sábado, 25 de fevereiro de 2012
FATOS E 'FATOS'
"(...) Fato é o que cremos e vemos. E, em vários sentidos importantes, nós sabemos dos fatos. Sabemos que se alguém pula da janela de um prédio, a lei da gravidade cobra seu preço. Em termos gerais, muitos de nós conhecemos os fatos que nos cercam no ambiente imediato no qual vivemos todos os dias. O que quero dizer com isso?
Vivemos a vida de todos os dias em ambiente relativamente limitado, local. Nesse espaço temos experiências diretas, interativas, diárias, a partir das quais conseguimos saber razoavelmente o que esperar. Nossas experiências têm bom valor preditivo. Se alguém aparece dizendo sandices – que quem vive na cidade vizinha está fabricando uma bomba atômica que usará para nos explodir –, sabemos imediatamente que é sandice, loucura.
Mas e quando nos falam de gente que vive longe? Quem de nós conhece o Irã, quantos viveram lá, quantos conversam com iranianos? Nada, na nossa vida diária, nos habilita a emitir julgamentos sobre o que é real e o que não é real, do que se passa por lá.
Fazemos o quê, nesse caso? Em geral, vivemos como se aqueles lugares distantes não existissem, a menos que haja motivo próximo para crer que o que aconteça por lá venha a ter algum impacto em nossas vidas. Para isso, muitos de nós confiam cegamente nos que nos são apresentados como “especialistas”: praticamente sempre são funcionários do estado ou ‘especialistas’ de mídia, “cabeças falantes”.
Aí pode haver um grave problema. O que assegura que sejam especialistas e mereçam confiança?
Como se pode saber que aqueles ‘especialistas’ do governo ou da imprensa não trabalham por agendas próprias que nunca nos são expostas e que modelam todos os seus julgamentos? Como sugerem os dois exemplos acima, políticos eleitos também podem perfeitamente trabalhar a partir de pressupostos que, se olhados a frio, são pressupostos anti-humanos. Qualquer deles, aliado a interesses especiais e que jamais se veem com clareza, é perfeitamente capaz de declarar que todas as informações dos serviços de inteligência dos EUA são falsas, não passam de bobagens. ‘Real’ é o que já tinham na cabeça antes de os serviços de inteligência porem-se a trabalhar. E quanto a nós, os que dependemos, para viver, da nossa experiência diária, imediata, acreditaremos em quê, em quem?
Quando não se consegue saber o que é fato e o que é opinião, o que é fato e o que é ficção, talvez possamos usar algumas regras simples, para assim forçar os políticos a agir de modo a minimizar (em vez de multiplicar por mil) os erros. Por exemplo, em caso de dúvida quanto a em quem ou em que acreditar, os cidadãos podemos começar por:
1. Duvidar sempre, o mais possível, em tudo (o) que digam os políticos e a imprensa. Lembremos os últimos desastres, nos EUA (o maior dos quais foi a invasão do Iraque), quando o que nos diziam sobre o que seria ‘fato’ não passou de mentiras e mais mentiras. Os cidadãos temos o dever, para conosco e para com nosso país, de buscar várias, muitas, fontes de informação.
2. Exigir que os políticos eleitos trabalhem a partir do melhor cenário possível, por mais que se preparem para o pior. Na maior parte das vezes, a opinião dos ‘especialistas’ sobre o que seriam ameaças externas contra nós é opinião ideologicamente distorcida; muitas vezes é exagerada; muitas vezes, também, é simplesmente errada (por exemplo, o que tantos ‘especialistas’ nos diziam sobre o Vietnã); ou é opinião que segue uma ou outra agenda específica, interesses especiais (por exemplo, no caso do Iraque, no caso do Irã e sempre que a imprensa fala sobre o “santificado” estado de Israel e o estado “terrorista” dos palestinos).
3. Exigir que, nas relações exteriores, tente-se primeiro e principalmente, a via diplomática. A guerra deve ser necessariamente o último recurso, recurso extremo, que poucos conhecem de perto e a maioria dos políticos só viu em livros ou no cinema. Se a conhecessem de perto, com certeza não seriam tão rápidos em mandar para o front, na imensa maioria das vezes, só os filhos dos outros.
4. Exigir punição exemplar aos que mintam sabendo que mentem e agridem leis internacionais e direitos humanos (como a Convenção de Genebra e as muitas leis que proíbem a tortura). Há várias boas razões para que aquelas leis existam. Atropelá-las é voltar ao estado de barbárie.
É estranho, mas, nas democracias, os que não se empenhem nas discussões políticas, que não se esforcem para influenciar o curso dos acontecimentos, acabam por ser responsáveis por tudo (o) que seus governos façam. É assim, porque, nas democracias, quem não participa abdica do direito potencial de atuar no mundo.
Ninguém pode recolher-se completamente à existência privada. Quem o faça, logo verá que a gangue dos ternos caros ganha novas chances de o derrotar. E afinal, a gangue dos ternos caros lá estará, agindo também em nome dos que abdicam do direito de participar e influir."
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(Lawrence Davidson, do Consortium News, no artigo "Manipular a realidade é atacar a democracia", em que aborda o processo de formação da opinião pública americana, centrada na definição das ameaças atuais e futuras à segurança nacional dos EUA. O articulista sustenta que a classe média americana é 'refém' do pensamento unidimensional, formado por políticos e órgãos midiáticos: há ameaças carimbadas, inquestionáveis, indiscutíveis, revogadas todas as ponderações em contrário, sendo que o próprio 'contestador' certamente receberá o carimbo de ameaça. A íntegra do artigo poderá ser lida aqui).
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