Emad Hajjaj.
Impressões egípcias
Por Marcia Camargos e
Aldo Cordeiro Sauda
Em meio às primeiras eleições presidenciais do país, um sentimento de tristeza,
quase uma depressão nacional, parece ter se apossado do Egito.
No lugar
das tradicionais imagens de eleitores sorridentes, imperou o retrato de um voto
seco e útil, quase universalmente gerado pela negativa. Sob um calor escaldante,
o que vimos nos postos eleitorais estava muito longe da euforia esperada de quem
alcança o ponto culminante de um processo desencadeado por uma
revolução.
Nas filas para depositar o voto nas urnas, em cabines
separadas por sexo, homens vestidos à maneira ocidental justificavam sua aposta
no general Ahmed Shafiq, ex-primeiro ministro do ditador Mubarak, pelo temor aos
islamistas.
Na contracorrente, jovens que acamparam na praça Tarhir,
muitas vezes ao lado de mulheres debaixo do longo véu negro de um niqab,
declaravam apoio ao candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamad Mursi. Alguns por
concordância ideológica, outros só pela oportunidade de mudança em relação ao
antigo governo.
O desânimo geral não chegou a nos surpreender.
Às
vésperas das eleições, uma série de incidentes culminaram na anulação do
primeiro parlamento democraticamente eleito da história do país e na imposição,
de fato, de lei marcial pelo Exército.
No rol das medidas fatais para o
suposto "processo de transição", a Suprema Corte Constitucional, no mesmo dia em
que aboliu o Parlamento, anulou a chamada Lei de Isolamento. Instituída pelo
agora deposto Poder Legislativo, ela visava impedir remanescentes do staff de
Mubarak, como o próprio Shafiq, de disputar as eleições presidenciais.
Na
madrugada da segunda-feira, no momento em que começavam a contar os votos, novos
decretos emitidos pela Junta Militar, sob o título de "emendas constitucionais",
aumentavam ainda mais o poder dos militares dentro do país.
Além de
acumularem o Poder Legislativo em suas mãos e de reivindicarem para si o direito
de elaborar a futura Assembleia Constitucional, foi retirado do futuro
presidente o poder de dirigir o Ministério da Defesa ou o orçamento
militar.
Não por acaso, metade dos eleitores registrados não compareceram
ao segundo turno. Abalados pelas incertezas de um processo de transição confuso
e mal manejado, poucos são os que acreditam em qualquer avanço institucional
orquestrado pela Junta Militar.
A deposição do Parlamento, uma das poucas
fontes de legitimidade dos militares, enterrou os últimos resquícios de respeito
aos generais.
Ainda que não fosse altamente apreciado, o Parlamento
representava, aos olhos da população, algum progresso mínimo no sentido de um
Egito mais democrático.
Contudo, o próprio poder legislativo, dominado
pela Irmandade Muçulmana desde novembro, tornou-se um dos principais focos da
frustração na cidade do Cairo. Incapaz de lidar com os simples problemas
cotidianos, o desempenho dos "irmãos" no parlamento os fez perder boa parte de
sua base eleitoral.
Em cinco meses, seus 10 milhões de votos obtidos nas
eleições parlamentares despencaram para quase a metade no primeiro turno da
corrida presidencial.
Agora, enquanto tanto a contagem realizada pelo
governo quanto a extraoficial, divulgada pela imprensa independente, indicam a
vitória do candidato da Irmandade, as chances de Mursi ganhar e não levar
continuam em aberto.
Talvez por isso nem seus adeptos parecem ter motivo
para festejar. Fora algumas centenas de manifestantes, nas proximidades da Tahrir
encontramos apenas os "baltageia", conhecidos agentes provocadores, aterrorizado
a população local.
Em meio a tantos retrocessos, a revolução popular que
derrubou o ditador dá a impressão de ter sido apenas uma miragem no deserto.
(Fonte: aqui).
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