terça-feira, 23 de novembro de 2010
UMA SENHORA CORREGEDORA
Há um bom tempo deixei de ler Veja, e só agora, via blog do potiguar Ailton Medeiros, inteirei-me da entrevista concedida àquela revista, em setembro passado, pela ministra-corregedora Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça. Vamos às palavras francas e contundentes da ministra:
Veja – Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário?
Eliana Calmon – Durante anos, ninguém tomou conta dos juizes, pouco se fiscalizou, corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juizes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão.
Veja – A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura depende desss troca de favores?
Calmon - O ideal é que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário.
Veja – Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as nomeações são feitas pelo presidente da República?
Calmon – Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.
Veja – A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro César Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
Calmon – É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.
Veja – Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política? Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos.
Calmon – Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.
Veja – Mas a senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por meio desse mecanismo.
Calmon – Certa vez me perguntaram se eu tinha padrinhos políticos. Eu disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”. Eu sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.
Veja – No caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois?
Calmon – Nunca. Eles têm medo desse meu jeito. Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicacão política.
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