Entre aspas
Por Lula Vieira
Não me lembro direito, mas li numa revista, acho que na Carta Capital, um artigo levantando a hipótese de que todo o cara que tem mania de fazer aspas com os dedinhos quando faz uma ironia é um chato.
Num outro artigo alguém escreveu que achava que jamais tinha conhecido um restaurante de boa comida com garçons vestidos de coletinho vermelho.
Joaquim Ferreira dos Santos, em 'O Globo' de domingo, fala do seu profundo preconceito com quem usa 'agregar valor'.
Eu posso jurar que toda mulher que anda permanentemente com uma garrafinha de água e fica 'mamando' de segundo em segundo é uma chata.
São preconceitos, eu sei. Mas cada vez mais a vida está confirmando estas conclusões.
Um outro amigo meu jura que um dos maiores indícios de babaquice é usar o paletó nos ombros, sem os braços nas mangas. Por incrível que pareça, não consegui desmentir. Pode ser coincidência, mas até agora todo cara que eu me lembro de ter visto usando o paletó colocado sobre os ombros é muito babaca.
Outro indício infalível é que atrás de (...) um cachimbo existe 1 de 2 tipos de pessoas: ou inglês, ou babaca! Com cinquenta e muitos anos de vida, nunca encontrei outra espécie...
Já que estamos nessa onda, me responda uma coisa: você conhece algum natureba radical que tenha conversa agradável?
O sujeito que adora uma granola, só come coisas orgânicas, faz cara de nojo à simples menção da palavra 'carne', fica falando o tempo todo em vida saudável, é a pessoa ideal para companhia na madrugada?
Eu detesto certos vícios de linguagem, do tipo 'chegar junto', 'superar limites', e os famosos 'gerundismos' que lembram papo de concorrente a big brother.
Mais uma vez, repito: acho puro preconceito, idiossincrasia, mas essa rotulagem imediata é uma mania que a gente vai adquirindo pela vida e que pode explicar algumas antipatias gratuitas.
Tem gente que a gente não gosta logo de saída, sem saber direito por quê. Vai ver que a pessoa transmite algum sintoma de chatice.
Se algum dia eu matar alguém, existe a grande possibilidade de ser um guardador de carros.
Deus que me perdoe, me livre e me guarde, mas tenho menos raiva de um assaltante do que do cara que fica na frente do meu carro fazendo gestos desesperados tentando me ajudar em alguma manobra, como se tivesse comprado a rua e tivesse todo o direito de me cobrar pela vaga.
Sei que estou ficando velho e ranzinza, mas o que se há de fazer?
Não suporto especialista em motivação de pessoal que obrigue as pessoas a pagarem o mico de ficar segurando na mão do vizinho, com os olhos fechados e tentando receber 'energia positiva'.
Aliás, tenho convicção de que empresa que paga bons salários e tem uma boa e honesta política de pessoal não precisa contratar palestras de motivação para seus empregados. Eles se motivam com a grana no fim do mês e com a satisfação de trabalhar numa boa empresa.
Que me perdoem todos os palestrantes que estão ficando ricos percorrendo o país, mas eu acho que esse negócio de trocar fluidos me lembra putaria.
E para terminar: existe qualquer esperança de encontrar vida inteligente numa criatura que se despede mandando 'um beijo no coração'?
(Lula Vieira é publicitário. Crônica reproduzida do blog Luis Nassif)
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Outros indícios de chatice, selecionados entre os diversos comentários suscitados:
.o sujeito que diz "Vamos começar a startar";
.o entendido em informática que aqui e ali sapeca um "inicializando".
.político que para qualquer fotógrafo faz o 'V' da vitória;
.o cara que utiliza a palavra "alavancar";
.a pessoa que inicia observação com a expressão "Como eu costumo dizer...", e cita uma frase feita que não é dela;
.o indivíduo que faz uso dos termos "focar" e "com certeza";
.o elemento que inicia todo e qualquer comentário com a palavra "ENTÃO" (essa merece caixa alta!);
.a criatura que diz "Papai do céu" e "O chefe lá de cima";
.o uso das expressões "quebrar paradigmas", "veja bem" e "simples assim";
.basta!
(Em tempo: o sujeito que conclui uma abordagem com a palavra "basta!").
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