terça-feira, 13 de julho de 2021

COMO A BBC DEIXOU NEGACIONISTAS CLIMÁTICOS FAZEREM A FESTA

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As multinacionais dos combustíveis fósseis financiam 'think tanks' e 'institutos de pesquisa'. Mas são as emissoras do setor público que lhes dão credibilidade.
(Nota deste Blog: Think tanks = Instituições que se dedicam a produzir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos. Há quem as 'confunda' com 'grupos de pressão').


Por George Monbiot

Sim, devemos continuar falando dos carvões. E do petróleo, e do gás. Responsabilidade democrática significa lembrar quem ajudou a atiçar a crise climática. Devemos responsabilizar as empresas de combustíveis fósseis.

Em 1979, um estudo interno da Exxon concluiu que queimar combustíveis de carvão “causará efeitos ambientais dramáticos antes de 2050”. Em 1982, como relembra a série do The Guardian, “Crimes Climáticos”, um memorando da Exxon concluiu que a ciência da mudança climática era “unânime”. E então despejou milhões de dólares em grupos de lobby para levantar dúvidas sobre isso.

Eles não se chamavam de grupos de lobby, mas sim “think tanks” ou “institutos de pesquisa”. Ao redor do mundo, a mídia acreditou neles.

Então, cientistas e ativistas ambientais se viram lutando contra empresas de petróleo com uma mão amarrada atrás das costas. Quando alguns de nós foram lançados contra um “think tank” na imprensa, se tentássemos explicar que não eram o que diziam ser, ou se pedíamos para revelar seus financiadores, éramos acusados de ser “teóricos da conspiração”, ou de “atacar as pessoas e não o assunto”. Mas se não o fizéssemos, suas falsas alegações sobre a ciência climática teriam recebido mais atenção. Afinal, quem éramos nós, um grupo destroçado, ao lado daqueles “respeitáveis” institutos com escritórios em Washington ou Westminster?

Quando criticamos a imprensa por sua ingenuidade determinada, fomos ignorados. Faz tempo que os think tanks e as associações comerciais têm o caminho livre. Eles eram as pessoas sérias, sensatas, para quem a imprensa se voltava para explicar o mundo. E que ainda o faz.

Se as empresas de petróleo devem ser responsabilizadas, a imprensa que amplificou suas vozes também deveria. Não é preciso dizer que a imprensa bilionária tomou a liderança no ataque à ciência climática. Afinal, há tempos que os donos veem um ataque a uma corporação ou a um plutocrata como um ataque a todos. Mas muito mais perigosos eram as emissoras do setor público – que tendem a ser levadas mais a sério, por serem amplamente vistas como independentes e imparciais.

Para o “Channel 4” (Canal 4), acabar com ambientalistas se tornou um esporte sangrento. Em filmes como “Contra a Natureza” e “A Grande Fraude do Aquecimento Global”, os erros e desvios vieram com tanta abundância e rapidez que foi difícil vê-los como qualquer coisa além de provocações deliberadas. Quando eu reclamei, o canal os justificou com alegações ainda mais infundadas. O “Channel 4”, na época, claramente não ligava para os impactos.

O papel da BBC foi mais insidioso. Sua colaboração surgiu de uma combinação desastrosa de ingenuidade, ignorância científica e apaziguamento. Deixou a indústria dos combustíveis fósseis fazer a festa.

Quando alguns de nós apontaram que não pedir para seus contribuidores revelarem suas fontes de financiamento era uma violação direta das suas próprias diretrizes editoriais, a BBC produziu uma série de desculpas bizarras e continuou a quebrar suas próprias regras por muitos anos. Deu às empresas de petróleo e tabaco exatamente o que queriam: nas palavras do Instituto Americano de Petróleo, “a vitória será alcançada” quando “o reconhecimento de incertezas se tornar parte da ‘sabedoria convencional’”.

Somente em 2018, meros 36 anos após a Exxon chegar à mesma conclusão, que a BBC decidiu que a ciência climática é sólida, e que não há justificativa para dar credibilidade à ambos os lados. Mas a tolice continua.

Na semana passada, alguns de nós revelaram o que a BBC tem ensinado para as crianças sobre o colapso climático. O módulo GCSE do site “Bitesize” da BBC listou os impactos “positivos” da nossa catástrofe global. Entre eles estavam “mais recursos, como petróleo, se tornando disponíveis em locais como Alasca e Sibéria quando o gelo derrete”; “novos destinos turísticos se tornando disponíveis” (bem-vindos ao Derby no mar); e “temperaturas mais quentes que podem levar a estilos de vida mais saudáveis ao ar livre”.

Em um exemplo da infinita confusão da corporação entre equilíbrio e imparcialidade, a lista de positivos era quase igual à lista de negativos. A maior crise que a humanidade já encarou pareceu mais como algo irrelevante.

A BBC só removeu esse conteúdo quando causou uma tempestade nas redes sociais. Eu perguntei para a empresa como, quando e por que essa lista foi inclusa, se organizações externas estavam envolvidas, e por que a empresa ignorou pedidos anteriores de melhoria do módulo. A empresa respondeu que não iria comentar. Isso é o que chamo de serviço público. (Nota desde Blog: A BBC é empresa pública de rádio e televisão do Reino Unido - criada em 1922).

O limite da negação agora mudou para o maior problema ambiental: agricultura. Aqui, a BBC ainda concede para grupos de lobby e associações comerciais que espalham dúvida sobre danos ambientais (especialmente pela criação de gado) mais tempo no ar do que para cientistas e ativistas que buscam explicar os problemas.

Não apenas tempo no ar, mas palmas também. A chefe do Sindicato Nacional de Agricultores, Minette Batters, buscou prejudicar o banimento aos pesticidas neonicotinóides, insistiu pela continuação cruel e inútil do abatedouro de texugos, e fez lobby contra reduções no consumo de carne, entre outros posicionamentos prejudiciais. Mas no ano passado, a Hora da Mulher da BBC incluiu Batters em sua lista de “30 mulheres inspiradoras cujo trabalho está fazendo uma contribuição positiva e significativa ao meio-ambiente”. Ela foi colocada acima de verdadeiras heroínas climáticas como Gail Bradbrook, Judy Ling-Wong, Franny Armstrong e Safia Minney. A BBC continua a confundir o convencional com o respeitável e o respeitável com o certo.

A lição, para mim, é óbvia: se falharmos em responsabilizar as empresas por seus erros e mistificações, continuarão a repeti-los. Os crimes climáticos têm responsáveis. Também têm facilitadores.  -  (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).

(https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/jul/08/bbc-climate-change-deniers-fossil-fuel-broadcasters)  

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