segunda-feira, 4 de junho de 2012

UNIÃO EUROPEIA, UMA AVALIAÇÃO

Merkel, por Bertrams.

Quem é o patrão da Europa?

Esse tema, Ibéria e Iberoamerica, eu não o trouxe de Portugal. Fui convidado a integrar o júri do Prémio Casa das Américas. Na realidade vou pensar um pouco em voz alta sobre algumas coisas que por estarem longe podem chegar aqui tão deformadas como muito do que tem a ver com Cuba chega à Europa.

Penso que não se pode falar de Ibéria. Existe a Península Ibérica: dois Estados, distintas nacionalidades. Mas, seria um erro pensar Ibéria fora do contexto da Europa. Porque agora que os europeus estão, segundo a fórmula consagrada, construindo a Europa, cada vez mais se apresentam problemas e dúvidas sobre a Europa, e sobre a relação da Península Ibérica com a Europa. A tentação seria, como diziam os clássicos, tomar a nuvem por Juno, e depois de ouvir a rádio, ver a televisão e ler a imprensa, dizer: aí era a Comunidade Económica Europeia. Que agora se chama simplesmente Comunidade Europeia, como se já estivesse feita.

A verdade é que a Comunidade Económica, como a que nasceu na cabeça de Robert Schumann, não é mais do que a ideia de racionalizar as economias dos diferentes países da Europa. A questão central foi sempre a da economia. Ou seja: quem é o senhor, quem é o patrão da Europa. Todos os conflitos, todas as situações complexas que a Europa viveu, até mesmo as chamadas guerras religiosas, tiveram por motivo definir uma economia para cem anos, ou um milénio, como desejou Hitler.

Posso imaginar, sem esforço, que uma séria conversa entre um italiano, um francês, um alemão e um inglês, logo após a guerra de l939-1945, recairia necessariamente nesse tema: O problema da economia e quem é o dono e senhor da Europa. «Está complicado», um deles diria, «acabamos de sair de uma guerra terrível, em que nos destroçámos: a ruína está aí, e é isso o que se quer evitar. Então nos parece que uma boa solução seria administrar a Europa conjuntamente». Isso é o que se está fazendo. A Comunidade é o Conselho de Administração de uma grande empresa chamada Europa, que tem produtores que são consumidores, consumidores que são produtores, e tudo isso planificado.

A distribuição das tarefas, incumbências e obrigações é determinada por esse Conselho. A Comunidade decidiu, por exemplo, que 75% da superfície florestal de meu país será destinada à plantação de eucaliptos. Nós não decidimos. Decidiu uma potência supernacional. E decidiu sobre algo que até agora teria a ver com o que chamamos de soberania nacional. O mais interessante, porém, é o seguinte: o que antes parecia ligar-se apenas à economia, está se transformando em solução política para a Europa. Isto é, uma vez que a aplicação da política económica não pode ser decidida pelos governos nacionais, então é indiferente que os governos sejam conservadores, nacionalistas, capitalistas, socialistas, social-democratas ou liberais. Apagam-se as fronteiras do que chamávamos ideologias, porque isso não tem mais importância.

O mais importante – e eu diria, o mais trágico – é que se tira dos povos o direito de decidirem sobre o seu destino. Claro que nada no mundo é definitivo, e os povos sempre encontram as soluções melhores para os seus problemas. Mas o problema da hegemonia, que parecia resolvido com a Comunidade, não está. O que está ocorrendo agora é o surgimento da potência europeia do futuro, que será outra vez a Alemanha. A Europa será o que Alemanha decidir.

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O artigo acima foi publicado em 1992, ano em que foi firmado o Tratado de Maastricht, estabelecendo a União Europeia (27 estados membros).
O autor é José Saramago.

(Mas parece razoável supor que a prevalência alemã seria encarada com naturalidade caso a UE como um todo tivesse prosperado ao longo dessas duas décadas - o que poderia muito bem ter ocorrido caso os europeus tivessem resistido aos encantos e apelos do neoliberalistmo).

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