segunda-feira, 20 de maio de 2013

A IMPRENSA E A RECÍPROCA NÃO VERDADEIRA


Liberdade de expressão para os outros

Por Paulo Moreira Leite

Não é de hoje que nossos políticos descobriram que toda medida capaz de agradar os interesses da mídia é uma ótima maneira de receber um bom tratamento em reportagens e entrevistas.

Em véspera de uma campanha eleitoral, esse costume salta à vista.

Jornais e TVs protegem personalidades com as quais têm uma identidade política e ideológica.

Seria muito natural, não fosse a obsessão de nossos jornais e revistas em denunciar a “troca de favores” entre políticos como uma espécie de crime permanente de nossa vida pública.

Mas o toma lá dá cá também envolve questões que interessam à mídia como negócio.

É isso que move a discussão atual sobre direito de resposta, analisada com maestria por Jânio de Freitas em sua coluna na Folha.

Em debate no Congresso, a regulamentação do direito de resposta concentra, hoje, os últimos direitos da sociedade diante da imprensa. Depois que o Supremo deu um brinde aos donos de jornal, eliminando a Lei de Imprensa sem nada colocar no lugar, quem se considera prejudicado por uma reportagem deve ir à luta na Justiça Comum.

Eu acho um pouco estranho.

Com direito legítimo a usufruir de garantias especiais – pois sua atividade envolve a liberdade de expressão e não se confunde com plantio de batatas ou venda de biscoitos –, não se compreende por que jornais e jornalistas não querem incluir personagens frequentes de sua atividade – as vítimas de erros de informação -- neste universo diferenciado.

Levando este raciocínio às últimas consequências, uma pessoa poderia concluir que se acredita que a liberdade de imprensa existe para servir aos jornais e jornalistas – e não a toda sociedade.

Em sua última versão, que alterou a essência de um projeto original, do senador Roberto Requião, o resultado é acentuar a banalização dos erros da mídia, garantindo aos jornalistas o conforto de responder a um processo nos ritmos longos, quase infinitos, do sistema judiciário.

É errado.

Toda pessoa que já foi vítima de um erro da imprensa sabe que o direito de resposta é o único instrumento para uma pessoa esclarecer uma ofensa a sua honra e a sua imagem.

Você pode até entrar na Justiça, condenar o jornal e, se tiver sorte e bons advogados, receber um bom dinheiro.

Mas este processo levará anos para ser concluído – tempo suficiente para que a mentira finque raízes na memória das pessoas e todos já tenham se esquecido do episódio quando a sentença for assinada.

Jânio repara que o novo projeto repete uma velha exigência, de garantir que o direito de resposta tenha o mesmo espaço e a mesma localização da noticia anterior. É a melhor garantia que só haverá reparação para notinhas, observa, com sagacidade.

A questão central no jornalismo não é espaço, mas tempo. A atividade funciona na velocidade, que define a disputa por sua mercadoria mais importante – o furo.

Se a notícia é sempre para ontem, a correção deve ser para hoje – no mínimo.

Não é difícil. Minha experiência em redações ensina que basta uma consulta honesta e isenta às partes envolvidas que 99% das histórias podem ser esclarecidas em 24 horas.

Da mesma maneira que um editor publica uma reportagem – questionando os dados dos repórteres, conferindo versões e assim por diante –, é possível fazer a engenharia reversa da notícia e apurar se houve um erro, quando foi cometido, e garantir que o distinto público seja informado.

Um outro aspecto é interno à profissão. Jogar uma resposta para as calendas é a melhor forma de colocar a sujeira embaixo do tapete.

E isso estimula o sentimento de impunidade, primeiro passo para alimentar a arrogância – e novas injustiças -- de toda corporação que não precisa prestar contas de seus atos.

Numa experiência como jurado do Prêmio Esso, assisti à vitória de uma reportagem que, menos de uma semana depois de ter sido publicada, já fora desmentida em vários aspectos. Nem a foto principal correspondia ao que estava escrito na legenda.

Ninguém sabia disso, entre os jurados, mas a informação acabou chegando a nós durante os debates, antes da premiação ser resolvida.

Candidata ao prêmio nacional, após muito debate interno a reportagem foi rebaixada. Ganhou um prêmio regional. Ou seja: bem ou mal, foi vitoriosa numa disputa daquele que era considerado o mais importante prêmio da imprensa brasileira. Chato, né?

A maioria de nossos jornais, tão ciosos na defesa de uma legislação cada vez rigorosa em assuntos de interesse público – inclusive com empresas privadas que prestam serviço público --, não assume a mesma postura quando se trata de seu próprio negócio.

Classificam como ameaça à liberdade qualquer debate para criar regras que garantam o direito de defesa às vítimas de seus erros, o que é um absurdo.

É como se eles tivessem direito a sobreviver numa torre de marfim, num mundo inatingível, acima da sociedade.

É democrático?

Não acho.

É difícil dizer isso, mas eu acho que, basicamente, trata-se de uma questão econômica.

O negócio da comunicação depende da credibilidade de cada veículo e a publicação de respostas e correções, com a frequência necessária, pode comprometer a imagem que eles cultivam a seu próprio respeito.

Os veículos não querem perder leitores nem mercado. É compreensível e natural.

Só não precisam impedir a liberdade de expressão dos outros.

A impunidade gera feitiços muito maiores do que os grandes feiticeiros poderiam imaginar.

Por isso o país precisa de um direito de resposta simples, rápido e eficaz. Todos vão ficar mais civilizados com isso, inclusive os jornais e os jornalistas. (Fonte: aqui).

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O fato é que a situação é tão sombria para leitores e demais mortais comuns (inclusive pessoas jurídicas), que esse projeto de direito de resposta tem chances remotíssimas de vir a ser convertido em lei. A grande imprensa vai se mobilizar (já está em plena mobilização) para impedir a concretização da 'ameaça'. 

Enganam-se os que julgam que a fogueira das vaidades é cenário exclusivo do STF. 

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