quinta-feira, 5 de abril de 2012
COCAL DOS ALVES, PIAUÍ
De pé, Antonio Cardoso do Amaral, professor de matemática em Cocal dos Alves.
Depois de três posts laudatórios publicados nos últimos meses neste blog (clique AQUI), eis que a meninada de Cocal dos Alves nos motiva a voltar à carga:
O fenômeno matemático de Cocal dos Alves, no Piauí
Por Viviane Monteiro
Alunos de Cocal dos Alves (PI) lideram o ranking de medalhas de ouro da Obmep proporcionalmente em número de habitantes. A tendência é seguida por estudantes de Viçosa (MG), Quixaba (PE) e, lentamente, por alunos de escolas rurais.
Força de vontade, dedicação de professores e comprometimento de alunos com os estudos. Eis alguns dos motivos que explicam o fenômeno em Cocal dos Alves, uma cidadezinha piauiense com 5,2 mil habitantes, a maioria da zona rural, e que possui alunos recordistas de medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).
"Não existe milagre. Talvez o resultado seja explicado pela cobrança e dedicação de professores, combinadas com o interesse dos alunos pelos estudos", responde o professor Antonio Cardoso do Amaral, 32 anos, ao explicar a receita do conhecimento matemático dos alunos cocalalvenses que acumulam 10 medalhas de ouro desde o início da Obmep, em 2005.
Amaral é considerado o mentor de alunos campeões que saem das escolas Teotônio Ferreira (municipal), e Augustinho Brandão, única escola estadual de ensino médio da cidade, das quais ele é professor. Situada a 262 quilômetros da capital Teresina, a cidade tem a agricultura como principal atividade econômica e nem sequer possui campus universitário. O município possui 20 escolas públicas, incluindo a estadual, número, porém, considerado proporcional ao número de habitantes.
Segundo Amaral, os estudantes cocalalvenses depositam na Educação a expectativa de mudar de patamar financeiro, na tentativa de conquistar um emprego com remuneração razoável. "Aqui a Educação é uma das alternativas para crescer", destaca Amaral, citando seu próprio exemplo.
Historicamente, Piauí é um dos estados brasileiros mais pobres do País, com o segundo maior índice de analfabetismo (23,4%), atrás apenas de Alagoas (24,6%). Mesmo com os contrastes socioeconômicos, os alunos daquela cidade conseguem concorrer em pé de igualdade com estudantes que moram nos grandes centros urbanos, onde geralmente existe mais facilidade no acesso ao conhecimento e à cultura de uma forma geral.
Histórico das premiações
Desde a primeira edição da Obmep, em 2005, até o ano passado, foram distribuídas 128 premiações aos alunos cocalalvenses. Dessa totalidade, 10 são medalhas de ouro; o restante se divide entre prata, bronze e menções honrosas, segundo levantamento do Jornal da Ciência com base em dados da Obmep.
Somente no ano passado, de um total de 25 premiações, esses alunos receberam três prêmios na categoria ouro, um a menos em relação a 2010 (4). O resultado supera alunos de várias capitais brasileiras, dentre as quais Macapá (AP), Boa Vista (RR) e Rio Branco (AC). É o mesmo número de medalhas de ouro conquistadas por alunos de capitais como Joinville (SC).
Modéstia à parte, Amaral afirma nunca ter sido "um bom" aluno de matemática. Ciências e português, até então, eram suas áreas prediletas do conhecimento. "Fui um aluno de capacidade mediana em matemática, nunca fui atraído por essa disciplina, nela minhas notas nunca ficaram acima de oito", recorda Amaral, que concluiu o ensino fundamental em escola filantrópica, o médio em escola pública e graduou-se em matemática em 2002 - com intuito de passar em concurso público - na Universidade Estadual de Parnaíba, a mais próxima de Cocal dos Alves. Amaral se especializou em matemática, na mesma instituição, e este ano ingressou no mestrado pelo programa Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat), na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
"Talvez a minha dificuldade [de entender matemática] tenha me estimulado a correr atrás do conhecimento. Na faculdade me empolguei pela disciplina e depois procurei contribuir de alguma forma com o que aprendi", sentencia o professor.
Infraestrutura
Apesar de problemas socioeconômicos de Cocal dos Alves, Amaral disse que houve uma melhora significativa na região nos últimos sete anos, por exemplo, nas áreas de transporte público e de energia elétrica, ingredientes indispensáveis para acessar o conhecimento. Essas iniciativas coincidem com o aumento do número de estudantes cocalalvenses nas premiações da Obmep. Em 2005, por exemplo, no total foram 17 alunos premiados, mas nenhuma medalha de ouro.
Pelo fato de grande parte dos alunos das duas escolas de Cocal dos Alves ser da zona rural, de povoados e distritos, Amaral informa que os alunos tinham muita dificuldade para chegar às escolas, principalmente nos fins de semana, quando são realizadas aulas de reforço de matemática (de abril a outubro) para as olimpíadas de matemática.
Avaliação de especialistas
Claudio Landim, diretor-adjunto do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), destaca que o desempenho de Cocal dos Alves é reflexo de iniciativas locais de professores e diretores "que fazem com que o desempenho dos alunos seja igual ao de alunos que frequentam as melhores" escolas do País. "Os dados da Obmep mostram ser possível ter escolas públicas de qualidade no Brasil. E a premiação de uns estimula outros estudantes", observa Landim, também coordenador-geral da Obmep.
Ele cita também o exemplo de alunos de Quixaba, uma cidade turística do sertão de Pernambuco, com 6,8 mil de habitantes, aproximadamente. Em sete anos os alunos quixabenses acumulam sete medalhas de ouro, das quais duas em 2010 e uma no ano passado.
Tendência nacional
Outras escolas de cidades do interior do País esboçam destaque na premiação ouro nas tabelas da Obmep, como Viçosa (MG) e Sertãozinho (SP). Situada em Minas Gerais, Viçosa, com 72 mil moradores, tem forte tradição educacional e acumula 36 medalhas de ouro de 2005 a 2011 de uma totalidade de 302 premiações (incluindo menções honrosas).
No ano passado, alunos de Viçosa receberam 39 prêmios, sendo quatro na categoria ouro, e cinco em 2010. Os anos áureos dos alunos do município mineiro ocorreram principalmente em 2009, quando eles receberam nove medalhas de ouro. Outro exemplo é Sertãozinho, com 110 mil habitantes, em São Paulo, o estado mais rico do País, onde os estudantes reúnem sete medalhas de ouro de 2005 a 2011.
Cresce participação de alunos de escolas rurais
Além de alunos de cidades do interior do País, estudantes de escolas rurais, situadas em povoados e distritos de difícil acesso, começam a participar da disputadíssima olimpíada de matemática, resultado considerado positivo pelo diretor-adjunto do Impa, Landim.
Segundo o especialista, os investimentos aplicados na Obmep (premiação e gastos com passagens para alunos e professores, por exemplo) somam R$ 34 milhões anuais, o equivalente a um gasto inferior a R$ 2 por aluno. O impacto da Obmep, criada para identificar o potencial dos alunos do País, será observado no mercado de trabalho futuramente, proporcionando qualificação de mão de obra, conforme avalia Landim. Todos os alunos vencedores da olimpíada de matemática são contemplados com uma bolsa de iniciação cientifica pelo Programa de Iniciação Científica Junior (PIC-Obmep) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Landim destaca que hoje 98% dos municípios participam do concurso. Segundo a Obmep, no ano passado 12,7 mil alunos de escolas rurais se inscreveram nas olimpíadas de matemática. Desse total, 1.021 foram premiados. O número teve um ligeiro acréscimo na comparação com 2010, quando as inscrições desse público atingiram 12,547 mil alunos. Desse total, 895 estudantes conquistaram alguma premiação.
Destaque em Alagoas
Na lista de premiados de alunos de zonas rurais, a Obmep já identifica campeões de medalhas de ouro. Um exemplo é Indiana Jhones dos Santos, da Escola Municipal de Educação Básica General Góes Monteiro, em Poxim, distrito de Coruripe, situada em Alagoas, que recebeu o prêmio de ouro no ano passado.
A premiação desses alunos nas olimpíadas de matemática ainda é pequena, representando menos de 1% de toda a premiação concedida aos alunos dos estados brasileiros, que somou 33,202 mil prêmios distribuídos em 2011, quando foram inscritos 17,4 milhões de alunos. Foram 500 premiações em medalha de ouro no total nacional. (Fonte: aqui).
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