Dama de computador
Por Luis Fernando Veríssimo
Depois de saber que o Chico Buarque também fica jogando paciência no computador em vez de trabalhar, me senti desagravado. Eu não estou perdendo tempo ou protelando o momento de começar a escrever, quando jogo paciência. Estou, digamos assim, fazendo alongamento do músculo cerebral. Ou distraindo o cérebro enquanto a verdadeira criação se dá em outro nível, no inconsciente. E, se isso parecer conversa de vagabundo para se justificar, agora tenho um argumento irrespondível: o Chico Buarque faz a mesma coisa!
Há muitos jogos no meu computador, com vários graus de complexidade, mas até agora só aderi à paciência, o mais fácil. Um dia tentei jogar dama no computador. Eu fui bom em dama quando era garoto. Nunca progredi da dama para o xadrez, talvez pela mesma razão que me impediu de gostar de matemática, entrar em labirintos e pensar muito profundamente sobre os buracos negros.
(Dizem que dama é xadrez para as almas simples).
Joga-se dama de computador não contra o computador, mas contra outro jogador que esteja na linha, movimentando-se uma peça no tabuleiro e esperando que o adversário, em alguma parte do mundo, movimente uma sua. Mas não consegui ir além de duas ou três peças movimentadas.
Estava jogando bem, mas tive que parar. Até agora não sei explicar minha sensação diante daquele adversário que eu não via, que não sabia onde estava ou que cara tinha, embora estivéssemos, para todos os efeitos, cara a cara. Era como jogar com um fantasma.
Mais do que isto: era como ter minha casa invadida por um membro daquela estranha seita, talvez escrava, cuja única função na vida é ficar esperando desafios anônimos no jogo de dama. Era isto: a sensação de uma cidadela invadida e de uma intimidade indesejada cada vez que o outro movimentava uma peça.
Abandonei o dama no meio do jogo e cliquei no paciência. Jogando paciência você às vezes se sente sacaneado pelo computador, que geralmente permite uma vitória a cada cinco ou seis tentativas. Mas pode ao menos ter certeza de que não é nada pessoal. (Fonte: aqui).
Dodó
ResponderExcluirEm minha opinião LFV está na melhor fase de sua carreira, suas cronicas são verdadeiros ensaios sobre a condição humana. Com humor poesia e enfim ARTE. Sem falar que é um homem integro, que permanece lucido nesta avalanche de maluquices que acomete a midia dita intelectual. Esta cronica demonstra o que digo.
grande abraço
joão antonio e vero
Caro amigo, faço minhas as suas palavras sobre LFV.
ResponderExcluirGrande abraço.