quarta-feira, 9 de maio de 2012

FELICIDADE, O PARÂMETRO


Nem tudo é a economia, estúpido!

Cacá Diegues

Deus me livre de demonizar o dinheiro, como faz o preconceito hipócrita da tradição ibérica e católica. O dinheiro é a remuneração do mérito, quanto mais justa ela for mais saudável deveria ser o uso dele. Como qualquer outro valor simbólico criado pelo homem, o dinheiro só vira agente do mal quando é usado com a voracidade irracional de obter vantagens, como instrumento de opressão e até mesmo de liquidação do outro. Ou então como um fetiche pessoal que elegemos para justificar o vazio de nossas vidas.

Mas também não acho graça nenhuma num mundo que todo dia de manhã acorda ansioso e sai da cama direto para o noticiário eletrônico, a fim de checar se o PIB caiu, se a taxa de câmbio está sob controle, se as Bolsas se estabilizaram, se a inflação subiu ou se os juros caíram, essas coisas todas. Ou seja, num mundo em que a economia se tornou um valor único para medir nossas vidas, a razão de nosso estar no mundo. Um valor divino.

Durante toda a Idade Média, a humanidade ocidental esteve sob as ordens de Deus, tudo o que acontecia era por Sua exclusiva vontade. Pensar de outro modo era como reservar ingresso para a fogueira da Inquisição. Um exemplo clássico da discussão sobre essa dependência do homem à vontade divina nasceu do maremoto seguido por terremoto em Lisboa, no ano de 1755, provocando um divisor de águas (sem trocadilho) no debate em torno desse pensamento.

No dia 1º de novembro, uma tsunami fez desaparecer 70% dos prédios de Lisboa e 2/3 de sua população. Como era dia de Todos os Santos e as igrejas estavam cheias de devotos, a maior parte dos lisboetas morreu vítima do desabamento de templos. Portavoz do racionalismo iluminista então nascente, Voltaire usou com ironia esse episódio trágico para discutir a parte de Deus nessa historia toda. Através de um de seus personagens, Voltaire satiriza a dependência da vontade divina, fazendo com que o doutor Pangloss diga que “está demonstrado que as coisas não podem ser de outro modo”. Como tudo é feito para um fim desejado por Deus, tudo o que acontece é sempre bom. Vivemos portanto o melhor dos mundos, protegidos por Sua vontade, tudo se encontra onde devia mesmo estar. Felizmente para Portugal e para os portugueses, o Marquês de Pombal, enérgico primeiro-ministro do país, não acreditava nesse determinismo e fez reconstruir Lisboa muito rapidamente, tentando eliminar da mente de seus cidadãos a imobilizadora subserviência à fatalidade.

Por isso, leio nos jornais com alegria que o Butão, pequeno país asiático, acaba de propor à Assembleia Geral da ONU o fim dos dogmas medievais da economia, substituindo o PIB (Produto Interno Bruto) pela FIB (Felicidade Interna Bruta), como critério para a análise do estado das coisas no mundo contemporâneo. E ainda mais feliz (de novo sem trocadilho) ao ler que a presidente Dilma declarou recentemente que não nos interessa ser, como somos, o sexto PIB do mundo, “queremos é que o Brasil seja o sexto país em condições de vida”. Tudo isso confirmado pela prática de professores da Fundação Getulio Vargas, que acabam de iniciar estudos para “desenvolver modelo de índice de FIB adaptado à realidade brasileira”.

É bom saber que alguns economistas brasileiros, de diferentes facções, vêm se manifestando sobre o assunto. O ex-ministro do planejamento Luiz Carlos Bresser-Pereira afirma, em artigo na “Folha de S.Paulo”, que a economia, como as demais ciências, só se torna inovadora quando rompe com o senso comum. Para Eduardo Giannetti, o PIB é medida “rústica” e o aumento de renda pode não elevar o bem-estar pessoal. O que é confirmado pelo professor Paul Singer, quando conduz a questão para tema contemporâneo por excelência, ao declarar que o PIB, além de não medir o custo das perdas dos recursos naturais, contabiliza como positivos os gastos das nações na luta contra desastres naturais, incêndios florestais, poluição de oceanos por derramamento de óleo, terremotos como o de Lisboa. “Quanto mais desastres um país sofre, mais seu PIB aumenta; de modo que seu crescimento nem sempre representa aumento de bemestar de seu povo, mas sua redução.”

É como se eles, ao contrário do célebre candidato norte-americano, estivessem nos advertindo de que nem tudo é economia, estúpido. A vida é um pouco mais complexa do que isso e talvez essa divinização medieval e dogmática da economia seja uma das causas da frustração da humanidade contemporânea. Uma grande parte dela morre angustiada pela frustração de uma vida perdida, mal orientada por objetivos equivocados, quase sempre absurdos e desumanos.

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Pertinente a ideia da FIB, Felicidade Interna Bruta, prevalecendo sobre o PIB, Produto Interno Bruto. Mas, permito-me uma observação: que a primeira não elimine o segundo, quero dizer, que coexistam, e (torço por isso) que ambos sejam ascendentes. O motivo é simples: de nada vai adiantar, diante de eventual queda do PIB (mesmo estando o PIB 'extinto'), argumentar-se que a Felicidade Interna aumentou. Os críticos, que vibram diante do(s) fracasso(s) do Brasil, vão, em uníssono, destacar a queda do PIB, a recessão, o desastre etc etc, ignorando por inteiro a, segundo eles, 'tal FIB'. Vão até dizer que essa lorota de FIB é conversa pra boi dormir, diversionismo de quem fracassou em sua política econômica. Portanto, FIB e PIB estupidamente juntos, positivos e matando de raiva os vendilhões. Enfim, caro Cacá, FIB e PIB de cinema!

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