sábado, 8 de janeiro de 2011

CIDADES HOSTIS



Por Ruy Castro

Uma loja de discos que fecha suas portas no Rio, um cinema que faz o mesmo em São Paulo e sabe-se lá quantas livrarias brasileiras, principalmente as de pequeno porte, não estão correndo igual risco neste momento. Os espaços de convivência adulta e civilizada diminuem. Se podemos "baixar" discos, ver filmes no vídeo ou comprar livros pela internet, para que sair de casa, enfrentar o trânsito, lutar pelo estacionamento e roçar cotovelos com outros, ora veja, seres humanos?

O avanço da tecnologia parece nos conduzir à independência, à liberdade e à autossuficiência. Dito assim é bonito. Já não o será tanto se convertermos a frase à sua verdadeira essência - a de que tal avanço está nos condenando ao individualismo, ao egoísmo e à solidão. E não sei também se esse comodismo não denotará uma certa dose de covardia em relação à vida.

Você dirá que as cidades ficaram hostis, inseguras, impróprias para uso humano, e que bom que a tecnologia nos permite certos confortos. Eu diria que exatamente por isto deveríamos lutar pelas cidades -por cada cidadela de delicadeza que elas ainda comportem.

Um cinema que fecha é uma calçada, um pipoqueiro e uma fila a menos numa cidade. É mais um quarteirão sem luzes, sem movimento noturno e sem possibilidade de encontros, amigáveis ou amorosos. É um lugar a menos para flanar, para fazer hora, até para paquerar. E é também um cenário a menos para que os jovens descubram e troquem ideias sobre cultura, história, comportamento.

Não acho que os cinemas devam continuar abertos mesmo que às moscas. O que lamento é a perda dos ditos espaços de convivência nas cidades. Para cada cinema, loja de discos ou pequena livraria que sai de cena, um supermercado, banco ou farmácia toma o seu lugar, ocupa-o agressivamente e nos embrutece um pouco mais.

(Ilustração: "Caos Urbano", Glauber Shimabukuro).

3 comentários:

  1. uma bela e certeira cronica
    com toda certeza.
    ab
    joão antonio

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  2. Ruy Castro,como sempre, foi na mosca.
    Conheci, recentemente, a "Modern Sound" (RJ) e fiquei encantada.
    O Cine Belas Artes, em Sampa, não cheguei a conhecer.
    Lamento profundamente o "assasinato" de ambos os espaços e de tantos outros...
    Beijos.
    Laura Macedo.

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  3. Realmente lamentáveis essas perdas, querida.

    E o velho Ruy, certeiro como sempre, como o João Antonio também julga.

    Abraço, João,
    beijos e beijos, Laurinha.

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