A conquista de Marte
Ivan Lessa
Os russos descobriram o caminho terrestre para Marte. Sem disparar um foguete ou gastar um tostão em combustível.
A tripulação era composta de três russos, um francês, um ítalo-colombiano e um chinês. Nenhuma mulher. O que não deixa de ser sexismo, embora não tenha havido reclamações. Nem dos galpãonautas (ou armazenautas) nem das porta-vozes dos direitos femininos na Rússia de Putin.
A galpãonave, ou armazenave, saiu pelo preço de seis picolés. A iniciativa se deve ao Instituto Psicológico de Moscou e à Academia de Ciências da Rússia que, desde junho do ano passado, monitorou o comportamento da brava rapaziada, do impacto da isolação prolongada até os rigores da intimidade extrema.
Falar nisso: não foram divulgados os problemas e as soluções encontradas para a questão sexual entre uma turma jovem e forte.
Há rumores de que o galpãonauta ítalo-colombiano... Bem, boato é boato e o melhor é parar por aqui.
Parar e não dar também ouvidos à ala cética, machista e debochada que cismou de espalhar que a coisa era resolvida, diária ou semanalmente, na base de par ou ímpar ou cara ou coroa. Ao contrário da ciência russa, não vamos dar asas à imaginação.
O ano e meio que os seis passaram no espaço fechado do galpão situado a uns poucos quilômetros de Moscou corresponde a quanto levaria, caso houvesse cosmonave e sua devida tecnologia, uma ida, permanência e volta Terra-Marte.
No interior da cápsula-galpão, os seis dispunham de uma boa quantidade de divertimentos, passatempos e afazeres que exigiam disciplina, conhecimento técnico e pouca imaginação.
Ponham a crise grega de lado por uns momentos e deem uma espiada nas fotos dos seis logo depois de deixarem "Marte" e pouco antes de pegarem o táxi para as inevitáveis coletivas com a imprensa e a inquirição dos cientistas que acompanharam a "jornada": riem orgulhosos um riso falso e duro como a bandeira plastificada que os americanos da missão Apolo deixaram na Lua.
O chinês, como seus cinco companheiros, trazendo bordado no peito o escudinho vermelho com o nome da louca aventura, Mars 500. Por que em inglês? É a pergunta feita por observadores internacionais.
Assim como todas as teorias conspiratórias, há para todos os gostos. Propaganda, deboche em cima dos americanos, a possibilidade de tudo não ter passado de uma farsa e que, na realidade, os galpãonautas ficaram, isto sim, hospedados durante 520 dias num hotel três estrelas (cinco encareceria demais a empreitada), situado perto da estação rodoviária de Moldovsky, que fica a 35km da capital russa.
Fato é que os seis do galpão, durante o espaço de tempo em que se ausentaram da companhia de seus quase semelhantes, perderam uma boa quantidade de tsunamis terrestres: da crise econômica global à provação e libertação final de Los 33 mineiros chilenos, que, como eles, ficaram por uma longa duração destituídos dos melhores aspectos de estar vivos.
Pouco importa se fossem supimpas os videogames e acirrados os campeonatos de tênis de mesa disputados nesse tempo (parece que o chinês ganhou todos aqueles de que participou).
Conforme um editorial britânico que louvou a iniciativa, os bravos galpãonautas, além de superarem a comida, o espaço limitado do armazém, tiveram – caso a experiência tenha mesmo se realizado – o mérito inegável de vencer a monotonia.
O jornal acrescentou ainda, no mesmo parágrafo, o fato de que eles "não tiveram nada ou ninguém a amar, nada a temer".
Mesmo? Sem falar no fato de que não dava para ver da janelinha, já que esta inexistia, o deslumbramento azul que, de muito, muito longe, é a Terra em que vivemos e, ao que parece, é uma das poucas coisas que aceleram o pulso de astronautas e cosmonautas. Ou galpãonautas e armazenautas.
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