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'Sobre a Eternidade' é mais um filme em que o sueco Roy Andersson resfria as angústias humanas, transformando-as em perplexidade ou em suavíssima comicidade
"Já é setembro", diz a mulher ao homem que divide com ela um banco nas bordas de uma cidade, depois de um longo silêncio. Em seguida, a tela se apaga e nada mais é visto ou dito. Mais adiante, um homem soluça arrependido depois de ter matado a mulher a facadas. E outro chora alto num vagão cheio do metrô, repetindo que não sabe o que quer.
Sobre a Eternidade (Om det oändliga) é composto de vinhetas assim – descontextualizadas, descarnadas, desconcertantes. Obra de Roy Andersson, 78 anos, diretor sueco de personalidade rara que procura sintetizar a condição humana em pequenas cenas encharcadas de melancolia. Assim foram Canções do segundo Andar; Vocês os Vivos e Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência.
Nesse novo filme, ele radicaliza ainda mais seu estilo impassível, reduzindo a coloração das cenas a uma palidez cadavérica, esvaziando todos os cenários de qualquer coisa que não sejam seus personagens e eliminando todos os sons naturalistas. As pessoas são geralmente idosas e nada atraentes fisicamente, lembrando muito as esculturas hiperrealistas de Duane Hanson. A Humanidade nas lentes de Roy Andersson é um contingente de fracassos, sejam eles prosaicos ou grandiosos. Assim é que uma mulher cujo salto alto se quebra numa estação se equipara a Hitler presenciando a débacle do seu bunker em 1945. Ou a um garçom que deixa derramar o vinho na toalha da mesa do cliente.
Poucas cenas fogem a esse diapasão, e mesmo assim não deixam de ser melancólicas. Um homem amarra o cadarço da filha num imenso terreno baldio debaixo de chuva; uma mulher acha que não havia ninguém esperando por ela na estação de trem até que esse alguém aparece; um casal flutua abraçado sobre uma cidade destruída pela guerra (Dresden?), lembrando um famoso quadro de Marc Chagall. Por falar em pintura, Edward Hopper também não é estranho aos tableaux taciturnos montados pelo diretor.
O único personagem que se repete é um padre atormentado pela perda da fé e que se vê em sonhos no lugar do Cristo torturado. A figura traz à lembrança uma questão cara a Ingmar Bergman, embora nada aproxime os dois suecos em suas observações sobre a alma. Roy Andersson resfria as angústias, transformando-as em perplexidade ou em suavíssima comicidade.
Pontuando a narrativa, uma voz feminina narra algumas vinhetas da maneira mais trivial possível. Por exemplo: "Eu vi uma mulher que adorava champagne". Ali está o grau mínimo de envolvimento com o que se passa no quadro. A grande distância entre câmera e atores só reforça esse afastamento.
O título do filme seria mais corretamente traduzido por "Sobre o Sem Fim". Uma conversa entre dois jovens dá a pista: as energias do mundo nunca se esgotam, mas se renovam. Por mais que os homens errem e sejam derrotados, um fluxo maior segue em frente porque, afinal, cada um de nós é tão pouco.- (Fonte: Carta Maior - Aqui).
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