quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A CREDIBILIDADE DO JUDICIÁRIO EM JOGO (UMA IMPRESSÃO EXTERNADA ANTES DO JULGAMENTO DO EX-PRESIDENTE PELO TRF4)


"O julgamento do recurso impetrado pelo ex-presidente Lula junto ao Tribunal Regional da 4ª região irá representar mais do que uma continuação das ações daqueles que pensam que o combate a corrupção pode se dar à margem do estado de direito ou daqueles que acham que qualquer ação justifica a retirada de Lula do processo eleitoral. Creio que a dimensão mais importante do julgamento será, de fato, a jurídica e ela nos ajudará a responder a indagação sobre a legitimidade das ações do poder judicial no Brasil. O direito penal é a joia da coroa do sistema jurídico. É ali antes de tudo que se coloca a questão sobre se o sistema de justiça é um instrumento de poder dos poderosos ou se ele é parte do sistema de direitos das sociedades contemporâneas. Membros da assim chamada força tarefa da operação Lava Jato justificam suas ações através do mote ninguém se encontra acima da lei, mas frequentemente eles parecem ter concepções bastante primitivas sobre a lei ou realizam um processo de identificação absoluta entre as suas ações e a lei, lembrando do velho adágio absolutista agora adaptado para a afirmação “eu sou ou nós somos a lei”. O objetivo deste artigo é justamente argumentar que os chamados agentes da justiça estão na obrigação de se submeterem à lei da mesma forma que os demais indivíduos ou até mais já que a credibilidade do poder judiciário depende não de condenações apressadas e precárias e sim de ações fundamentadas na lei e no código penal.

Vale a pena, para mostar a importância do ponto levantado acima, lembrar a história de alguns países que deram legitimidade ao sistema de júri e ao poder judiciário no seu processo de construção estatal. Estados Unidos e Austrália se destacam nesse quesito. No caso da Austrália, a história fundadora do país é um julgamento injusto na Inglaterra que impedia ex-condenados de terem acesso ao sistema de júri. Com um júri constituído apenas de soldados, o caso foi revertido. O sistema de júri nos Estados Unidos onde ele existe para todos os casos criminais e, na Austrália, onde ele é uma das instituições fundantes do país permite que erros processuais ou processos instruídos de forma arbitrária sejam revistos por indivíduos leigos. A Europa não tem este sistema, mas tem o sistema do juiz de instrução que opera na França, na Itália, na Espanha, em Portugal e também na nossa vizinha Argentina. O que o juiz de instrução faz? Ele separa o julgamento da instrução do processo penal.  Por que isso é importante? Porque a história do sistema judicial nos países que hoje constituem as principais democracias modernas é uma história de abusos por parte de juízes e principalmente do Ministério Público. Infelizmente, a acreditar na Revista Economist (edição de 07 de novembro de 2017) este ainda é muitas vezes o caso (https://www.economist.com/news/leaders/21731154-american-idea-spreads-in...).

O Brasil é o único país entre as grandes democracias do mundo no qual um juiz pode orientar uma delação premiada contra um réu, instruir um processo e julgá-lo. A delação premiada brasileira se insere mal em um sistema no qual o réu não pode se submeter nem ao sistema de júri e nem a um juiz diferente daquele que supervisionou a delação. Ou seja, Sérgio Moro, no caso do ex-presidente Lula, orientou a delação premiada, aceitou a denúncia, legalizou a posse de um apartamento por provas indiretas e alegou ter fórum para todas essas ações apesar de o S.T.F. só ter lhe concedido foro sobre as ações ligadas à Petrobrás e condenou o ex-presidente. Isso depois de ser censurado pelo ex-ministro Teori Zavascki acerca  de vazamentos de gravações que contrariam a lei brasileira sobre o assunto, chegando inclusive a gravar a defesa do ex-presidente. Vale a pena utilizar dados comparados para analisarmos quando um juiz é impedido de continuar presidindo um julgamento nos Estados Unidos. Ali o fato do juiz ter conhecimento prévio do caso ou ter atuado de forma ilegal é, em geral, suficiente para um juiz ser impedido de atuar no caso. No caso do julgamento do ex-presidente Lula é interessante que coube ao próprio Sérgio Moro dizer porque ele continuava sendo um juiz neutro. Diz Moro, e aqui cito a sentença do caso: “no entendimento deste julgador, respeitando a parcial censura havida pelo Ministro Teori Zavascki, o problema nos diálogos interceptados não foi o levantamento do sigilo, mas sim o seu conteúdo, que revelava tentativas do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de obstruir investigações e a sua intenção de, quando assumisse o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, contra elas atuar com todo o seu poder político”. Analisemos o julgamento proferido pelo ex-ministro Teori neste caso para ver se de fato o juiz interpreta a censura que recebeu de forma correta. Afirmou Teori Zavascki no ponto 7 da sua decisão: “Ainda mais grave, procedeu a juízos de valor sobre referências e condutas de ocupantes de cargos previstos nos artigos 102 I, b e c.” Ou seja, estamos diante de um juiz que tergiversa em questões processuais. Ele reafirmou sua capacidade de interpretar intenções dos ocupantes de cargos depois de um juiz do Supremo Tribunal Federal censurá-lo por isso. Fica a pergunta: se um outro juiz avaliasse esta questão, tal como ocorre na França, na Espanha, na Itália e em Portugal, ele tomaria a mesma decisão? Portanto, esta é a primeira questão que precisa ser examinada pelo TRF-4. Houve ou não um juízo neutro no caso do ex-presidente Lula?
Sabemos que o julgamento de Lula conteve três discussões fundamentais, a propriedade de um apartamento tríplex no Guarujá, a relação dele com a OAS e a relação da OAS com a Petrobrás e com o próprio Lula. É interessante perceber que em nenhuma das três questões aquilo que o sistema do júri norte-americano denominou de “beyond the reasonable doubt” ficou estabelecido. Vamos ao primeiro ponto: a ideia de propriedade e os critérios para se provar propriedade. É sabido que o tríplex não está em nome de Lula e que nem ao mesmo um contrato assinado a Lava Jato conseguiu produzir. Nem uma testemunha que sabe o que aconteceu com exceção do infeliz Leo Pinheiro que teve que amargar um tempo extra na prisão porque ele poderia dar à Lava Jato o que ela queria. Moro, na sua sentença, considerou provada a propriedade na seguinte passagem, 809 a 811:
“Ainda antes das alegações finais, na petição do evento 730, a Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva alegou que haveria prova documental de que o apartamento 164-A, triplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá, não seria de propriedade dele pois teria sido arrolado entre os bens da OAS Empreendimentos no processo de recuperação judicial que tramita perante a 1ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais da Justiça Estadual de São Paulo (processo 0018687- 94.2015.8.26.01000). Juntou na oportunidade documentos. 810. Ora, como já adiantado nos itens 304-309, não se está aqui a discutir a titularidade formal do imóvel ou questões de Direito Civil, mas sim crime de corrupção e lavagem de dinheiro, este último pressupondo condutas de dissimulação e ocultação... Estando o imóvel formalmente em nome da OAS Empreendimentos era de se esperar que fosse arrolado no processo de recuperação judicial da empresa, já que esta é obrigada a indicar todos os seus bens. Isso era ainda mais esperado, considerando que a recuperação judicial foi iniciada em 2015, ou seja, após a prisão cautelar de José Adelmário Pinheiro Filho e depois das divulgações de notícias na imprensa acerca de possíveis crimes envolvendo o apartamento triplex, quando a transferência formal do imóvel ao ex-Presidente tornou-se algo arriscado... Então o argumento da Defesa é absolutamente insubsistente.”
Temos duas questões procedimentais para discutir aqui: a primeira é se o direito criminal pode ter regras menos precisas do que o direito civil, tal como afirma Sérgio Moro. Esta questão mais uma vez nos remete ao direito comparado. No caso dos Estados Unidos, existe uma distinção clara entre direitos civil e criminal. O direito civil opera com a ideia de “preponderance of evidence” (evidências que apontam majoritariamente em uma direção) enquanto o direito criminal opera com o princípio de “beyond the reasonable doubt”. Quando nós analisamos a sentença de Sérgio Moro baseado neste princípio percebemos o absurdo lógico que a estrutura. O que Moro afirma na sentença do tríplex é basicamente o seguinte: como o caso diz respeito ao direito criminal eu me eximo de ter que apresentar evidências relacionadas ao direito de propriedade que reside no campo civil. A afirmação de Moro poderia ainda fazer sentido se ele tivesse evidências preponderantes ou além da dúvida razoável no caso criminal. Sabemos que ele não o tem, já que a única coisa que ele apresentou foi um depoimento de uma pessoa coagida a depor depois de ser presa, o que mais uma vez está proibido em diversos países. Temos aqui o segundo problema procedimental que esperamos que o TRF-4 de Curitiba trate. É possível que o direito penal não se submeta a nenhum critério razoável de prova. Nesse caso, vale a pena observar que já houve um caso criminal relativo à propriedade no TRF-4 que envolve uma pessoa das relações pessoais de Sérgio Moro, Carlos Zucolato Jr. Neste processo de execução criminal devido a dívida fiscal, a sentença do TRF-4 é clara: “O titular do direito de propriedade é aquele em cujo nome está transcrita a propriedade imobiliária”. Esta é a jurisprudência do TRF-4 até o dia de hoje. Ou seja, no caso da propriedade do tríplex do Guarujá temos a possibilidade seguinte: que duas varas declarem a propriedade de forma diferente (já que ele está sendo executado como propriedade da OAS na 2ª vara de execução de títulos em Brasília) e que o TRF-4 declare uma jurisprudência que vale apenas para um caso, apenas para seguir uma sentença sem fundamento da primeira instância.
Por fim, temos o terceiro aspecto que é a relação entre Lula e a OAS e o chamado ato de ofício. Ainda que Sérgio Moro e o Ministério Público tivessem conseguido provar a propriedade do tríplex (e eles não conseguiram pelo menos de acordo com a jurisprudência válida no TRF-4 até hoje dia 23 de janeiro de 2018), ainda assim, eles teriam de acordo com o direito penal brasileiro mostrar o assim chamado ato de ofício. A lei brasileira é clara em relação a este ponto que foi discutido pelo STF no momento em que examinou a ação do MP contra o ex-presidente Fernando Collor de Melo. Naquela ocasião, o S.T.F. estabeleceu uma jurisprudência válida até hoje segundo a qual “para a configuração do artigo 317, do Código Penal, a atividade visada pelo suborno há de encontrar-se abrangida nas atribuições ou na competência do funcionário que a realizou ou se comprometeu a realiza-la, ou que, ao menos, se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo, assim acontecendo sempre que a realização do ato subornado caiba no âmbito dos poderes de fato inerente ao exercício do cargo do agente.” Sérgio Moro na sua sentença contra Lula tentou romper com este princípio. Segundo Moro,
Poder-se-ia ainda cogitar, nestes autos, de ato de ofício ilegal consistente na alteração do procedimento da Petrobrás, uma vez que esta começou, por solicitação de José Adelmário Pinheiro Filho junto ao Governo Federal, a convidar a Construtora OAS para grandes obras, mas não restou demonstrado que a alteração dessa praxe, embora motivada pelas propinas, se fez com infração da lei. 890. Mesmo na perspectiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a indicação por ele dos Diretores da Petrobrás que se envolveram nos crimes de corrupção, como Paulo Roberto Costa e Renato de Souza Duque e a sua manutenção no cargo, mesmo ciente de seu envolvimento na arrecadação de propinas, o que é conclusão natural por ser também um dos beneficiários dos acertos de corrupção, representa a prática de atos de ofícios em infração da lei. É certo que, provavelmente, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tinha conhecimento de detalhes e nem se envolvia diretamente nos acertos e arrecadação de valores, pois tinha subordinados para tanto, mas tendo sido beneficiado materialmente de parte de propina decorrentes de acerto de corrupção em contratos da Petrobrás, ainda que através de uma conta geral de propinas, não tem como negar conhecimento do esquema criminoso.”
Sérgio Moro faz duas alegações em relação à chamada presença de atos de ofícvio. Em primeiro lugar, ele questiona a jurisprudência vigente no país que ele diz não conclusiva apesar da decisão do S.T.F. nos anos 90. Em seguida, ele reconhece que não existiu por parte do ex-presidente ato de ofício. Em terceiro lugar, Moro tenta se basear na jurisprudência internacional, em especial, na Norte Americana quando afirma no parágrafo 865 da sentença que:
“Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam. Citando Direito Comparado, "é suficiente que o agente público entenda que dele ou dela era esperado que exercitasse alguma influência em favor do pagador assim que as oportunidades surgissem" ("US v. DiMasi", nº 11-2163, 1st Cir. 2013, no mesmo sentido, v.g., "US v. Abbey", 6th Cir. 2009, "US v. Terry", 6th Cir. 2013, "US v. Jefferson", 4th Cir. 2012, todos de Cortes de Apelação Federais dos Estados Unidos).”
Moro afirma corretamente que todos estes casos foram decididos por tribunais de apelação nos Estados Unidos. O que ele, por um lapso, esqueceu-se de afirmar é que a Suprema Corte invalidou todos eles,  ao estabelecer uma nova jurisprudência no recurso impetrado pelo ex-governador da Virgínia Robert F. McDonnell. Neste caso, decidido por unanimidade a Suprema Corte dos Estados Unidos, reafirma a necessidade de ato de ofício.
“Se o tribunal de primeira instância determinar que existe suficiente evidência para um juri condenar o Governador McDonnell de cometer ou concordar em cometer um ‘ato de ofício seu caso deve passar por um novo julgamento “ escrever o presidente da Suprema Corte , Roberts. “Se o tribunal determinar que a evidência [de ato de ofício]  é insuficiente a acusação tem que ser retirada.”
(https://www.washingtonpost.com/politics/supreme-court-rules-unanimously-in-favor-of-former-va-robert-f-mcdonnell-in-corruption-case/2016/06/27/38526a94-3c75-11e6-a66f-aa6c1883b6b1_story.html?utm_term=.d78ec81dbc24). Ou seja, a Suprema Corte dos Estados Unidos ordenou que os tribunais inferiores fizessem o que Sérgio Moro não fez. Mais uma vez se vê no caso brasileiro, insuficiência de linhas diretrizes e de defesa de direitos pelo S.T.F.
Chegamos, assim, ao cerne do julgamento do ex-presidente Lula pelo S.T.F. Temos três fortes suspeições pesando sobre a sentença: a primeira suspeição é sobre a neutralidade do juiz. Coube ao próprio juiz arguir sua neutralidade e interpretar a censura que ele recebeu do ex-ministro do STF Teori Zavaski. Não houve qualquer tipo de revisão das decisões de Sérgio Moro por outro juíz como ocorre na Europa e nos EUA. O segundo problema com a sentença é uma banalização do direito penal e uma negação de qualquer princípio do direito civil. O ex-presidente Lula não só não tem a propriedade, como não esteve, não morou e não usufruiu do bem. Mesmo se a condição fosse o imóvel estar sob a tutela da OAS, esta condição não se cumpre quando ele é executado pela vara de execução fiscal de Brasília. Como diz um articulista no jornal New York Times hoje “a evidência contra o Sr. da Silva está muito abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos.” Por fim, temos o problema do ato de ofício mais uma vez negado por Sérgio Moro e que é condição na maior parte dos sistema judiciários e recebeu uma decisão a respeito da Suprema Corte dos Estados Unidos. Enganam-se aqueles que acreditam que Sérgio Moro e a Lava Jato colocarão o Brasil em qualquer roteiro internacional. Se o colocarem será no roteiro dos países que têm um judiciário engajado politicamente, que não têm estruturas de estado de direito suficientemente fortes e que têm um Supremo Tribunal omisso em relação ao direito de defesa. Mais do que o ex-presidente Lula quem estará em julgamento hoje é o sistema de justiça no Brasil que permitiu as fortes violações do direito penal perpetradas pelo juiz Sérgio Moro."



(De Leonardo Avritzer, post intitulado "A credibilidade do Judiciário em jogo", publicado no Jornal GGN - AQUI.

Ao que o observador isento indagaria: 'Ora, ora, quem teria, afinal, a ousadia de contrariar o ínclito juiz?' E, parafraseando alguém em algum lugar do passado, arremataria, com singular pertinência: 'O medo é o senhor da razão!').

OLHO NA DICA


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LULA E DEBATE 2018: O PENSAMENTO DE FLÁVIO DINO

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Governador do Maranhão fala como jurista: ou o sistema Justiça se pauta pela lei ou se rende à sociedade do espetáculo. E como gestor, sobre construir governabilidade sem se distanciar do povo.


Flávio Dino, Lula e o debate de 2018: Ou o governo dos 99% ou o governo do 1%

Por Paulo Donizetti de Souza

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tem esperança de que a maioria do Judiciário brasileiro seja capaz de corrigir as "aberrações jurídicas" observadas na parcela do sistema de Justiça que conduz o caso Lula nas instâncias inferiores. Mas não se ilude: sabe que esse mesmo sistema também está permeado por conflitos e interesses, ideológicos e de classe. Assim como esses se oporão de maneira possivelmente acirrada – ainda não se sabe como – nas eleições de 2018.
Dino concedeu duas entrevistas nesta segunda-feira (29) em São Paulo. Gravou com Juca Kfouri participação no programa Entre Vistas, da TVT (assista à íntegra mais abaixo). Em seguida, falou com jornalistas e blogueiros no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. O ex-juiz – que deixou a magistratura para atuar na política – fez seu diagnóstico sobre o que moveu os desembargadores que ratificaram a condenação de Lula no TRF4, em 24 de janeiro. "Impressionou o nível de ódio dos julgadores. Deixaram, lamentavelmente muito visível: Nós somos a Casa-Grande. E Lula será sempre a Senzala."
Juca Kfouri abre a entrevista com a pergunta crucial do momento: o nome e a foto de Luiz Inácio Lula da Silva estarão na urna eletrônica em outubro? Flávio Dino diz acreditar que sim. E explica: "A situação poderia induzir ao fatalismo, mas, paradoxalmente, aqui a fraqueza vira força". Para ele, as fragilidades já apontadas na sentença da primeira instância, do juiz Sérgio Moro, se tornaram ainda mais frágeis.
E o resultado do julgamento do recurso pelos três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre só reforçou esse cenário. "Estamos diante de um abuso. Vai ficando evidente. Se olharmos a decisão do TRF4, encontramos abusos na forma e no conteúdo. Do ponto de vista forense, tanto a condenação (por corrupção passiva) e a dosagem (pedido de pena de prisão de 12 anos e um mês) são escandalosos". Segundo Dino, o Judiciário não é monolítico e o debate no Supremo se dará em melhores condições.
Flávio Dino assinala que não teve apoio de Lula e do PT na eleição de 2014, em que derrotou o emedebista Lobão Filho, e lembra que seu partido já lançou a pré-candidatura de Manuela D'Ávila à presidência. Mas refuta qualquer possibilidade de as forças progressistas pensarem em plano B, C, D como alternativa a Lula em outubro. "Quem fala em plano B é porque seu plano A não é Lula", provoca. "Falar em plano B é enfraquecer Lula."
O governador do Maranhão avaliou ainda a disputa política em seu estado e as dificuldades de se governar uma máquina que esteve sob o domínio do grupo político de José Sarney desde os anos 1950. Disse que a aprovação majoritária ao seu governo – constatada em pesquisas – é fruto do fato de a população estar convencida de que se trata de uma gestão diferente na forma e no conteúdo: governar de acordo com as necessidades das maiorias.
Cita os efeitos da crise econômica que assola a arrecadação de todos os estados e menciona feitos como ter entregue e posto para funcionar sete novos hospitais regionais, ampliado de 10 para 40 o número de escolas em tempo integral, de seis para 21 os restaurantes populares. "Achavam que o governo ia fracassar e o nosso governo está muito bem avaliado. Assim, o campo político deles enfraqueceu", disse, ao comentar como supera o bombardeio midiático em seu estado para se apresentar com favoritismo à reeleição.
Apesar das diferenças gritantes entre o quadro regional e cenário nacional, algumas semelhanças podem ser encontradas. "Será eleição plebiscitária. O debate é entre os querem o governo dos 99% e os que querem o governo do 1%", acredita. Em sua estimativa, a população mais pobre, que mais depende do Estado e dos serviços públicos, se identificar os que querem destruir o Estado, irá rechaçar. Assista a seguir a íntegra do Entre Vistas...
(Clique AQUI para ver a íntegra do Entre Vistas).  
...e na sequência, trechos importantes das conversas com os jornalistas:

Inquisição

Eu preservo uma "cota ingenuidade" que acho fundamental para todo mundo viver. Por isso o resultado do julgamento (no TRF4) me deixou surpreso.
Trata-se de um retrocesso de 400 anos nas conquistas jurisdicionais. Contraria a construção do processo penal moderno, e volta-se aos métodos da Inquisição, em que o processo tinha como fim condenar o réu, e não elucidar o fato que o teria tornado réu. Não se persegue o fato, se persegue o réu.
Alguns integrantes do Judiciário perderam a noção ao subir no altar da civilização do espetáculo. Isso é uma novidade no Brasil. Juiz homem do ano, capa de revista, gravatinha borboleta, midiatização... Passaram a ser vistas como normais coisas que não são normais em nenhum país civilizado. Manchetes de jornal, informações vazadas de acordo com o horário do jornal, decisões tomadas de acordo com o calendário político. Isso equivale a servir a um joguete do sistema de poder. Juízes não são anjos nem deuses, e sua percepção foi afetada por esse cenário.

Perversidades e recursos

Todo mundo que tem experiência forense sabe que é complexo um julgamento como esse – baseado em indícios, em suspeitas, e em testemunho de um corréu (Leo Pinheiro, dono da OAS) que pode mentir para se proteger. Assim, na decisão por unanimidade por parte dos desembargadores do TRF4, houve um movimento orquestrado com objetivo de aumentar a pena para impedir a prescrição (a data da suposta “infração” cometida pelo ex-presidente remete a 2009 e, com a pena de nove anos e seis meses determinada por Moro, e em função da idade de Lula, superior a 70 anos, a pena seria prescrita).
Há então duas perversidades visando a tentar inviabilizar a defesa: o aumento da pena para fechar o espaço de prescrição; e fechar qualquer possibilidade de recurso a instâncias superiores (no sentido de se impedir a prisão agora e, posteriormente, o registro da candidatura ante uma condenação em segunda instância).
As tentativas de recursos mais prováveis no curto prazo serão o ingresso com pedido de Habeas Corpus tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal, de modo a assegurar o direito de Lula de continuar se defendendo em liberdade.

Judiciário e soberba

Quando Lúcio Costa e Niemeyer projetaram Brasília fizeram a Praça dos Três Poderes. No centro, o Congresso Nacional, edifício mais bonito, majestoso, mais alto. De um lado, o Palácio do Planalto, com uma rampa maior. E de outro lado, um prediozinho, com uma rampa mais baixinha, até porque já tinha o nome de Supremo. Não vai botar uma rampa muito alta porque já é supremo.
A partir dos anos 1990, desde o impeachment do Collor, aquele episódio dos Anões do Orçamento etc., todos nós, e eu me incluo nisto, fomos votando leis, emendas constitucionais, fortalecendo o sistema de Justiça. E a política, por ser a expressão do sufrágio universal, no fundo, odiada pelo capital financeiro, pelos grandes grupos de mídia, pelo núcleo duro da elite brasileira, era achincalhada. Foi-se produzindo um processo em que foi deixando de ser a contenção do sistema de Justiça. E este passou a ser autossuficiente para tudo, para fixar até sua remuneração ao seu poder.
A política deixou de ser o anteparo para esse exercício abusivo do poder por uma série de razões. Para algumas delas a esquerda política tem, em algum momento, de prestar contas para a história. Delações premiadas foram votadas quando? Agosto de 2013, logo após as jornadas de junho. Ninguém sabia o que colocar no lugar em meio àquela crise de governabilidade. Então, alguém disse "delação premiada", contra a corrupção, e votaram como uma espécie de resposta às ruas.

O remédio e o veneno

Na hora que você combina isso com prisões preventivas eternas, vira um coquetel explosivo. O remédio que é bom se toma muito, vira veneno. Na hora que você prende uma pessoa preventivamente por meses a fio até que ela aceite a delação premiada, é claro que você tem uma mistura de instrumentos que conduz a uma série de absurdos. E que você acaba embaraçando coisas legítimas e sérias que foram feitas na Lava Jato com coisas realmente inusitadas como o caso notório do ex-presidente Lula.
Você só consegue resolver isso pela via da requalificação da política. Uma espécie de autocontenção do Judiciário, hoje, é muito difícil, porque uma parte do Judiciário gostou muito desta nova feição. Corresponde a uma dimensão do capital. O juiz não é banqueiro, não é proprietário dos meios de produção, mas acaba agindo assim para aumentar seu capital social, simbólico. Quanto mais poder eu acumular, mais capital social eu tenho. Isso acabou correspondendo a um projeto: a midiatização, a espetacularização, e, com isso, se sentirem diferentes dos demais setores da sociedade.

Sociedade de espetáculo

Voltamos à questão de que nenhuma instituição é boa ou má, dissociada de um contexto da qual a análise é feita. Quando a TV Justiça foi implantada, nós lutamos por ela. Eu estava lá quando a lei foi sancionada. Achei uma grande conquista civilizacional. Ocorre que houve uma apropriação dessa projeção de imagem maior da figura do juiz para, paradoxalmente, suprimir uma parte de sua independência.
O ministro Gilmar Mendes foi achincalhado em um avião por quê? Por seus defeitos que, com certeza, os têm? Não. Naquele caso, foi pelas virtudes. Lembrem das frases que foram ditas: “Soltando bandido”, “dando Habeas Corpus”, “vai já soltar o Lula”. Foi na mesma semana do julgamento do TRF4.
Como agora todo os juízes são conhecidos, o juiz que julga de acordo com uma certa opinião pública ganha prêmio. E o que, eventualmente, vota contra, pode sofrer esse constrangimento. Lembremos o que disse o ministro Lewandowski no julgamento do mensalão.
Criou-se um escrutínio inadequado para o que idealmente se imagina do papel do Judiciário. Se eu não tenho as garantias necessárias para ser contramajoritário, por que serei?
Hoje, não é só a questão da TV Justiça, é a hiperexposição midiática do Judiciário que leva a esse subproduto negativo, à anulação de um dos atributos do Judiciário em uma democracia, que é, inclusive, de se opor às maiorias eventuais, se for o caso. O certo é que nenhum sistema Judiciário do planeta pratica essa forma de exposição midiática que o brasileiro pratica. Nenhuma do mundo. O que pode sugerir duas coisas: que somos geniais ou que estamos errados. Talvez os fatos estejam indicando mais a segunda hipótese.

Casa-Grande & Senzala

Esse julgamento do ex-presidente Lula poderia conduzir a uma impressão de que teremos o acirramento do punitivismo. Mas, nesse caso, a jurisprudência sempre foi seletiva. O punitivismo é de ocasião. Há aqueles que são destinatários do punitivismo desde sempre, que são aqueles que têm um pezinho na senzala. O defeito do Lula é este: é que ele não é da Casa-Grande. Por mais que, eventualmente, talvez, até ele tenha achado que era. Não sei. Ou quem o cercava. Então, o punitivismo é com o povo da senzala. E vai continuar assim, porque essa é a dualidade que está presente nas instituições do Estado.
Não sou afeito às formalidades. Mas note que o Lula é o Lula. O Fernando Henrique é o presidente Fernando Henrique, é outra coisa, porque ele não veio desse lugar, não é alguém que escapou da senzala. Até nos tratamentos, nos pronomes, essas coisas se definem.
Uma das coisas que me impressionou no julgamento foi o nível de ódio presente. Uma coisa mesmo de casta, algo que me chocou. Não havia disfarce. “Nós somos a Casa-Grande e vamos enquadrar todo mundo”. Isso, a meu ver, estava muito visível, lamentavelmente.

Bolsonaro e os jovens

O Bolsonaro é a expressão da crise de representatividade do sistema político, a crise da democracia representativa. É o nosso Hitler, o Mussolini, que eram figuras populares no sentido do apoio. O Bolsonaro é a expressão disso, é o Facebook caminhando. É a caixa de comentários com pernas.
Não é uma caricatura que vai se desmanchar daqui para acolá. É uma caricatura que tem raízes em outras caricaturas, sobretudo da juventude, de que a democracia representativa não serve. É quase uma via de deslegitimação do status quo, paradoxalmente, e de crítica social, contraditoriamente. Bolsonaro é a expressão de uma crítica ao sistema estabelecido. Obviamente ele não é isso, mas uma parte dos que o apoiam imagina assim.

Sem eleição ou semiparlamentarismo?

Não acredito também nessas alternativas de semiparlamentarismo, a não ser que o Lula possa concorrer e ganhar. Mas, nesse quadro, dado o atual momento, acho que eles preferem ganhar a eleição. Por isso, a supressão da eleição não está posta hoje. A grande incógnita é se o povo vai para a rua. Esse é o ponto. Até agora não tem ido. Temos ido nós e nós mesmos, setores mais organizados. E esse é um elemento importante na conjuntura.
É muito difícil imaginarmos que segmentos mais amplos vão para as ruas neste momento. Embora tenha uma dose de imprevisibilidade, nada sugere isso. Por isso, tenho dito que o jogo institucional é essencial, porque não existe nenhuma via insurrecional para colocar no lugar.

Porto Alegre e as provas

É uma construção secular que você tem que ter prova acima de qualquer dúvida, tem que ter juízo de certeza. Aquele conjunto (as acusações e a sentença) é muito frágil. Você tem documentos que poderiam manifestar a intenção de. Mas intenção não é crime. Naquele filme hollywoodiano, Minority Report, a intenção é crime. É um filme profético. No máximo você pode falar: ele cogitou, ele foi lá ver. Sim, foi lá ver, cogitou, pensou, pode até ter pensado em aceitar, quem é que sabe? Mas aquilo não prova que ele aceitou, que ele recebeu, ou que ele solicitou em troca de.
Não é um julgamento moral, sobre se deveria ter feito ou não, se deveria ter ido ou não. Esse é um âmbito de reflexão moral política. O julgamento é da adequação de um fato, ou de um conjunto de fatos, a um tipo penal prescrito na lei. Esse é o julgamento criminal. Você lê o tipo penal de corrupção passiva e não consegue encontrar nos fatos. Lembremos que quando ele foi ver a cozinha, reforma, ele não era funcionário público. Parece só um detalhe, mas não é: porque corrupção passiva só pode ser cometida por funcionário público. Essa é uma das fragilidades mais gritantes do texto.
Mesmo em relação aos atos preparatórios. Você pode resolver matar. Você pode pensar nisso, comentar que está com essa ideia, pode comprar a arma, mas você não é criminoso se não executar.
Olha que já vi casos de corrupção no Judiciário. Pode parecer que não existe, mas existe. Um assessor de um desembargador está vendendo acórdão dentro do gabinete dele. Nunca a ninguém ocorreu, pela teoria do domínio do fato, que o desembargador tem que ser processado. Agora, imagina governando um país. É um pessoal sem noção. Eu me coloco como governador de um estado de 7 milhões de pessoas. Como é que alguém vai saber a minúcia dos atos da licitação do contrato que aconteceu não sei quando nem onde? Só se a pessoa quiser saber mesmo. E você tem que provar que ele sabia, não é imaginar que ele sabia ou punir porque nomeou.

E se a esquerda ganhar em outubro?

Se ganharmos a eleição, não podemos perder a proximidade do povo, o que foi fatal no processo de impeachment. Por isso mesmo, sempre temos que ser muito claros de aonde queremos chegar. Não pode ter ilusão de que sendo bonzinho vão esquecer o que você representa. Você tem que lembrar do território em que está: você está fazendo política institucional e tem, portanto, que travar a luta institucional, segundo seus instrumentos.
Isso se refere, por exemplo, à maioria parlamentar, a manter a chamada governabilidade, enfim. Não dá para fugir disso, a não ser que você não queira jogar esse jogo, que é uma escolha histórica. Todos os partidos progressistas, socialistas, comunistas, do mundo, já tiveram que fazer. A história nossa é travar a luta institucional, então você tem que ser coerente com isso. Mas não pode, em nome da luta institucional, perder o apoio popular. Porque senão você fica refém e cai. Foi exatamente o que aconteceu no processo do impeachment.

Reforma do Judiciário

Não acredito em nenhum tipo de autorreforma. Acredito em novo diálogo em um novo momento, quando a tempestade passar. Acho que ainda será possível reconstruir pactos que incluem que nenhum poder pode ser absoluto. Essa é uma regra liberal, grega, aristotélica. Em algum momento você consegue convencer setores.
Transformar isso em autorreforma não acredito, por isso mesmo é necessário que a política se reencontre, e reencontre inclusive sua funcionalidade. Até isso foi levado pelo processo de impeachment. A partir do local da política, redesenhar o Estado com termos mais razoáveis, aonde não tem usurpação da soberania popular por intermédio do manejo de poderes supostamente técnicos e imparciais.

Haverá guerra civil?

Guerra civil, temos várias no Brasil, simultaneamente, com uma questão de classe muito clara. Mas não vejo nenhum caminho de ruptura institucional no país porque não há caldo de cultura, atores que conduzam a isso. Acredito mais na hipótese de que em algum modo vamos viver sem tédio por mais algum período, mas vamos continuar no jogo da democracia representativa por um longo período. Com essa característica brasileira de sempre estar sujeito a turbulências, a humores diversos ou adversos, por conta da formação social elitista, classista, que o Brasil tem. E para a qual esse experimento chamado democracia representativa com sufrágio universal nunca desceu direito.

AINDA O TRF4

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Em determinadas áreas do Direito, a pressa é arqui-inimiga. Na esfera penal (à exceção de certos itens específicos, como o exame da concessão de habeas-corpus), a demorada reflexão é indispensável, a detida análise das peças processuais é imperiosa. Quando vimos o açodamento que marcou a atuação dos desembargadores da 8ª turma do TRF4, resultando na antecipação radical da data de julgamento do recurso interposto pela defesa do ex-presidente Lula e outros, deveríamos ter atinado desde logo para o que daí resultaria, mas, confessamos, ainda assim mantivemos a expectativa de um resultado diferente do ao final observado. O que vimos? Votos previamente preparados (demonstrando a inutilidade dos argumentos dos representantes das partes na dita sessão), flagrantes deficiências expositivas, coincidências impossíveis...
Mas isso, claro, é tão somente uma opinião.


Xadrez de como o TRF4 desmoralizou a Justiça brasileira

Por Luis Nassif

João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente entrarão para a história do direito penal brasileiro.
A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometidos com a seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do colega Sérgio Moro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final dos operadores de direito brasileiros perante a comunidade jurídica internacional.
Partiram do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.
Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram rasgadas.

Peça 1 – os crimes indeterminados

Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala mais nisso.
Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local, as circunstâncias, mas que existiu, existiu.

Peça 2 – a lavagem de dinheiro

A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex, mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.

Peça 3 – o crime de solicitar

Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”. Para "receber" teria que haver provas da transferência do bem. Para "solicitar", bastou a palavra do delator Léo Pinheiro, cuja pena foi reduzida de 16 anos para 3 anos por conta da contribuição ao processo.

Peça 4 – a tal teoria do fato

De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.
No entanto considerou-se que um presidente da República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria com os contratos de uma das estatais.

Peça 5 – a competência da Lava Jato

Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.
Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.
Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações.

Peça 6 – as sentenças ampliadas

Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias superiores.
Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio Moro e os três desembargadores - mais os procuradores da Lava Jato.
Passo 1 -  enquadraram Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.
Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.
Passo 2 – as prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a respeito de prescrições de penas:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:                (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois.
Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção passiva) há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16 anos.
Mas há uma cláusula que não foi considerada pela brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de prescrição cai pela metade, ou oito anos.
Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.
Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.
Passo 3 – das penas máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O Código Penal tem requisitos e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.
No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima, quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar nenhum fato específico.

Peça 7 – os tribunais superiores

Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.
Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi “atípico”.
A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico” porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não seria condenar Lula, mas absolver Moro das excentricidades de sua sentença. Dino considera que trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.
Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300 anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o crime.
Independentemente da linha política em jogo, Dino considera que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos fundamentais:
1.     Permitir a prisão de Lula enquanto tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente, diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.
2.     Buscar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não concorrer.
Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus entram para a história política e do direito brasileiro como três magistrados que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua profissão, em favor de objetivos menores.
A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final na pantomima da Lava Jato.  -  (Fonte: Aqui).

DICA DE VÍDEO


Dica de vídeo

O artigo 103-B-§4º da Constituição Federal determina que "Compete ao Conselho [Nacional de Justiça] o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (...)".  -  (Seguem-se incisos especificando os deveres do CNJ, como o de zelar pela observância do art. 37 da Carta Magna - salários, p. ex. - e o de receber e conhecer reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário).

Eduardo Guimarães, titular do Blog da Cidadania, produziu um vídeo breve e incisivo para expor sua avaliação sobre as ações (ou inações) desenvolvidas pelo citado Conselho relativamente a alguns episódios marcantes. Para conferi-lo, clique AQUI.