quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 20 ANOS

A CF foi promulgada em 05.10.1988, mas antes disso houve a CONSTITUINTE, instalada em fevereiro de 1987. Esperava-se uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva, mas o que se viu foi um Congresso Constituinte: deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 acumulariam as funções de congressistas e constituintes. Ou seja, a coisa já começou enviesada: em vez de constituinte exclusiva, o "Centrão" (PMDB, PDS, PFL etc), apoiado pelo Executivo e representantes das tendências mais conservadoras (e seus lobbies, é claro), que, de cara, definiram o papel das forças armadas, a reforma agrária e o mandato presidencial (5 anos para Sarney).

A espinha dorsal da nova Constituição deveria compreender a ordem econômica, a administração pública e a previdência social, tendo em conta um diagnóstico em que pontificavam o "modelo autárquico de desenvolvimento", as imposições do "mercado globalizado" (competição acirrada por investimentos, entre os países pobres) e a crônica crise fiscal do Brasil.

A CF 1988 (em cujo anteprojeto o então ministro da Justiça Nelson Jobim teria "metido a colher" à revelia do Congresso - e, ao que consta, se vangloriaria disso) tem concepção culturalista - abrange os prismas sociológico, político e jurídico -, é dogmática (visto que reflete o conjunto dos dogmas dominantes no momento em que elaborada), é eclética, uma vez que a sociedade brasileira abriga uma diversidade de ideologias e - certamente um de seus maiores méritos - é PROGRAMÁTICA, pois estabelece metas/objetivos a alcançar, conforme se observa no artigo terceiro e seus quatro incisos.
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Mas quando o "Centrão", quero dizer, o Congresso Constituinte percebeu que não havia clima para implementar todas as "diretrizes" planejadas, inseriu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias um artigo (terceiro) estabelecendo que daí a cinco anos haveria uma revisão constitucional. Ocorre que tal providência não chegou a ser adotada, pois, segundo alegava a oposição, o congresso não tinha "condições morais", em razão dos ecos da CPI da Corrupção na Comissão do Orçamento (1994), que "açambarcara" várias raposas políticas.
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O poder Executivo, porém, não se abalou: contava com o FSE-Fundo Social de Emergência (autorização para emissão de Medidas Provisórias), com um Banco Central como parceiro pleno e - conquista do governo Collor - com o PND-Plano Nacional de Desestatização. Em resumo: o governo (poder Executivo) tinha total autonomia, não dependia mais do Congresso para fazer e acontecer. E assim se fez. E coube a Fernando Henrique Cardoso a fatia maior da missão de converter o Estado brasileiro em Estado Mínimo, focado em Educação (de preferência básica), Segurança e Justiça. E por que isso ocorreu? Em face, fundamentalmente, da estabilização monetária (Plano Real) e da prerrogativa de as Medidas Provisórias poderem ser reiteradamente reeditadas (possibilidade essa que, na prática, "ressuscitava" a figura do Decreto-lei, principal dispositivo das Constituições do regime militar). Prospecção de petróleo, resseguros, telecomunicações, atuação no setor financeiro, energia elétrica, navegação de cabotagem - monopólios estatais derrubados. Questionável? Certamente. A maneira como foi levada a efeito a desestatização (privatização) ainda hoje recebe críticas ácidas - sem contar a ausência de prévia e democrática discussão sobre os itens/setores que efetivamente interessam à soberania nacional.
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Em março 2008, o jurista Fábio Konder Comparato escreveu: "(...) A aprovação de uma nova Constituição é o primeiro e principal atributo da soberania, mas o povo - que não pode delegar a ninguém o uso da soberania - nem sequer foi chamado a dizer se aceitava o documento composto em seu nome e por sua conta. O Congresso atribuiu a si próprio todo o poder de reforma constitucional, já havendo emendado 62 vezes a CF, sempre 'em nome do povo'. Mas o povo não tem sequer direito de apresentar propostas de emenda constitucional. O Congresso jamais consentirá em fazer uma reforma política em prejuízo de interesses pessoais de seus membros".
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Como vimos, houve incidentes graves ao longo do caminho, mas é forçoso salientar que nossa Constituição tem, sim, méritos. A CF 1988 inaugurou a Democracia Participativa, mediante a criação do Mandado de Segurança Coletivo, do Mandado de Injunção e dos Conselhos Municipais, bem como o alargamento da legitimidade para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (artigo 103), tem Cláusulas Pétreas - "imexíveis" -, conforme artigo 60, parágrafo quarto, com destaque para o inciso IV: direitos e garantias individuais (artigos quinto;
sétimo; 16; 150,III,"b" e 228), fazendo jus, em decorrência, às palavras de Ulysses Guimarães:
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"NÃO É A CONSTITUIÇÃO PERFEITA, MAS SERÁ ÚTIL, PIONEIRA, DESBRAVADORA. SERÁ LUZ, AINDA QUE DE LAMPARINA, NA NOITE DOS DESGRAÇADOS".
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Gregório Macedo.

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