domingo, 25 de março de 2012

HUMOR SEM AMARRAS


Ora bolas, carambolas

Antonio Prata

Como Sérgio Porto já sabia, quem gosta de doce de coco preza muito o circunflexo. Eu acrescentaria: quem gosta de humor, também. Afinal, o que é o humor senão um acento deslocado, um chapeuzinho (de palhaço) que, se posto sobre qualquer palavra, pessoa ou situação, revela o que há de hilário por trás da aparente banalidade? E, ora bolas, carambolas: uma vez que todos nós nascemos, morreremos e não há nenhum sentido em estarmos aqui escrevendo crônicas, fazendo obturações, redigindo contratos ou brigando com a Marinalva do 702 por causa da vaga na garagem, tudo é absurdo e, portanto, risível. Só depende do jeito que olhamos.

Ou melhor, não olhamos, pois grande parte da educação consiste em reprimir a percepção do ridículo. Em forçar as crianças a, por exemplo, aceitarem que não há nada de engraçado no fato de o chefe do papai chamar-se seu Pinto e todos os adultos a ele assim se dirigirem durante o almoço, seriíssimos: "Como vai, seu Pinto?", "Passa o suco pro seu Pinto!", "E a sra. Pinto, tá bem?"

Foi só falar em seu Pinto, agora, e lembrei-me de seu xará: Pepino, o Breve, rei dos francos -com todo mérito, aliás, pois quem merece mais ser coroado pela franqueza do que alguém que aceita um epíteto tão desmoralizante? Para não dizerem que estou com uma ideia fixa, mudo para algo completamente diferente: o portentoso banco central alemão, Bundesbank. (Acho que todos os humoristas brasileiros deveriam depositar suas poupanças no Bundes, só pela piada.)

Não é apenas na baixaria, contudo, que o humor germina. Também cresce em solos mais nobres. A filosofia, por que não? Quando estava na faculdade e ouvi falar pela primeira vez sobre Adorno, abri um sorriso e fiquei esperando o momento em que o professor sublinharia a graça daquele nome, mas o momento não veio. Será que só eu percebia que éramos 30 pessoas discutindo seriamente o trabalho de um sujeito chamado Enfeite, Ornamento, Penduricalho? Ainda mais absurda me pareceu a situação ao me dar conta, no fim da aula, de que boa parte do trabalho do dr. Enfeite consistia em acusar a indústria cultural de baratear a arte, de substituir as grandes obras por produtos vazios, ocos, por meros... adornos?

Por que será que fazemos tanto esforço para evitar o humor? Talvez porque, ao apontar as pequenas incongruências da vida, ele nos lembre do disparate maior: seu fim. Toda piada, ao revelar que as coisas não são o que parecem, derruba momentaneamente as barricadas que erguemos para esconder o cinzento horizonte.

"Tão preocupado em cair no ridículo que não vê que já caiu no abismo", escreveu o grande autor mineiro Campos de Carvalho. De fato, assim somos. Mas, ora bolas, carambolas -de novo: há algo mais ridículo do que tentar negar o abismo? Afinal, por melhor que seja o doce de coco, ele acabará inexoravelmente com um circunflexo no segundo "o". Nosotros también, compañeros. E já que a derradeira circunflexão é inevitável, não seria mais inteligente nos contorcermos rindo do que seguir dizendo, com a coluna ereta e as sobrancelhas arqueadas, "Seu Pinto, aceita mais um café?", enquanto mexemos as nossas xicrinhas?

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O circunflexo é, de fato, inevitável: um dia, vai coroar o 'o' do final do doce de coco - e zéfiní. Mas - aí é que está - nada deveria impedir que nesse meio tempo a gente, sem hesitação ou arroubos de falsa moralidade, fosse além da definição dada ao humor por Leon Eliachar, caprichando na arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros - e no nosso também.

2 comentários:

  1. Delícia o texto. Isso de aceitar o absurdo/engraçado da vida, ajudaria e muito a torna-la mais "levavel".Acho q porisso mesmo, prefiro o cartum(q tem recebido sempre destaque em seu blog) à charge: mais amplo,menos imediatista, o cartum brinca mais com nossa condição humana.
    Abração!
    Berzé

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