O escritor Gore Vidal, por Junior Lopes.
Por aí com Gore Vidal
Por Ruy Castro
Gore Vidal, o escritor americano que morreu na quarta-feira, só não fazia pior
juízo de seus semelhantes porque não os considerava seus semelhantes. Sim, ele
era esnobe, mas muito engraçado e não poupava ninguém, principalmente seus
patrícios. Desprezava a história dos EUA ("construída sobre a violência"), a
Constituição americana ("criada para defender a propriedade"), o povo ("confunde
inocência com ignorância"), Norman Mailer, Truman Capote, o "New York Times", os
intelectuais de Nova York, os críticos, todo mundo -isso, claro, quando se
lembrava deles.
Essas foram algumas das frases que anotei ao dar umas
voltas com Vidal por Rio e São Paulo quando ele esteve aqui, em 1987. Ao ser
apresentado a alguém, perguntava: "Sabia que a biblioteca do [presidente] Reagan
acaba de pegar fogo? Ambos os livros foram destruídos!". E, enquanto o outro
ria, ele completava: "E, um deles, Reagan ainda nem tinha acabado de colorir".
Gostava tanto da história que abriu duas palestras (...) com ela.
Em outros momentos, Gore teve de conter o riso. No
dia da palestra na Unicamp, um funcionário o levou a um tour pelas instalações e
mostrou-lhe as obras de arte nas paredes -reproduções de clássicos italianos em
fascículos da Abril, sob molduras de vidro. Para quem morava em Ravello, na
Itália, e tropeçava nos originais, não devia ser muito
impressionante.
Depois da palestra, foi agraciado com um recital de
Villa-Lobos pelo coral da universidade. Pela extensão do concerto ou pelos 35
graus de temperatura, ele me sussurrou: "Nunca mais me deixe ouvir Villa-Lobos".
E, quando se levantou, descobriu que sua cadeira estava recém-envernizada, e as
tiras tinham ficado marcadas nas costas de seu paletó.
Nem assim Gore
perdeu o humor. Como eu disse, ele era esnobe.
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