terça-feira, 30 de novembro de 2010

LFV E AS TROCAS FATAIS


RUGAS

Luiz Fernando Veríssimo

Com quase 70 anos, Paul McCartney tem a cara lisa. Não sei como está a cara do Ringo, o outro Beatle vivo, mas supondo-se que ele também não aparente a idade, e comparando-se a cara dos dois com a dos Rolling Stones, pode-se especular que tenha havido um acordo entre as duas bandas.

Em algum momento do final dos anos sessenta os Beatles e os Stones teriam se encontrado em segredo para dividir o mundo e decidir o destino de cada um. Caberia aos Beatles fazer as melhores melodias e sofisticar o rock com álbuns temáticos como o "Sgt. Pepper’s", aos Stones se manterem fiéis ao backbeat básico e serem a versão bandida dos Beatles.

Também teriam escolhido o público que queriam e estabelecido qual seria a longevidade de parte a parte e o que caberia de tragédia e de glória a cada lado. Mas principalmente teriam feito a repartição das rugas. Os Stones ficariam com todas e em troca durariam mais. Os Beatles envelheceriam melhor ou, como no caso do John e do George, nem envelheceriam. De qualquer maneira, nunca teriam rugas. Em compensação durariam menos.

O dramaturgo inglês Tom Stoppard (que se parece um pouco com ele) contou que certa vez lhe disseram que Mick Jagger tinha aquelas rugas todas de tanto rir, ao que ele retrucou que nada poderia ser tão engraçado assim.

Já as rugas do Keith Richards são claramente as marcas de uma vida vivida aos extremos. Richards provou de tudo, entre secos, molhados e com duas pernas.

E sobreviveu para contar: sua autobiografia, chamada apenas "Vida", acaba de sair. Num trecho reproduzido na resenha do livro recentemente publicada pela revista "New Yorker" ele conta que às vezes viajava nas drogas com o John Lennon, mas que Lennon não conseguia acompanhá-lo. Depois de tomar e cheirar o que havia, muitas vezes durante dias, ele estava pronto para trabalhar enquanto o John invariavelmente acabava no banheiro, segundo ele, "abraçando a porcelana".

Mas a quantidade de rugas na cara de Mick Jagger, Keith Richards e os outros Stones não se explica apenas pela passagem do tempo. Elas acumulam funções, são as rugas deles e as rugas que os Beatles não tiveram. Estava tudo combinado.

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