Stefan Zweig, em 1940.
O homem que gostava do "sim"
Alberto Dines
Tinha pouco mais de 60 anos quando se suicidou em Petrópolis junto com a mulher, Lotte, num protesto contra a guerra. Setenta anos depois, Stefan Zweig está mais ativo e vivo do que quando se recolheu a um pequeno bangalô na região serrana.
Cinco livros estão sendo lançados simultaneamente em edição digital em inglês, formatos Kindle e Nook, acrescidos da biografia escrita pela primeira mulher, Friderike. Na Bahia, está sendo sonorizada a adaptação da novela “A coleção invisível”, sobre a inflação alemã de 1923.
No Festival de Salzburgo em 2010, a novela “Medo”, publicada originalmente em 1913 e que já merecera cinco versões para o cinema (uma delas assinada por Rosselini com Ingrid Bergman no papel principal), foi convertida num extraordinário êxito teatral.
O público de língua alemã reencontrou-se com Zweig no pós-guerra (seus livros foram queimados e banidos pelos nazistas na Alemanha e Áustria); na França, cada fragmento inédito que se descobre vai para a lista de best-sellers; americanos e ingleses seguem atrás. O escritor mais traduzido do mundo na década de 30 do século passado reaparece em sucessivos revivals.
Desta vez, porém, foi ressuscitado. Não se trata de fenômeno meramente editorial, o público tão massacrado pela coisificação quer reencontrar-se com o idealismo que palpita nas suas biografias, nas opções humanistas, nos ensaios, na melancolia de algumas novelas e na capitulação em outras. Caso da única ficção concebida e escrita em Petrópolis, “Uma Partida de Xadrez”, terminada pouco antes de entregar os pontos.
Foi amigo do pacifista-comunista Romain Rolland e de Sigmund Freud, símbolo da independência espiritual. Seus livros, especialmente as biografias, eram discutidos pelo grupo de Fidel Castro em Sierra Maestra. Judeu, não observante, biografou três humanistas cristãos – Erasmo de Roterdã, Sebastião Castélio (adversário do fanático Calvino) e Lev Tolstoi.
Resgatou Maria Antonieta, enxergou na façanha de Fernão de Magalhães as sementes do internacionalismo e da globalização. A conferência que pronunciou no Rio em 1936, “A Unidade Espiritual do Mundo” (praticamente inédita), é em sua essência a matriz do programa “Aliança das Civilizações” adotado pela ONU como antídoto ao belicismo do “Conflito entre civilizações”, de Samuel Huntigton.
Quando visitou nosso país, Barack Obama fez dois discursos e em ambos referiu-se ao “país do presente” numa clara alusão ao clássico “Brasil, um país do futuro”, o mais conhecido livro sobre o Brasil de todos os tempos. Stefan Zweig não era economista, nem futurólogo, fascinou-se com a beleza, as riquezas, sobretudo com a história de conciliações do país. Como enfatiza no prefácio, pretendia valorizar a solução brasileira para o ódio racial que naquele momento ensanguentava a Europa.
Sexta-feira passada, o “La Nación” de Buenos Aires republicou a extensa carta que a poeta chilena Gabriela Mistral enviou ao jornal no dia seguinte ao enterro do casal Zweig (de quem era vizinha e amiga). Revela que no último encontro o escritor manifestou sua angústia com o destino dos imigrantes alemães estabelecidos na América do Sul depois da decisão da conferência de chanceleres do continente de cortar relações com os países do Eixo. O refugiado se preocupava com todos os perseguidos, sem discriminá-los.
O jornalão argentino descobriu que ainda em 1928, quando Zweig começou a se interessar pela América do Sul, o primeiro objetivo era a Argentina, depois viria o Brasil. Nossos hermanos estão corretos: Zweig maravilhou-se com o sucesso argentino e acabou arrebatado pelo Brasil.
Era, como ele próprio dizia, um cultor do “sim”, gostava de gostar. Por isto está vivo, intenso, irradiando aproximações, 70 anos depois de enterrado.
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ALBERTO DINES, jornalista e presidente da Casa Stefan Zweig, centro de memória que está sendo criado em Petrópolis.
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