sábado, 13 de setembro de 2014
ELEIÇÕES 2014: DISSECANDO UM JORNAL GLOBAL
"Eu já havia notado que o Jornal Nacional reflete um mundo que é desmontado entre caras e bocas, em dramatização de telenovelas. Nele se chega ao ponto de uso de trilhas sonoras, como todos devem lembrar das imagens editadas dos desastres e tragédias de aviões. Planos, tomadas, cortes, luzes, a revolta dos passageiros, a indignação dos parentes, uma teledramaturgia do horror.
Se assim é, “em dias normais” - e dias normais é frase entre aspas, porque uma edição do JN é um capítulo de telenovela -, imaginem em dias de campanha eleitoral, a fase da vida brasileira onde todos os crimes são possíveis e todas as canalhices se perdoam. Para não pensarem que falo em tese, com ideias gerais, difamatórias, quero dizer, de denúncia, para usar uma chamada típica do Jornal Nacional, tomo por exemplo a edição de ontem, quinta-feira 11 de setembro de 2014. Olhem, a escalada das manchetes era um programa eleitoral da oposição Marina Silva ou Aécio Neves. Com aquela vinheta musical que é anúncio de tragédias, em crescendo. Para quem é de Pernambuco, lembrava mais as manchetes policiais do Repórter Bandeira 2. E atenção! Bumbo e bomba sobre o último cadáver.
Olhem, ontem só escapava a camada de Ozônio, cujo buraco parou de crescer. Mas esse é fora do Brasil, daí o caráter positivo. Se fosse no governo Dilma, seria anunciado: o buraco continua. Mas vamos a algumas notícias montadas para o guia eleitoral antes do horário da propaganda gratuita.
Assim falou Patricia Poeta, que não se perde na ironia do nome, poeta, poesia, para o que faz. Mas assim falava Patricia, a poeta:
“Economia cria 101 mil empregos com carteira assinada
Em agosto, a economia brasileira criou 101 mil empregos com carteira assinada. Isto significa 20,5% menos que em agosto do ano passado. Os dados são do Ministério do Trabalho”.
Mas no jornal GGN, e Luis Nassif Online, vinha a mesma notícia: - “O mês de agosto registrou a criação de 101.425 postos formais de trabalho no Brasil, o que representa um crescimento de 0,25% no estoque de assalariados com carteira assinada em relação ao mês anterior, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério do Trabalho.
O resultado apurado é decorrente de um total de 1,748 milhão de admissões durante o período de pesquisa, ante as 1,647 milhão de demissões registradas no mês. Conforme dados do ministério, este é o melhor resultado dos últimos três meses.
Na série ajustada, que incorpora as informações declaradas fora do prazo, os dados no acumulado do ano mostram um acréscimo de 751.456 empregos, o que representa um acréscimo de 1,85%. Ainda na série com ajustes, nos últimos 12 meses verificou-se a criação de 698.475 postos de trabalho, equivalente à expansão de 1,72% no contingente de empregados celetistas do país. Entre janeiro de 2011 e agosto de 2014, foram gerados 5,631 milhões de empregos”.
Viram a diferença entre informar e buscar o que de ruim existe no positivo da criação de empregos, enquanto a Europa fecha os famosos postos de trabalho? Aqui, não existe mais a imagem de copo meio cheio e copo meio vazio. Para o Jornal Nacional, em tempos de eleições, o copo sempre é todo vazio. Mas vamos adiante.
No JN de 11 de setembro: “Vendas no comércio em julho foram as mais baixas desde 2008
Em julho, número divulgado nesta quinta (11), as vendas no varejo caíram 1,1% comparadas com o mês anterior, que já tinha registrado um recuo.
As vendas no comércio brasileiro tiveram em julho o pior resultado desde 2008, quando começou a crise financeira nos Estados Unidos e se espalhou pelo planeta. A maior queda veio dos chamados bens duráveis, como móveis e eletrodomésticos.... Em julho, número divulgado nesta quinta-feira (11), as vendas no varejo caíram 1,1% comparadas com o mês anterior, que já tinha registrado um recuo. E as vendas do comércio vêm caindo desde março”...........
Mas em outras fontes, na web que resiste:
“Entre os setores com resultado negativos, estão supermercados, móveis e eletrodomésticos. IBGE vê influência do crédito menor e de feriados decorrentes da Copa....”.
No Jornal Nacional, foi retirada da edição uma das causas: os feriados durante a Copa em julho. Mas se o problema é mostrar o copo todo vazio, para que adianta lembrar o que já passou e é favorável ao governo? Mas não esmoreçamos, quem sabe se na próxima notícia a coisa não piora?
No JN de 11 de setembro:
“Relatório do TCU indica distorções nos dados oficiais do Bolsa Família
Ministério do Desenvolvimento Social divulgou nota em que afirma que o relatório partiu de premissas erradas e chegou a conclusões equivocadas.
Um relatório do Tribunal de Contas da União indicou distorções nos dados oficiais do programa Bolsa Família. O governo nega.....
O Tribunal de Contas da União fiscalizou durante mais de um ano os números do principal programa de assistência social do Governo Federal, o Bolsa Família, pago a quase 14 milhões de pessoas. O tribunal critica a falta de atualização dos parâmetros usados para definir pobres e miseráveis.
Para o governo, é considerado miserável quem tem renda individual inferior a R$ 77 por mês. E pobre, quem ganha de R$ 77 a R$154 por mês....
Para chegar a esses números, o governo usa uma recomendação da ONU. Considera o gasto de US$ 1,25 por pessoa por dia com base no poder de compra.
Mas o TCU aplicou esses mesmos indicadores e concluiu que os valores que definem a linha da pobreza estão desatualizados. Segundo simulação do tribunal, as rendas para apontar quem teria direito ao Bolsa Família seriam de R$ 100 e R$ 200.
Segundo o relatório aprovado pelo plenário do TCU, essa diferença pode alterar o número de pessoas que saíram da linha de pobreza, graças ao Bolsa Família. O governo diz que são 36 milhões.
O tribunal não faz uma nova estimativa de quantas pessoas teriam saído da linha da pobreza se o cálculo fosse outro. Mas faz recomendações. Entre elas, que o governo mantenha atualizado o valor para definir linha de pobreza, seguindo o parâmetro internacional.
O TCU comparou os gastos com o programa. Em 2013, foram quase R$ 25 bilhões. Desde 2004, o valor gasto cresceu em média 23% ao ano. Para o relator, o governo precisa criar indicadores que permitam acompanhar os beneficiários que deixam o programa.
‘Há riscos que precisam ser cuidados para que esse programa possa ter sustentabilidade no futuro. Nós não podemos pensar apenas no hoje, temos que pensar também no futuro dessas pessoas’, afirma Augusto Sherman, ministro do TCU.
O Ministério do Desenvolvimento Social divulgou uma nota em que afirma que o relatório do TCU partiu de premissas erradas e chegou a conclusões equivocadas. Segundo o ministério, o texto revela ignorância dos técnicos sobre os critérios internacionais de mensuração de pobreza, desconhecimento da legislação e erros de cronologia.
Só no fim, no finzinho, vem a avaliação do Ministério, que para o telespectador é só adjetivo, avaliaçãozinha mentirosa.
No entanto, o Ministério do Desenvolvimento Social declarou em nota:
“O texto do TCU conclui que os dados de extrema pobreza podem estar distorcidos em virtude da não atualização da linha de extrema pobreza desde 2009. A linha somente foi instituída por decreto presidencial nº 7.492, em 2 de junho de 2011. Não há, portanto, como se falar em correção desde 2009.
O valor de R$ 70 equivalia em junho de 2011 a US$ 1,25 por dia e foi atualizado para R$ 77, por intermédio do Decreto nº 8.232, em 2014, o que é compatível com o parâmetro internacional para classificar a extrema pobreza, paridade do poder de compra.
Com base nesse mesmo parâmetro, instituições nacionais e internacionais acompanham a trajetória da redução da extrema pobreza nos diversos países, confirmando os resultados divulgados pelo governo brasileiro. (Estes dados podem ser verificados, por exemplo, no sitio eletrônico do Banco Mundial, no endereço http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/index.htm?2.
Outro estudo recente do Banco Mundial mostra a queda da pobreza crônica multidimensional no Brasil, passando de 6,7% para 1,6% entre 2004 e 2012. Isto significa que os esforços de redução da pobreza não se limitaram à dimensão de renda.
É estranho o posicionamento político expresso no relatório do TCU às vésperas das eleições presidenciais, questionando o aumento do gasto em assistência social em 1.220%. O gasto com assistência social expressa a opção política sustentável deste governo em investir na população pobre por meio do aumento do Programa Bolsa Família e dos investimentos em serviços e benefícios de assistência social”.
Ao que dizemos nós, é muito estranho que não se ouça o “outro lado”. Isso não faz parte da cartilha mais básica de jornalismo? Mas amigos, ontem por fim, teve uma obra-prima da propaganda antipetista, da imagem subliminar. A notícia:
“Veja como foi a quinta-feira dos principais candidatos à presidência”
E assim falou o grande Bonner, o caubói:
“Dilma Roussef diz que vai aumentar o número de faculdades de medicina
A candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, passou o dia em Brasília. Ela disse que vai aumentar o número de faculdades de medicina.
Um grupo de reitores de universidades federais entregou um manifesto de apoio à candidata Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada. O documento é assinado por 54 reitores. Eles destacaram o esforço pela aprovação dos royalties do Pré-Sal para a educação.
No fim da tarde, Dilma Rousseff recebeu os jornalistas para uma entrevista e falou sobre pontos do seu programa de governo.
A candidata disse que vai ampliar o programa Mais Médicos e que pretende aumentar o número de cursos de medicina no país.
‘Com os reitores, inclusive, eu discuti uma coisa importante nessa área: nós chegamos à conclusão que para fazer isso a gente precisava criar faculdades de medicina e interiorizando elas, principalmente nos lugares que têm hospital. Porque você não forma médico, se não tiver hospital para treinar o médico’, declarou a candidata.
A candidata não teve outros compromissos públicos de campanha”.
No final, Dilma é filmada por trás, pelas costas, caminhando depois de um movimento brusco. Ou traduzindo a imagem: Dilma é arrogante, Dilma dá as costas para o telespectador, para o povo. Lindo, de uma beleza que paga o apartamento comprado por Patricia Poeta, 23 milhões. Ah, invejosos, vocês não sabem o que é uma obra-prima de propaganda política no jornalismo.
Em resumo: o Jornal Nacional é uma peça política sempre. Na fase eleitoral, um instrumento de propaganda para a oposição, fora do horário eleitoral gratuito."
(De Urariano Mota, no Jornal GGN, post intitulado "Jornal Nacional ou Jornal Eleitoral?" - aqui.
A propósito, clique aqui, para ler "'Por trás dos panos, tem coisa pior que partidos', diz Dilma", que cuida da entrevista/sabatina para O Globo, ontem, 12. A íntegra da sabatina está disponível aqui:
http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2014/dilma-rousseff...
Voltando ao Jornal Nacional: jornal seletivo, por óbvio. Mas isso, sabemos de longa data, não causa estranheza...
E, finalmente: na edição de ontem, 12, do Jornal Nacional o tema geração de empregos formais em agosto voltou a ser tratado, e desta feita, como que atendendo ao Urariano, o repórter fez uso da figura do copo meio cheio e copo meio vazio. Só esqueceu de um detalhe fundamental: a comparação com copos de outros países, como Portugal, Itália, Espanha, França, Grécia e outros que há um bom tempo amargam as consequências das políticas de austeridade. Em vez disso, preferiu dar, pela milionésima vez, a palavra a José Pastore, analista notoriamente sombrio, para quem o Brasil não acerta uma).
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