sexta-feira, 4 de março de 2011
CINEMA, CRIMES E TÍTULOS
Lendo a crônica abaixo, de Ruy Castro, pensei inicialmente no tresloucado crime recentemente ocorrido em São Paulo, quando um jovem perturbado 'matou os pais e foi comprar cerveja'. Em seguida, lembrei o filme 'matou a família e foi ao cinema', produzido em 1969 e dirigido por Júlio Bressane, refilmado em 1991 sob a direção de Neville de Almeida.
Filmes podem até ser ruins, mas certos títulos ficam, o que também se verifica relativamente a romances, contos etc. A gente pode esquecer o enredo, mas o título perdura, imortal. Como era verde o meu vale, O morro dos ventos uivantes, Por quem os sinos dobram. Até os inverossímeis, digo melhor, curiosos: Matou a família e foi ao cinema.
Mas a crônica não alude ao bárbaro crime perpetrado pelo paulista, embora o ato seja igualmente deplorável - e a 'motivação', inesperada.
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Matou seu vizinho de poltrona e fugiu do cinema
Por Ruy Castro
Em Riga, Letônia, há duas semanas, Agars Egle, 42, profissão indefinida, foi morto dentro de um cinema por estar fazendo barulho ao comer pipoca durante uma sessão do filme “Cisne Negro”. Sentindo-se incomodado, um vizinho de poltrona, o advogado Nikolajs Zikovs, 27, silenciou-o com um tiro de pistola.
Estava demorando para acontecer. Há 20 anos, os proprietários de cinemas descobriram que havia mais dinheiro a ganhar com a bonbonnière do que com a exibição do filme. Donde os novos pipoqueiros-exibidores decretaram que não seria mais possível assistir a um filme sem esse complemento alimentar, até então facultativo.
Os novos cinemas já nasceram como extensões da máquina de torrar pipoca. Os próprios sacos de pipoca começaram a ser desenhados de forma a crescer até adquirir as dimensões cúbicas de um balde. O desafio era: qual o tamanho máximo possível de um saco de pipoca, capaz de caber no colo do espectador e não atrapalhar a visão da pessoa na poltrona de trás?
Hoje, mesmo que o sujeito tenha jantado antes de sair de casa, ninguém admite passar duas horas olhando para uma tela sem esse renitente movimento mastigatório. Incrível como, nos anos 60, assistimos a filmes como “Hiroshima Meu Amor”, de Alain Resnais, ou “A Noite”, de Michelangelo Antonioni, sem comer pipoca.
Uma única pessoa mastigando ao nosso lado não deveria causar grande distúrbio. Mas o rumor de centenas de pessoas triturando grãos de pipoca ao mesmo tempo provoca um efeito britadeira, capaz de sufocar o som de qualquer filme. Por isto, os cinemas tiveram de elevar o volume do som aos intoleráveis níveis atuais -para fazer frente ao exército de maxilares em ação.
Fui informado de que, para os padrões contemporâneos, “Cisne Negro” é um filme quase em surdina. Está explicado o crime.
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