falo é bem pensado. Não receio escaramuça. E que aceite a carapuça quem se sente melindrado.
O PASQUIM – Assim como você está falando, o que é que quer que eles pensem de você?
NOEL ROSA – Que entre nós o páreo é duro.
O PASQUIM – Mas vão acabar seus inimigos.
NOEL ROSA – Meus inimigos, que hoje falam mal de mim, vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.
O PASQUIM – Pelo que vejo, não se pode falar mal do samba perto de você.
NOEL ROSA – O samba é a corda e eu sou a caçamba.
O PASQUIM – Você não tem medo de ninguém?
NOEL ROSA – Sou independente como se vê.
O PASQUIM – Independente? Está rico?
NOEL ROSA – Não consigo ter nem pra gastar.
O PASQUIM – Ou seja: está durão.
NOEL ROSA – Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu. Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou.
O PASQUIM – Você não vai porque está com medo dos malandros do samba.
NOEL ROSA – Não tenho medo de bamba. Na roda do samba, eu sou bacharel.
O PASQUIM – Como é que é esse negócio de bacharel?
NOEL ROSA – Quando me formei no samba recebi uma medalha.
O PASQUIM – Você vive em tudo que é samba, não é?
NOEL ROSA – A polícia em todo canto proibiu a batucada. Eu vou pra Vila onde a polícia é camarada.
O PASQUIM – O samba em Vila Isabel é de noite ou de dia?
NOEL ROSA – O sol da Vila é triste. Samba não assiste porque a gente implora: “Sol, pelo amor de Deus, não venha agora que as morenas vão logo embora”.
O PASQUIM – Mas tem mais samba em outros lugares, Noel.
NOEL ROSA – Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz.
O PASQUIM – E a Vila, como é que fica nisso?
NOEL ROSA – A Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também.
O PASQUIM – Conforme você disse, o samba exprime dois terços do Rio de Janeiro.
NOEL ROSA – Mas tenho que dizer: modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila.
O PASQUIM – Assim não pode, Noel. Com esta banca é melhor a gente acabar a entrevista.
NOEL ROSA – Ofereço meu auxílio. Passe bem, vá pela sombra.
O PASQUIM – Está me mandando embora, Noel?
NOEL ROSA – Não mandei você embora porque sou benevolente.
O PASQUIM – Sabe que se você dissesse isso para certos jornalistas, eles entenderiam como um desafio para briga?
NOEL ROSA – De lutas não entendo abacate.
O PASQUIM – Ué, eu soube que você já lutou profissionalmente.
NOEL ROSA – Cheguei até ser contratado para subir em um tablado para vencer um campeão.
O PASQUIM – E daí, venceu?
NOEL ROSA – Mas a empresa, pra evitar assassinato, rasgou logo o meu contrato, quando me viu sem roupão.
O PASQUIM – E como é que você se vira com esses valentões?
NOEL ROSA – No século do progresso, o revólver teve ingresso para acabar com a valentia.
O PASQUIM – Você sabe que o Josué Montello...
NOEL ROSA – Escreve sal com c cedilha.
O PASQUIM – Pois é. Ele agora é da Academia Brasileira de Letras, junto com a Pedro Calmon.
NOEL ROSA – Desta vez, juntou-se a fome com a vontade de comer.
O PASQUIM – Mas eles tem prestígio por aí, numa certa roda.
NOEL ROSA – Vassouras nos salões da sociedade.
O PASQUIM – Você não frequenta essa roda, não é?
NOEL ROSA – Você pode crer que a palmeira do Mangue não vive em Copacabana.
O PASQUIM – Vamos falar mal das pessoas. E o Roberto Campos, hem?
NOEL ROSA – Que é também brasileiro. E em três lotes vendeu o Brasil inteiro.
O PASQUIM – Sabe que andaram pixando você sob o pretexto de que você é bom de letra mas não de música?
NOEL ROSA – Sendo as notas sete apenas, mais eu não posso inventar.
O PASQUIM – Bem, Noel, vamos acabar a entrevista. Adeus.
NOEL ROSA – Adeus é pra quem deixa a vida. Três palavras vou gritar por despedida: até amanhã, até já, até logo."
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Para ouvir os sambas imortais que embasaram a entrevista acima, clique AQUI.
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