A nova inquisição espanhola: agora, são os bancos que imolam "hereges"
Por Cynara Menezes
- Pedro, 68, e Julita, 67, moradores de Calvià, Mallorca. Tomaram uma overdose de soníferos no dia 12 de fevereiro.
- Homem de 55 anos, morador de Alicante. Se enforcou em sua casa no dia 13 de fevereiro.
- Francisco Bretón, 36 anos, morador de Córdoba. Se atirou de seu apartamento no quarto andar no dia 8 de fevereiro.
- Homem não-identificado, morador de Málaga. Ateou fogo ao próprio corpo em plena rua no dia 2 de janeiro.
- Victoria Mesa, 52 anos, moradora de Málaga. Se jogou do balcão de seu apartamento em 14 de dezembro de 2012.
- Amaya Egaña, 53 anos, moradora de Baracaldo, País Basco. Se jogou da janela do quarto andar de sua casa em 9 de novembro de 2012.
- José Miguel Domingo, 54 anos, morador de Granada. Enforcou-se em casa em 25 de outubro de 2012.
- Jovem não-identificado, se jogou de uma ponte nas ilhas Canárias em 23 de outubro de 2012.
Como nos registros da Inquisição catalogados por José Saramago em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, as imolações se sucedem. A diferença é que agora não é a igreja, mas os bancos a cobrar as vidas dos “hereges”, condenados por não pagarem as hipotecas de suas próprias casas. Diante da realidade de que serão jogados na rua, optam pelo suicídio. Aqui é possível ver uma lista com os suicídios que chegaram ao conhecimento público. Podem ser muitos mais, já que existe uma tradição no jornalismo de não noticiar suicídios.
Em um recente congresso de psiquiatria na Espanha, informa o jornal El Mundo, se especulou que podem estar acontecendo nada menos que nove suicídios por dia relacionados à crise econômica. A maioria deles causados pelos despejos que ocorrem no país desde que estourou a bolha imobiliária que provocou o endividamento de milhões de espanhóis. De acordo com Stop Desahucios, entidade que representa os que estão prestes a ser desalojados de suas moradias pelos bancos, sedentos por cobrar juros e dividendos de famílias arruinadas, já aconteceram no país mais de 400 mil despejos de 2007 para cá. Só no ano passado foram mais de 180 mil. Atualmente, são 517 despejos por dia. É desesperador.
A situação chegou a um ponto que o governo neoliberal do PP resolveu liberar seus parlamentares para aceitarem uma petição popular contra os despejos, que está sendo apreciada no Congresso espanhol desde a última terça-feira 14. Mais de um milhão de assinaturas foram recolhidas para apresentar a petição, que propõe a suspensão dos despejos, moratória universal, quitação da dívida com a entrega do imóvel e criação de um parque de moradias para aluguel social mais amplo que o oferecido pelo governo. Os políticos do PP só cederam no último momento, justamente ao vir à tona o suicídio do casal de Mallorca.
Quantos mais precisarão morrer para pôr fim a essa santa inquisição da grana?
E eu fico me perguntando: o que farão com todas essas casas e apartamentos vazios? Imóveis fantasmas de um país na bancarrota. (Fonte: aqui).
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As hipotecas celebradas no 'boom' espanhol são fruto da explosão do Livre Mercado, onda iniciada nos EUA e Reino Unido. A total desregulamentação da ação dos bancos e financeiras produziu estragos de toda ordem. Quem não entrasse na dança das 'generosas' hipotecas (imóveis superavaliados pelos bancos) ficaria a ver navios: os bancos que não emprestassem os tubos não lucrariam o bastante; as pessoas físicas que não 'aproveitassem' a dinheirama oferecida não passariam de otárias. Foi um festival generalizado, de parte a parte. Até que a montanha da inadimplência se tornou inadministrável...
Uma vez que o desastre não se limita à Espanha, não causará estranheza um novo pacotão mediante o qual a União Europeia (a área estatal, para ficar bem claro) proceda à cobertura dos rombos dos bancos. A história se repete: os inquisidores sempre saem ganhando...
Olá Dodó, querido amigo.
ResponderExcluirVi isso acontecer no Paraná, trabalhando na Justiça Federal.
Quando comecei a trabalhar lá percebi que a Caixa Econômica entrava com centenas e centenas de pedidos de ordens de despejos.
Não demorou muito para que fosse necessário uma reavaliação por parte do Judiciário para verificar que essas famílias ficariam a mercê da própria sorte e ao relento, e o Estado nada poderia fazer.
Hoje quase 14 anos depois há audiências conciliatórias, a fim de sanar as demandas, porém, ainda vemos famílias serem despejadas.
O Social deve ser levado em conta e não só o contrato bancário. Lamentável o que está ocorrendo na Espanha. Isso certamente não poderá continuar.
Até amigo. Beijokas.
Cara amiga,
ResponderExcluirÉ, de fato, uma situação lastimável. Hoje mesmo aconteceu baita manifestação em Barcelona. Transcrevo nota do Uol: "Manifestantes pedem por uma nova lei de hipoteca, em Barcelona, neste sábado (16). Na terça-feira (12), o parlamento espanhol concordou em debater reformas às leis de hipoteca depois de uma petição com mais de 1,5 milhão de assinaturas. A pressão pública ao primeiro-ministro Mariano Rajoy aumentou para mudar as regras desde que os bancos já tomaram mais de 400.000 propriedades".
Considero um mérito o fato de o Brasil estar vivenciando uma outra realidade. Julgo importante destacar isso porque, se fosse negativa a nossa situação, a grande imprensa com certeza estaria a todo instante alardeando o 'desasre nacional'.
Um grande abraço.