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"As imagens (e sons) são absolutamente eletrizantes, uma vez que seus autores estavam colocando suas vidas em grave risco. André chega a se mostrar mais intrépido – eu diria mesmo suicida – que os soldados dispostos ao martírio em nome de Alá. Um deles o repreende com a frase que virou título do filme."
Por Carlos Alberto Mattos
Na mídia, a expressão “imagens fortes” é usada para alertar o consumidor quanto ao caráter gráfico de cenas de violência, sangue e morte. No fundo, significa: só olhe se tiver nervos fortes. Em alguns casos, afasta o leitor ou espectador. Em outros, atrai mais ainda. Mas o que pensar de alguém que dedica sua vida a procurar essas imagens fortes pelo mundo? Um fotógrafo de guerra, por exemplo?
O brasileiro André Liohn é um dos mais famosos do mundo. Atualmente está cobrindo a guerra na Ucrânia. Sobre ele a diretora Maria Carolina Telles realizou o documentário Você Não é um Soldado, em codireção com Aleksei Abib.
A enunciação do filme pode soar um tanto confusa, já que Maria Carolina o apresenta como uma meditação sua a respeito do desejo do seu pai de estar no front da II Guerra Mundial. Essa inflexão pessoal não chega a ganhar substância, mas fica claro que ela quer compreender o pai através da história de André Liohn – ou melhor, do extenso acervo de filmagens e fotos colocado pelo fotógrafo a sua disposição. E que acervo!
O filme é quase todo composto de filmagens de André e colegas nos fronts da rebelião contra Muammar Kadafi na Líbia em 2011 e nas batalhas contra o Estado Islâmico no Iraque em 2016-2017 e na Líbia em 2016. Eles atuavam não só como fotógrafos, mas como repórteres de guerra. Usavam câmeras de filmagem minúsculas para registrar seus deslocamentos enquanto fotografavam em meio a trocas de tiros, cercos e bombardeios. As imagens (e sons) são absolutamente eletrizantes, uma vez que seus autores estavam colocando suas vidas em grave risco. André chega a se mostrar mais intrépido – eu diria mesmo suicida – que os soldados dispostos ao martírio em nome de Alá. Um deles o repreende com a frase que virou título do filme.
Por sua bravura, André foi o primeiro latino-americano a ser contemplado com a Medalha de Ouro Robert Capa, que distingue fotógrafos de coragem excepcional na cobertura de conflitos. Em contrapartida, seus filhos cobram dele um pouco de prudência. “Tuo lavoro è una merda”, diz o pequeno Anton num intervalo de trabalho na casa da família na Itália. A despedida para mais uma viagem de alto risco, gravada pela minicâmera do próprio pai, é momento quase tão doloroso quanto os muitos que ele registrou nas guerras.
Depois de perder vários colegas na linha de frente, André chega a se questionar, embora não o suficiente para abandonar o ofício. Ele descarta a visão romântica da profissão e atribui a vocação aos demônios do seu passado, o que transparece numa conversa difícil dele com a mãe. Seja caminhando em Roma e refletindo sobre a banalização das imagens, seja andando sobre ruínas e cadáveres em Mosul (Iraque), André Liohn registrava os impasses e o trabalho de consciência de um homem devotado à construção de imagens (muito) fortes. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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