quarta-feira, 16 de novembro de 2011

MISSÃO MARTE, ANO ZERO


A conquista de Marte

Ivan Lessa

Os russos descobriram o caminho terrestre para Marte. Sem disparar um foguete ou gastar um tostão em combustível.

Seis cidadãos destituídos de luzes passaram 520 dias num galpão ou armazém de depósito nos arredores de Moscou numa simulação de um voo para o Planeta Vermelho.
A tripulação era composta de três russos, um francês, um ítalo-colombiano e um chinês. Nenhuma mulher. O que não deixa de ser sexismo, embora não tenha havido reclamações. Nem dos galpãonautas (ou armazenautas) nem das porta-vozes dos direitos femininos na Rússia de Putin.

A galpãonave, ou armazenave, saiu pelo preço de seis picolés. A iniciativa se deve ao Instituto Psicológico de Moscou e à Academia de Ciências da Rússia que, desde junho do ano passado, monitorou o comportamento da brava rapaziada, do impacto da isolação prolongada até os rigores da intimidade extrema.

Falar nisso: não foram divulgados os problemas e as soluções encontradas para a questão sexual entre uma turma jovem e forte.

Há rumores de que o galpãonauta ítalo-colombiano... Bem, boato é boato e o melhor é parar por aqui.
Parar e não dar também ouvidos à ala cética, machista e debochada que cismou de espalhar que a coisa era resolvida, diária ou semanalmente, na base de par ou ímpar ou cara ou coroa. Ao contrário da ciência russa, não vamos dar asas à imaginação.

O ano e meio que os seis passaram no espaço fechado do galpão situado a uns poucos quilômetros de Moscou corresponde a quanto levaria, caso houvesse cosmonave e sua devida tecnologia, uma ida, permanência e volta Terra-Marte.

No interior da cápsula-galpão, os seis dispunham de uma boa quantidade de divertimentos, passatempos e afazeres que exigiam disciplina, conhecimento técnico e pouca imaginação.

Ponham a crise grega de lado por uns momentos e deem uma espiada nas fotos dos seis logo depois de deixarem "Marte" e pouco antes de pegarem o táxi para as inevitáveis coletivas com a imprensa e a inquirição dos cientistas que acompanharam a "jornada": riem orgulhosos um riso falso e duro como a bandeira plastificada que os americanos da missão Apolo deixaram na Lua.

O chinês, como seus cinco companheiros, trazendo bordado no peito o escudinho vermelho com o nome da louca aventura, Mars 500. Por que em inglês? É a pergunta feita por observadores internacionais.
                    
Assim como todas as teorias conspiratórias, há para todos os gostos. Propaganda, deboche em cima dos americanos, a possibilidade de tudo não ter passado de uma farsa e que, na realidade, os galpãonautas ficaram, isto sim, hospedados durante 520 dias num hotel três estrelas (cinco encareceria demais a empreitada), situado perto da estação rodoviária de Moldovsky, que fica a 35km da capital russa.

Fato é que os seis do galpão, durante o espaço de tempo em que se ausentaram da companhia de seus quase semelhantes, perderam uma boa quantidade de tsunamis terrestres: da crise econômica global à provação e libertação final de Los 33 mineiros chilenos, que, como eles, ficaram por uma longa duração destituídos dos melhores aspectos de estar vivos.
                    
Pouco importa se fossem supimpas os videogames e acirrados os campeonatos de tênis de mesa disputados nesse tempo (parece que o chinês ganhou todos aqueles de que participou).

Conforme um editorial britânico que louvou a iniciativa, os bravos galpãonautas, além de superarem a comida, o espaço limitado do armazém, tiveram – caso a experiência tenha mesmo se realizado – o mérito inegável de vencer a monotonia.

O jornal acrescentou ainda, no mesmo parágrafo, o fato de que eles "não tiveram nada ou ninguém a amar, nada a temer".

Mesmo? Sem falar no fato de que não dava para ver da janelinha, já que esta inexistia, o deslumbramento azul que, de muito, muito longe, é a Terra em que vivemos e, ao que parece, é uma das poucas coisas que aceleram o pulso de astronautas e cosmonautas. Ou galpãonautas e armazenautas.

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