Eis o Homem
Por Mauro Santayana
A mais forte frase do Evangelho é a de Pilatos, ao exibir Cristo, ensanguentado e humilhado ao extremo pelos seus algozes, à multidão enfurecida: “eis o homem”. Como outras passagens dos textos que a fé autentica – mais do que as provas históricas – as duas palavras ditas em latim, pronunciadas por um romano, são, em si mesmas, todo um enunciado teológico. Pilatos não mostrava um criminoso, nem um inimigo de Roma, mas o homem. Cristo não era um homem qualquer, em sua individualidade, mas O Homem como ser coletivo e único no conjunto da vida, dotado da consciência do bem e do mal.
Pilatos, evidentemente, não tinha essa clareza do significado. Queria dizer apenas que se era Cristo quem eles queriam, ali estava o homem, para que decidissem entre ele e Barrabás. Em um só homem frágil, açoitado e vilipendiado, estava todo o Mistério e todo o poder da Vida.
O Cristianismo se funda na absoluta fragilidade dos seres humanos. Um poema anônimo espanhol do século 16 vai à mesma verdade. O poeta desdenha o oportunismo medieval que, em nome de Cristo, ameaça com o inferno e promete o céu, e vai ao núcleo da sua fé: “tú me mueves, Señor, muéveme el verte / clavado en una cruz y escarnecido,/ muéveme ver tu cuerpo tan herido/ muévenme tus afrentas y tu muerte”.
Sobre essa emblemática fragilidade física, que chega a comprometer a resistência do espírito nos momentos finais, em que o Crucificado se queixa do Pai, por tê-Lo abandonado aos carrascos, é que deviam fundar-se todas as igrejas cristãs – a Católica e as que, em protesto pelos seus desmandos no alvorecer do século 16, surgiram como falsas restauradoras da fé primitiva.
Instituição política, estabelecida na velha associação entre o poder temporal e o senso do Absoluto, a Igreja se pretende eterna. Ora, os 16 séculos de sua existência não são tanto tempo assim na História. O Cristianismo não é seita judaica, nem religião monoteísta como as outras. Sua mensagem é mais do que o alento à consciência de mortalidade dos homens: é necessária para que possamos construir aqui – e agora – o nosso pleno destino. Nesse mandamento, esquecido, está a salvação da espécie humana e, provavelmente, a salvação de toda a vida no planeta.
A Igreja se encontra, nestes dias, como o pecador junto ao confessionário – e o sacerdote que a ouve é a consciência do mundo. Para purgar os seus pecados não bastam as preces de contrição. Reunidos no próximo conclave, os Cardeais apenas escolherão o novo Pontífice: não serão capazes de salvar a Igreja. Só os cristãos autênticos, aqueles que entenderam a frase enigmática de Pilatos, poderão salvá-la, participem ou não da Hierarquia. Para isso é preciso voltar ao Concílio Vaticano II e ir muito além; é preciso retornar à fraternidade primitiva dos cristãos. Cristo, dizem-nos os Evangelhos, recomendou, ao moço que queria segui-Lo, que antes se desfizesse de seus bens, distribuindo-os aos pobres.
É um conselho, a ser seguido pelo Vaticano e pelas ricas dioceses espalhadas na Terra. E por todas as outras confissões que também se dizem cristãs e da mesma forma se afastaram do Nazareno. (Fonte: aqui).
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Santayana escreveu um texto definitivo - tão definitivo quanto o ecumenismo de João XXIII.
(A ilustração acima - acrílico sobre tela - foi colhida na Mercearia da Arte, aqui).
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