sexta-feira, 30 de junho de 2017

O ADEUS A PAULO NOGUEIRA


"Paulo Nogueira morreu na noite de 29 de junho. Tinha 61 anos.
Estava com câncer. Depois de uma batalha de dez meses, finalmente descansou.
Paulo está vivo.
Paulo está em seus filhos: meus sobrinhos Emir, Pedro, Camila e Fernando. Paulo está em minhas cunhadas Erika e Luísa.
Está nos seus irmãos Mari, Zé, Kika. Nos seus sobrinhos e sobrinhas. Na minha tia Maria Ely. Nos amigos, como Sergio Berezovsky, Caco de Paula, Bia Parreiras e aqueles que peço desculpas por não citar nesse momento.
Está em mim e em você. 
Está em seu legado vasto e generoso, digno do nosso pai, o jornalista Emir Nogueira, a quem Paulo dedicou linhas e linhas de beleza e gratidão.
Ele fez de tudo no jornalismo. Foi repórter, editor, diretor de redação, superintendente. A maior parte da carreira na Editora Abril, outra parte na Editora Globo, os anos mais recentes neste Diário do Centro do Mundo.
Um dos maiores jornalistas do país, passou pela Veja, foi editor da Veja São Paulo, reinventou a Exame, lançou diversas outras publicações.
Deixou sua marca em cada uma delas. A vibração, a provocação, o apuro, a busca da excelência. Antecipou tendências, fez acontecer.
Nunca foi santo. Era duro. Era também de uma paciência infinita. Fez companheiros para a vida toda nas redações e revelou vários talentos. Fez inimigos, também, como todo grande homem.
“Sempre que você se desentender com alguém, lembre que em pouco tempo você e o outro estarão desaparecidos”, dizia, repetindo Marco Aurélio, o imperador romano, seu filósofo de cabeceira.
O DCM era seu projeto preferido. Ele falava do privilégio de poder exercer o ofício depois dos 50. Poderia ter tido uma aposentadoria tranquila, jogando tênis e pôquer às margens do Tâmisa.
Preferiu combater o bom combate, com a mesma paixão de sempre. Em 2012, quando começamos, comemorávamos quando conseguíamos alcançar 20 mil visualizações num dia. Ele de Londres, eu de São Paulo. Hoje são 500 mil.
O Paulo tinha uma visão e a perseguia com a mesma obstinação que tinha jogando futebol (um dia eu conto do gol mais bonito que ele fez. Um dia eu faço isso, quando não me doer desse jeito).
A utopia do Brasil escandinavo, um Brasil mais justo, foi a nossa bússola no DCM. Continuará sendo.
Uma vida intensa, um homem que fez tudo à sua maneira. Nasceu e morreu no mesmo quarto na casa dos nossos pais, no Jardim Previdência.
Como ele queria.
O Paulo vive. Obrigado, Fratello."  



(De Kiko Nogueira, jornalista, irmão do jornalista Paulo Nogueira, post publicado no blog Diário do Centro do Mundo, de que Paulo era o titular - AQUI.
Uma grande perda para o jornalismo brasileiro.

E longa vida ao Diário do Centro do Mundo).

BALANÇO RÁPIDO DE NOTÍCIAS DE ONTEM, POR LUIS NASSIF


A crise da Lava Jato e os ganhos de Lula e Temer

Por Luis Nassif

Vamos a um balanço rápido das notícias de hoje.
O primeiro ponto relevante é o esvaziamento da Lava Jato, tal como a opinião pública testemunhou até agora. Ou seja, vazamentos abusivos, uso intensivo do tribunal da mídia, coerção sobre réus para que incluíssem na delação o que os procuradores desejavam, as inovações teóricas a fórceps de Deltan Dallagnol para conseguir viabilizar denúncias.
Os fatos relevantes são os seguintes:
Fator Raquel Dodge
Não estranhe o fato de os jornais, após consumada a indicação de Raquel Dodge para a Procuradoria Geral da República, começarem a enaltecer sua biografia.
Até então, permitiram que o PGR Rodrigo Janot armasse uma acusação injuriosa contra ela, no episódio do Conselho Superior do Ministério Público, no qual Raquel quis incluir uma cláusula que limitasse em 10% o número de procuradores de cada unidade que poderiam ser convocados para tarefas especiais.
A imprensa em Brasília endossou rapidamente a tese para garantir o acesso aos vazamentos, com os quais o Ministério Público Federal cativa os jornalistas. Nenhuma das pessoas que, hoje, saem em defesa de Raquel – incluindo o presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) – moveu uma palha quando das acusações de que foi alvo.
Com Raquel Dodge na PGR, provavelmente mudará apenas o show midiático da Lava Jato. Acabarão os vazamentos que faziam o gozo dos linchadores e a vergonha dos operadores do direito e das pessoas com um mínimo de visão de país. Acabará a superexposição de procuradores fazendo a vida com palestras.
As investigações em si provavelmente ganharão mais eficiência, já que Raquel fez sua carreira na linha de frente do combate ao crime, ao contrário de Janot, que cresceu dentro da burocracia do MPF.
Fator TRF4
É publicada notícia com um balanço dos julgamentos da Lava Jato pelo TRF 4 – o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 
Segundo o balanço, o TRF 4 reformou todos os casos em que as acusações vieram respaldadas unicamente em delações, sem as provas.
São duas informações trazidas pela notícia. A primeira, é a de que o TRF 4 não abdicou do estrito controle da legalidade, ao contrário das manifestações iniciais a favor do relaxamento do estado de direito. A segunda, o incrível déficit de informação do país. Do lado da velha mídia, pelo fato de só privilegiar notícias de condenações. Do lado da nova, pela incapacidade de um acompanhamento meticuloso dos casos.
Até o Estadão descobriu os princípios básicos de direitos individuais e hoje, em editorial, ataca as condenações baseadas exclusivamente em delações. Para salvar Michel Temer, o Estadão precisou dar uma colher de chá para Lula.
Com esses dados, dificilmente a condenação de Lula, no processo triplex, por Sérgio Moro, será confirmada pelo TRF 4 porque baseada exclusivamente em declarações premiadas de delatores.
Confirma-se o que vimos denunciando há tempos, que o valioso instituto da delação premiada foi comprometido pela sanha persecutória e midiática da equipe de Curitiba.
Fator JBS
O atabalhoamento de Rodrigo Janot coloca em risco a delação da JBS.
Numa ponta, o procurador Ângelo Goulart Vilela, detido na operação sob suspeita de receber da JBS, se dispõe a dar depoimento para a CPI que se instalará.
Nela, provavelmente relatará que sua aproximação com a JBS se deveu à tática de Janot, de conquistar a empresa para a delação.
Na outra ponta, o ex-procurador Marcelo Miller, que largou o MPF para trabalhar no escritório que cuidou da delação da JBS, escorregou na casca de banana jogada por Michel Temer.
Temer acusou-o de ter ficado milionário com a contratação pela Trench Rossi Watanabe. Hoje, Miller informa seu salário. Diz que é de R$ 25 mil. Com bônus, vai para R$ 110 mil. Ou os US$ 450 mil antecipados aqui pelo GGN.
Bastará alguém solicitar à empresa informações sobre o bônus. Recebe o bônus(ou referral fee, no linguajar do setor) quem leva clientes para o escritório. O cliente que Miller levou foi justamente a JBS.
Conclusões
Sem fato novo, sobressaem três conclusões:
1      Reduz sensivelmente a possibilidade de Lula ser condenado em 2a instância.
2      Aumenta a possibilidade de, até 2018, o país continuar sendo governado de forma humilhante por Michel Temer.
3      Raquel Dodge inicia a pesadíssima missão de salvar o MPF da armadilha em que foi colocado pela falta de comando de Janot e pela falta de limites dos procuradores de Curitiba. A cada dia ficarão mais claros os alertas a respeito das consequências desastrosas para o MPF das estripulias de procuradores deslumbrados e sem nenhuma espécie de comando ou coordenação.  -  (Fonte: AQUI).
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Conforme assinalado em inúmeros posts publicados por este post, os excessos da Lava Jato foram clamorosos (conduções coercitivas 'de supetão', vazamentos seletivos, interceptações telefônicas espúrias, sentenças condenatórias desprovidas de embasamento probatório etc), mas escamoteados pela obsequiosa conivência da grande mídia. No mesmo passo, a postura pessoal de procuradores diversos - fruto da famosa fogueira das vaidades - causou espécie, mas não motivou os indispensáveis reparos por parte dos superiores. 
À vista de tudo isso, e a despeito do esclarecedor balanço acima citado sobre o TRF4 (a decisão sobre o caso Vaccari foi abordada neste blog - aqui) e da entrada em cena da procuradora-geral indicada, impõe-se aguardar o modo como reagirão os próceres da Lava Jato aos 'novos tempos'. Nunca é demais lembrar o que disse a raposa mineira Magalhães Pinto décadas atrás, quando em vista a Goiânia: O cenário está assim: você olha para o céu e vê que as nuvens formam determinados desenhos, volta a olhar instantes depois e os desenhos já são outros.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

OLD PHOTO

           João Gilberto em ensaio em Nova York, 1964 - Foto de Enrique Meneses.

Esta é uma foto rara do músico João Gilberto quando se preparava para uma apresentação em Nova York. Em 1964, ele lançou um álbum de jazz e Bossa Nova ao lado do saxofonista norte-americano Stan Getz e com participação de Tom Jobim no piano e Astrud Gilberto nos vocais. O álbum, intitulado “Getz/Gilberto”, tornou-se um dos discos de jazz mais vendidos de todos os tempos, e o primeiro a receber o Grammy de Melhor Disco do Ano.  -  (Vi aqui).

UMA ARMAÇÃO BEM ARMADA


"Quem leu a denúncia da PGR contra Temer e Loures? Aquilo não tem a menor condição de prosperar!

Explico:

1. O espaçamento entre as linhas de todo o texto está 2,0 (deveria ser 1,5!). Evidente que Janot só queria “encher linguiça”;

2. As notas de rodapé não são precedidas pelo traçado horizontal para separação do texto;
3. Às fls. 10, existe uma citação longa sem formatação adequada;
4. Todas as citações curtas estão simultaneamente em itálico e entre aspas, quando só se aplica o último;
5. As demais citações longas não observaram o parágrafo (recuo de 4 cm da margem esquerda);
6. O diálogo de fls. 25-26 está inserto em tabela em desacordo com a ABNT, sem indicação de fonte (ainda que autoria própria);
7. As imagens de fls. 35 não possuem indicação da fonte;
8. Citações longas de fls. 38-39 estão em formatação errônea (ao invés de fonte 10);
9. Não há rol de anexos, embora mencionados.
10. Isso demonstra que Temer está sendo perseguido e as provas são inservíveis."




(De Vinícius Miguel, post intitulado "Temer é vítima de uma armação de Janot", publicado AQUI. Vinícius é professor da Universidade Federal de Rondônia, membro do Conselho Nacional de Combate À Tortura.
Curiosamente, houve quem 'partisse para cima' do professor, condenando-o por sua 'defesa apelativa' de Temer. É óbvio que o texto acima é de sutil humor - e só. 
Nota
A propósito de delações premiadas, até ontem a impressão triunfante, veiculada pela mídia e certos analistas, era a de que, homologada a delação pelo relator do processo, caso encerrado. Ou seja, o despacho assumia ares de definitividade. Na sessão desta data, o STF, por oito votos a três, deixou claro que no momento da sentença o inteiro teor da homologação será honrado pela Suprema Corte, DESDE QUE na análise do processo não se tenha detectado eventuais vícios/ilegalidades insanáveis. Isso, aliás, já estava sugerido na lei atinente à colaboração premiada, mas pairava uma certa nebulosidade sobre o assunto.
Embora a GloboNews não reconheça, o fato é que a divergência exposta pelo ministro Gilmar Mendes na sessão de ontem da Corte foi como que determinante para que o assunto provocasse discussão específica, como hoje se viu, e a questão restasse esclarecida - muito embora o ministro tenha radicalizado, 'exigindo' que o plenário analisasse originariamente a delação, e não tão somente o relator.

Vale repetir: ao contrário da 'impressão' vendida até há pouco - de que, homologados os termos da delação, isso seria imutável -, as ações do MP podem NÃO prevalecer, se a detecção posterior de atos levados a efeito na realização do processo de colaboração colidirem com dispositivos expressos na lei e, ao fim e ao cabo, na Carta Magna).

ALGO ACONTECE NO REINO DA LAVA JATO


Algo acontece no reino da Lava Jato

Por Luis Felipe Miguel

O fato político mais importante de (ante)ontem não foi o discurso com as bravatas de Michel Temer, que simplesmente seguiu o script. Foi a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, revertendo o veredito de Sergio Moro e absolvendo João Vaccari.

Quatro elementos tornam a decisão memorável. Primeiro, Vaccari não é personagem secundária da história. Se a Lava Jato tem apenas um alvo prioritário, que é o ex-presidente Lula, Vaccari certamente vem logo depois, no segundo batalhão. Trata-se de um revés importante para Moro, ainda mais porque (e este é o segundo elemento) a condenação anulada é a mais pesada das cinco que o juiz do PSDB paranaense aplicou a Vaccari.

A anulação parece também sinalizar uma mudança no comportamento do TRF-4 em relação a Sergio Moro. Não custa lembrar que foi este Tribunal que, no dia 22 de setembro do ano passado, consagrou o estado de exceção no Brasil, ao determinar que o juiz de primeira instância de Curitiba estava desobrigado de cumprir a lei, tornando facultativo, para ele, o respeito às regras processuais vigentes.
Por fim, o mais importante de tudo: os juízes do TRF-4 entenderam que a condenação não se sustentava porque era baseada exclusivamente nas denúncias acertadas nas delações premiadas. Estabeleceram, em suma, a ideia revolucionária de que são necessárias provas incriminatórias. É fácil imaginar o impacto que esse julgamento, caso se consolide como padrão no tribunal revisor, terá sobre outras decisões de Moro.
Pode ser que, em função de novas pressões, o TRF-4 recue no futuro breve. Afinal, a política da Lava Jato é intrincada. Mas que há algo acontecendo, isto há.  -  (Aqui).
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Rápida leitura dos comentários que até agora o post suscitou permite notar que a maioria dos comentaristas está... com um pé atrás. Vaccari, dizem uns, seria tão somente um peixe, ou, exagerando, um tubarão. Isso que o tribunal faz agora relativamente a ele pode ser tão somente o 'argumento' (isenção...) para eventuais excessos quanto à iminente apreensão da baleia, que ao fim e ao cabo sempre foi o principal foco da Força. Outros, mais sutis, especulam no sentido de que algo poderia, sim, estar ocorrendo nos bastidores políticos. A conferir.
Vale dizer, de qualquer modo, que, de fato, a mudança de entendimento do Tribunal quanto à prevalência da Constituição Federal, em detrimento da república de Curitiba, constitui efetivamente um marco, como muito bem enfatizado pelo articulista Luis Miguel.
(Por falar em Vaccari, na sessão plenária do STF realizada na sessão de ontem, 28, aludiu-se à ilegalidade das "prisões preventivas perpétuas", cujo propósito é o de 'despertar o desejo' de oferecer delação premiada, ao arrepio da Constituição Federal. Sintomático). 

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Dica de leitura: "Moro mantém Vaccari preso com segunda 'condenação sem prova'" - AQUI.

EUA: A TRAGÉDIA DAS ARMAS

                          (A cada ano, cerca de 1.300 crianças 
                           americanas são mortas por armas).

Milt Priggee. (EUA).

quarta-feira, 28 de junho de 2017

O MPF E SUA FUTURA GESTÃO


"Depois de uma campanha profissional, como manda o figurino Janot na corporação, o vitorioso da eleição interna para a lista associativa, Nicolao Dino, contou com o peso do cargo de seu padrinho, o Procurador-geral da República, para tornar-se o azarão da vez.

Da lista, numa eleição espontânea, sequer constaria o nome de Nicolao, perdedor de duas eleições para o Conselho Superior. A perspectiva mais provável era Raquel Dodge e Mário Bonsaglia disputando os dois primeiros lugares e Ela Wiecko eleita para o terceiro. O número de votos recebidos por Nicolao surpreendeu até analistas mais experientes.

A pergunta que fica no ar é: o que está acontecendo com o MPF? “Flucht nach vorne” ou “escape ahead” – a fuga para frente, a saída que resta aos que se encurralaram em seus próprios erros?

O porre da “Lava Jato” está cobrando seu tributo. E a ressaca será pesada.

Não há dúvida de que o timing da denúncia contra Temer – oferecida a  toque de caixa à véspera do pleito, cheia de erros típicos da falta de revisão – favoreceu muito o ganhador. Depois ainda veio aquela mensagem patética do Procurador-geral da República, pedindo união de todas e todos no Ministério Público Federal, naquilo que hiperbolicamente qualifica de “a maior investigação sobre corrupção do planeta” e chamando de “reacionários e patrimonialistas” os que ousam criticar a postura redentorista de sua gestão. Mui democrático! Tudo calculado para dar o máximo de efeito na eleição da lista tríplice associativa. A pieguice convenceu e a categoria embriagada pediu bis.

O discurso moralista pequeno de Janot fez mais estragos do que reparos à combalida paisagem política do país. E os que hoje o aplaudem porque, num “grand finale”, resolveu enfrentar o golpista que deixou correr solto para derrubar uma presidenta honesta eleita por 54 milhões de brasileiras e brasileiros, se esquecem que estão empoderando um monstro. Este, com métodos policialescos de combate a organizações mafiosas, está atacando a democracia, a soberania popular e o tecido institucional. Qualquer presidente eleito terá, a partir de agora, que fazer “caramuru” ao Ministério Público, se quiser sobreviver até o final de seu mandato.
O que sobrou dessa luta encarniçada, não contra a corrupção, mas a favor da alavancagem corporativa do Ministério Público, é uma economia destruída, a falta de liderança para tirar o país do buraco e o império de uma mídia tanto oportunista, quanto golpista na defesa dos interesses de uma minoria endinheirada. E a corrupção vai bem, obrigado, porque sem mexer nas causas, apenas reprimindo seus efeitos, a bactéria que alimenta a doença vai se tornando mais resistente.
Por falar em causas, diz, nesta quarta-feira (28/06), Nicolao aos jornais que brigará por uma reforma política se nomeado procurador-geral. O óbvio ululante: o país precisa de ampla reforma política. Mas não de iniciativa de um PGR! Lá vai ele pelo mesmo caminho de Janot, se metendo onde não foi chamado.
Talvez confunda seu almejado mandato logrado com apoio corporativo com um mandato parlamentar. Quem tem que resolver sobre a reforma política são os representantes da soberania popular e não um burocrata de um órgão persecutório penal. O burocrata deve se bastar em cumprir seu dever de acusar com muito cuidado e discrição, preocupado em garantir o devido processo legal e um julgamento justo àqueles que estão em sua mira. Nada mais. E isso já é muito, pois Janot e seus acólitos não o têm conseguido.
Se numa futura gestão do PGR tivermos mais do mesmo, será, em verdade, o Ministério Público que deverá ser reformado, pois democracia nenhuma no mundo aguenta suas instituições viverem sob o porrete do direito penal.
Esse é o alto preço que os procuradores irão pagar por conta de suas etílicas andanças trôpegas. Sobreviverá na sociedade apenas o consenso de que os malfeitores – corruptos, corruptores, autoridades abusivas e arbitrárias – devem ser acusados sem exceção e o golpista Temer julgado para pagar por seu ataque à Constituição.
Mas, que tudo se faça com a dignidade própria das civilizações. E que se deixe incólume a soberania popular que pertence a nós todas e todos e não é monopólio dos acusadores."



(De Eugênio Aragão, post intitulado "A lista tríplice para PGR ou o porre do MPF", publicado originalmente no blog de Marcelo Auler e reproduzido pelo Jornal GGN - AQUI.
Aragão é ex-Ministro da Justiça, Subprocurador-geral da República aposentado, Professor da Universidade de Brasília e Advogado.

Que o MP atue em estrita sintonia com a Constituição Federal - com ênfase no disposto em seu artigo 5º - e plena e humildemente convencido de que a Carta Magna está acima dele).

GEOECONOMIA POLÍTICA: DO PADRÃO OURO ÀS JOGADAS DOS CATÕES


Xadrez da globalização e da financeirização

Por Luis Nassif

Peça 1 - as guerras internas na geopolítica
Desde a criação do padrão ouro, sempre houve uma disputa interna, nos países, em torno do modelo. (Padrão ouro - clique AQUI).
O padrão ouro era essencial para a globalização do sistema financeiro e do comércio internacional, ao criar uma medida de valor global para os países que aderiam. Por outro lado, impedia os países de praticar políticas cambiais e monetárias autônomas e satanizava qualquer forma de proteção comercial.
Nesse mundo idílico, cada país se especializaria naquilo que sabia fazer: os desenvolvidos, em produtos industriais; os não-desenvolvidos na produção de matéria-prima. Estratificava-se, assim, a relação inicial entre países.
Mais que isso, qualquer problema britânico, o Banco da Inglaterra aumentava os juros, atraindo o ouro do mundo inteiro. Esse movimento provocava uma redução da moeda em circulação nos diversos países, uma apreciação do ouro, tirando a competitividade de seus produtos e jogando as economias nacionais em recessão.
Além disso, a adesão ao padrão-ouro, ou sistemas similares, impedia que pudessem se valer dos gastos públicos como estimulador da economia.
Em cada país, a disputa era decidida pelo jogo de interesses em cada ponta, a dos metalistas, do padrão ouro, e dos papelistas, do papel moeda.
Pertenciam ao grupo dos metalistas os financistas locais e os importadores em geral e seus parceiros internacionais, compradores e, especialmente, bancos ingleses, seja para atividades rentistas ou investimentos industriais.
Do lado dos papelistas, os exportadores de produtos industrializados, que também recorriam a medidas protecionistas contra as importações.
O desenvolvimento norte-americano do século 19 está diretamente vinculado ao repúdio ao padrão ouro e às tarifas protecionistas conquistadas pelos industriais da costa leste. Foi uma guerra entre papelistas e metalistas na qual o período de hegemonia dos papelistas permitiu um salto na industrialização norte-americana.
No final do século, a internacionalização de grandes grupos e o aparecimento de grandes financistas, como J.P.Morgan, inverteram a balança política, trazendo de volta o padrão-ouro, que perduraria até a 1a Guerra.
Peça 2 - a correlação de forças
Quando se olha a questão nacional, a médio prazo uma política industrial inteligente reforçará a economia, melhorará o nível de emprego, adensará as cadeias produtivas, aumentará o mercado interno de trabalho, por consequência a condição de vida dos cidadãos. Interessa a quem vê a economia da ótica dos cidadãos locais.
Melhorando a economia internamente, além disso, atraía capital externo produtivo, desde que se mantivesse o câmbio desvalorizado, porém estável.
A outra visão é das empresas - e investidores - que tratam a economia de forma global. Acenam com a vantagem de um comércio sem barreiras, com a possibilidade de investimentos transbordando dos países mais ricos para os menos ricos. O desenvolvimento interno seria decorrência.
Com o tempo se percebeu que o livre fluxo de capitais tinha impacto enorme sobre a atividade interna, já que saía ou entrava ao sabor de fatos pontuais de mercado.
Não havia a solidariedade com o interesse nacional. É o caso dos bancos que emprestavam para governos e empresas nacionais e precisavam apenas da garantia de manutenção do valor emprestado e da folga no orçamento para garantir a solvência.
Com o papel-moeda, estariam sempre sujeitos a desvalorizações cambiais que reduziriam o valor a receber.
A lógica do padrão-ouro definia vencedores e perdedores: 
            (Clique na imagem para ampliá-la)
1. Se a nação tivesse um déficit na balança comercial, significava que estava gastando mais ouro do que recebendo.
2. A redução dos estoques de ouro obrigava a uma redução da oferta de dinheiro.
3. Com menos dinheiro, haveria menos atividade econômica, obrigando as empresas a reduzirem sua produção. Assim, o ajuste interno era dado pelo aumento do desemprego e pela redução da rentabilidade da produção voltada para o mercado interno.
4. Se havia superávit comercial, entrava mais ouro, maior quantidade provocava uma redução no preço do ouro e, automaticamente, uma redução no preço relativo dos produtos exportados.
Esse mecanismo era incompatível com o crescimento da economia.
O aumento dos investimentos quase sempre vem acompanhado de aumento das importações e da necessidade de aumento do crédito. Se o aumento das importações levasse ao desequilíbrio comercial, haveria uma contração no crédito que abortaria o crescimento.
Ou seja, pelo padrão ouro sempre seriam privilegiados os interesses externos em detrimento das demandas internas.
Por outro lado, a estabilização do câmbio, com o padrão ouro, atraía investimentos externos, em parceria com capitalistas locais. Os lucros dos bancos ingleses com as ferrovias da América Latina superavam em muito o que ganhavam em sua atividade nacional.
Peça 3 - o jogo de forças no Brasil
O governo Lula seguiu uma estratégia inicialmente bem-sucedida de criar uma massa crítica em favor das políticas mercantilistas nacionais (aquelas que privilegiam o mercado interno e a produção doméstica).
Abriu um enorme espaço para as empreiteiras, através do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e das ações diplomáticas. Ajudou a criar supercampeões nacionais na área de alimentos e siderurgia. Deu seu maior lance com o pré-sal, e a possibilidade de dar musculatura à indústria de máquinas e equipamentos e de tecnologia para estaleiros e plataformas. Por sua vez, esses campeões ajudavam na governabilidade através do financiamento de campanha no caixa 2.
Com exceção da Petrobras, a tentativa de casar financiamentos de campanha com benefícios pontuais – praticada pela Lava Jato para criminalizar os repasses – é forçar a barra. JBS, empreiteiras, Odebrecht bancavam o PT porque o modelo de desenvolvimento apresentado era benéfico para elas. Da mesma maneira que o mercado sempre apoiou o PSDB. Em ambos os casos, obviamente, ressalvados os casos explícitos de propinas e corrupção.
Onde a tática falhou? Na baixa compreensão e pouca atuação sobre o Judiciário, Ministério Público e mídia. Quando entraram, desequilibraram o jogo. E sua participação no jogo era de cunho eminentemente ideológico, já que, a rigor, não participam da atividade produtiva.
A mídia sempre foi favorável aos modelos financistas – o padrão ouro ou, como agora, o câmbio apreciado controlado – porque sua balança comercial (exportação de programas x importação de enlatados) sempre foi deficitária. Isto é, sempre importou muito mais do que exportava, no caso do papel de imprensa e da compra de programas de televisão.
Além disso, o mercado publicitário sempre girou em torno de dois grandes anunciantes: mercado financeiro, multinacionais de consumo.
Havia, portanto, um nítido alinhamento econômico e ideológico nesse pacto.
Não foi à toa que a ofensiva da Lava Jato esmagou impiedosamente as empresas que compunham o leque de apoio a Lula, destruindo tecnologias, empregos, posições estratégicas no mundo. Não foi meramente uma ação anticorrupção: foi um trabalho eminentemente geopolítico, em que o pacto dos vencedores (mídia-multi-Judiciário-MPF) tratou as empresas (e não apenas os empresários) de acordo com o direito penal do inimigo.
Peça 4 - os candidatos a Catão
A atuação dos personagens públicos mais ostensivos obedece a essa correlação de forças. E, tendo à mão a mídia e o Judiciário, cria-se o mais eficiente movimento de mobilização popular: o combate à corrupção.
E aí se entra no terreno conhecido da hipocrisia que permeia os períodos de catarse e de atuação hipócrita contra a corrupção.
Todo paladino que cavalga movimentos anticorrupção passa a ser glorificado como o escoteiro que enfrenta os poderosos. Ganha visibilidade e poder, na medida em que sua palavra passa a ter peso. Mas os verdadeiros paladinos da lei só existiam na imaginação dos roteiristas dos velhos faroestes.
Ele atua tendo na retaguarda um elenco estelar de grandes multinacionais brasileiras e estrangeiras e, especialmente, a Rede Globo, o poder maior que paira sobre o Brasil. Indague dele qual sua posição sobre os escândalos do futebol e sobre o inquérito espanhol contra a Globo. Ganha uma coleção completa das obras de Lenio Streck quem conseguir arrancar uma declaração sequer do nosso intimorato James Stewart dos trópicos contra um esquema de corrupção amplo e disseminado por todo o país, envolvendo o esporte mais popular.
Na cena principal do filme, Stewart-Barroso duela com o vilão Lee Marvin-Gilmar, mas quem atira de trás dele é John Wayne-Globo e todo o exército da globalização.
O combate à corrupção costuma atrair vários tipos de personagens.
É só recordar o imenso oficial-anti-corrupção que foi Demóstenes Torres, fruto de uma dobradinha Veja-Carlinhos Cachoeira.
Depois das manifestações de rua contra o impeachment, contam-se às dezenas trambiqueiros de vários quilates que uma mera pesquisa no Facebook mostrava terem sido soldados mais vibrantes nas marchas contra a corrupção. Uma semana depois da votação do impeachment, a mais eloquente deputada a favor do SIM teve seu marido preso por corrupção.
E não apenas os catões de rua ou do baixo clero da política.
Enquanto procurador, Pedro Taques tornou-se uma lenda do Ministério Público Federal (MPF), atuando contra o super-vilão Comendador Arcanjo – um bicheiro que controlava cassinos na fronteira e lavava seu dinheiro com grandes plantadores de soja da região.
Eleito senador e, depois, governador do Mato Grosso, Taques se envolveu em diversas denúncias de propinas para financiamento de campanha. A última denúncia é sobre um esquema ilegal de escutas armadas por auxiliares contra adversários políticos.
Poucos catões mantêm a coerência, como é o caso do procurador Luiz Francisco, que conserva a postura evangélica.
O ex- PGR Antônio Fernando de Souza montou toda a estratégia da AP 470, o mensalão. Na denúncia, poupou o banqueiro Daniel Dantas, apesar de laudos da Polícia Federal apontando-o como o grande financiador de Marcos Valério. Aposentou-se e foi para um escritório de advocacia imediatamente contemplado com uma conta gigante da Brasil Telecom, na época controlada por Dantas. Hoje em dia, advoga para Eduardo Cunha.
A exploração da publicidade da Lava Jato, por Deltan Dallagnol, é apenas um ensaio de movimentos futuros, quando a luz dos holofotes começar a piscar.
Deltan entrou no mercado pujante dos conferencistas amparado exclusivamente no protagonismo adquirido com a Lava Jato. Apanhado no contrapé por denúncias, apressou-se a informar que repassou todos seus cachês de 2017 a um fundo destinado a combater o crime, ajudar nas investigações.
Até hoje não informou qual o instrumento do qual se valeu para as doações. Com toda certeza, o dinheiro continua em sua conta de investimento.
Na semana passada, cobrou cachê elevado da corretora que mais cresceu no mercado de capitais nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o juiz Sérgio Moro desestimulava a delação de Antônio Palocci – que prometera focalizar no mercado financeiro – sob a alegação de que estaria blefando.
Quem pode garantir que não houve um acerto, cuja contrapartida foi o cachê?
Poderia dizer que não tenho provas, mas tenho convicção de que foi pagamento de suborno. Mas seria irresponsável. Minha convicção é que houve foi um amplo desrespeito de Deltan ao MPF, ao se beneficiar dos frutos de um trabalho público, permitir que a sombra da suspeita seja lançada sobre toda a corporação e, como agravante, provavelmente ter mentido sobre o destino dos cachês. Afinal, como diz a nota oficial da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) quem investe contra um procurador investe contra todo o MPF. Donde pode-se extrair o reverso: quando um procurador apoiado pela ANPR mente, é como se a mentira fosse um valor aceito pela corporação.
Nenhuma surpresa. A maioria absoluta dos Catões são como investidores que se agarram rapidamente à primeira oportunidade de ganhar poder para fazer jogadas de interesse pessoal, escudados na bandeira da anticorrupção. A história está repleta desse tipo.
Porque, no fundo, campanhas contra corrupção, a favor do bem, da verdade e da imortalidade da alma, são apenas instrumentos de uma guerra econômica necessariamente suja. De ambos os lados.  -  (Fonte: Jornal GGN - AQUI).
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Enquanto isso, no Brasil, os catões, virtuosos como sempre, segundo observadores mais rigorosos não poupam esforços no sentido de (a) exercitar sua paixão desmedida pela fogueira das vaidades; (b) dar a mínima aos interesses estratégicos nacionais; (c) incensar a Metrópole.
Um adjetivo qualificativo para o Xadrez acima: irretocável.