quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

BRASILEIROS VIVEM LONGE DA REALIDADE DOS FATOS, DIZ PESQUISA

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Qual o papel da imprensa na formação do senso crítico e de percepção dos cidadãos? Quem rende mais dividendos, a boa ou a má notícia? Qual o grau de sintonia entre impressão pessoal e a realidade real em que se situa a sociedade brasileira? É sobre essas e outras particularidades - locais e globais - que gira o texto abaixo. (E a pesquisa, guarda sintonia com a realidade? Merece credibilidade?).


Pesquisa inglesa informa que brasileiros vivem longe da realidade dos fatos

Por Sergio da Motta e Albuquerque

A organização de pesquisa de mercado Ipsos Mori, uma das maiores do Reino Unido, publicou seu relatório anual de 2017 (5/12) sobre a percepção pública das populações de vários países do planeta sobre temas presentes na vida pública e na imprensa internacional, como terrorismo, criminalidade, gravidez de adolescentes, imigração e presença nas redes sociais. A ideia é por a teste a capacidade de diferentes grupos sociais em distinguir fatos concretos de suposições sem comprovação.

Os brasileiros foram os campeões na prova do distanciamento entre a realidade concreta e fatos verificados: só perdemos para os sul-africanos. Em 2015 , estávamos em terceiro lugar. Passamos a segundo, este ano. Nossa população, de acordo com a pesquisa, vive longe da realidade e acredita, por exemplo, que os assassinatos aumentaram entre os anos 2000 e 2016 no país. Na realidade, não houve aumento nem diminuição, afirma o estudo. A situação continua a mesma e não houve aumento nos crimes de morte neste país, entenderam pesquisadores britânicos. Acreditamos, também, que a maior parte da população tem uma conta no Facebook. Não é verdade e só uma minoria (47%) tem presença naquela rede social.

Observem o mapa abaixo. Ele mostra a condição do universo pesquisado em vários países. Quanto mais vermelho, mais longe da realidade dos fatos está uma determinada população no mapa. Quanto mais azul, mais próxima a realidade factual encontra-se um determinado país pesquisado:                                                    
                   O Mapa da Ignorância dos fatos

Existe um grande número de adolescentes grávidas neste país? Cerca de 48% dos entrevistados acreditam que sim, mas apenas 6,7% deste grupo social de jovens brasileiras deram a luz no último ano. A Exame publicou um comentário superficial sobre o relatório britânico. Não explicou muita coisa. Quem é a Ipsos? Ela tem credibilidade para publicar estas pesquisas? Qual foi a metodologia do estudo? Quais as suas fontes da pesquisa? Quantas foram as perguntas feitas, e a quem foram dirigidas? Somos mesmo uma nação de gente “sem-noção”, a viver longe da realidade concreta? Acreditamos em mitos sem qualquer fundamento?
A Ipsos Mori é a segunda maior organização de pesquisa de mercado na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Em seus relatórios, ela atua em conjunto com a Royal Statistical Society e o prestigiado King's College de Londres. Possui uma estrutura de pesquisa de alta credibilidade, que trabalha com dados do Banco Mundial, OCDE, o Euromonitor e outros organismos credenciados em pesquisas de alcance internacional. Não é uma organização acadêmica, mas uma pesquisadora do mercado de consumo. Este é seu limite. Além dele, a Ipsos Mori possui credibilidade de sobra para publicar seus relatórios anuais sobre percepção pública e suas deformações. Desde que consideremos os limites da estatística em pesquisas de mercado.
           A metodologia da pesquisa
A pesquisa abordou entrevistados de 38 países, pelo sistema do Painel Ipsos online em Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Dinamarca, Franca, Alemanha, Hong Kong, Hungria, Índia, Indonésia, Israel, Itália, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Arábia Saudita, Singapura, África do Sul, Coréia de Sul, Espanha, Suécia, Turquia, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Servia, Montenegro, Holanda e Noruega utilizaram entrevistas face-a-face, além do painel online.
Cerca de 1000 indivíduos entre 16-64 anos (ou 18-64) foram estudados em Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Hong Kong, Indonésia, Itália, Japão, Montenegro, Servia, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos. Aproximadamente 2000 pessoas entre 16-64 anos foram pesquisadas em Alemanha; na Holanda, 900, na mesma faixa etária.;cerca de 500, entre 16-64 anos em Argentina, Bélgica, Chile, Colômbia, Dinamarca, Hungria, Índia, Israel, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Filipinas, Polônia, Arábia Saudita, Singapura, África do Sul, Suécia, Turquia e Coréia do Sul, informou a Ipsos.
Aos entrevistados foram feitas perguntas sobre gravidez adolescente, taxa de homicídios, posse de smartphones, presença em redes sociais (Facebook), prisioneiros imigrantes, terrorismo, vacinação, suicídio, diabetes e boa saúde. As fontes foram a OCDE, o Banco Mundial, a “World Values Survey”, a Organização Mundial de Saúde, o Euromonitor, o Escritório de estatísticas da Austrália e outras organizações nacionais e internacionais. A lista completa das fontes, com o Brasil, pode ser encontrada aqui na web.
Através de uma fórmula matemática, a Ipsos produziu sua lista de países cujas populações apresentaram as respostas mais distantes da realidade em 2017 em sua pesquisa. Os piores resultados aparecem primeiro, numa espécie de hierarquia dos desinformados sobre seus próprios países. Vejamos a relação:
1 África do Sul
2 Brasil
3 Filipinas
4 Peru
5 Índia
6 Indonésia
7 Colômbia
8 México
9 Turquia
10 Arábia Saudita
11 Argentina
12 Itália
13 Chile
14 Japão
15 Malásia
16 França
17 Coreia do Sul
18 Hungria
19 Nova Zelândia
20 Países Baixos
21 Hong Kong
22 Polônia
23 EUA
24 Rússia
25 Alemanha
26 Austrália
27 China
28 Singapura
29 Israel
30 Grã-Bretanha
31 Bélgica
32 Canadá
33 Sérvia
34 Montenegro
35 Espanha
36 Dinamarca
37 Noruega
38 Suécia

(Fonte: Ipsos)
Notem que três países escandinavos aparecem como os mais exatos sobre suas realidades. A Itália é o país desenvolvido em pior colocação. E entre os campeões na discrepância entre realidade e fato, estão países menos desenvolvidos: Indonésia, Filipinas, Peru, Brasil, Colômbia, México e Turquia. A América Latina, no mapa acima apresentado, quase toda oscila entre o laranja e o vermelho mais rubro (caso do Brasil), o que assinala um grupo populacional impreciso diante de fatos que acontecem em seus próprios países. A Europa varia entre o azul mais claro ao Sul, até o tom mais escuro nos países do norte. A Itália aparece como exceção, atrás da Argentina. Japão e França também não estão em boa posição.
                 O que dizem estes números?
Se aceitarmos (ao menos em parte) os resultados deste estudo, a que conclusões chegaremos? Por que a visão negativa e errada dos fatos prevalece sobre a realidade? Culpa dos noticiários e suas eternas ladainhas de sofrimento e desespero? Sistemas de educação deficientes? Analfabetismo? Por que as representações da realidade sempre oferecem uma imagem pior do que a realidade factual?
A resposta dos pesquisadores da Ipsos foi perspicaz: “quanto mais a imprensa explora um determinado tema, mais importante ele parece, aos nossos olhos. Nossos cérebros processam informação negativa de forma diferente – ela 'gruda no público e afeta a maneira como ele vê as coisas”, explicou o estudo. Vejamos o nosso caso. Estamos convencidos de que vivemos a pior crise deste país. Acreditamos que a taxa de homicídios aumentou, embora tenha permanecido a mesma, nas estatísticas. Cremos que não temos salvação, e que o Brasil está condenado ao desastre. O pior é sempre mais atraente à imprensa. Por isso muita gente acaba por afastar-se de suas lamentações quotidianas sobre a “crise”. Qual delas?  A que herdamos da administração colonial? A que surgiu depois da morte de Getúlio Vargas? Aquela que existe desde a segunda crise do Petróleo em 1979? Ou a causada pelo impeachment de Dilma Rousseff? Ou a causada última acusação contra Lula? Vivemos a maior crise deste país em sua História?
Temos a tendência (e isto acontece em todos os países do mundo) a acreditar que todas as barbaridades que o ser humano já concebeu estão a acontecer agora, dentro de nossas fronteiras. Isto não é verdade. A imprensa e os meios de comunicação em geral escondem do público as boas notícias. Melhor seria dizer ocultam a realidade da população. Não existe "boa notícia", em oposição à "má notícia". Existem interesses contrariados, ou não, pelas narrativas dos meios de comunicação sobre a realidade. No momento, no Brasil, estamos sob a ditadura da maior ação de agendamento jamais realizada pela imprensa neste país. Numa época em que estas operações pareciam coisa do passado, nossa imprensa produz e reproduz a cada dia uma falsa consciência. Não acredito nesses cenários devastadores que a imprensa publica e transmite como peste contagiosa. Principalmente quando apontam certo partido (PT) e um certo ex-presidente (Lula da Silva) como culpados de tudo de ruim que existe neste Brasil.
Em 2016, diante do nosso cenário econômico nada animador, o Brasil tinha (e ainda tem) um projeto de alto conteúdo tecnológico e que ainda vai trazer muitas divisas e recursos a este país. Era conveniente e faria bem a nossa população saber que o Brasil está a lançar no mercado internacional um avião militar de carga de alto desempenho e conteúdo tecnológico. Mas quase nada foi dito, publicado ou transmitido. Poucas pessoas souberam do KC-390, a aeronave militar com mais chances de substituir o maior sucesso de venda neste nicho de mercado: o norte-americano C-130 “Hércules”, utilizado por quase todas as forças armadas deste planeta e já próximo do fim de sua vida útil. Os europeus e seu cargueiro gigantesco A400M da AIRBUS não podem competir como KC-390 em vendas futuras para países emergentes e mais pobres.A areronave brasileira tem um preço imbatível, e a EMBRAER é uma empresa reconhecida pela qualidade de seus produtos. Mas ninguém comenta, publica ou apoia o projeto neste momento. Notícia boa é má notícia.
Delas andamos fartos, nestes dias. O desconforto continua. É verdade que há outros fatores aqui a influir na condição de alienação da realidade dos fatos entre a população: deficiência no preparo em matemática e ciências em geral, número de adultos analfabetos muito grande no país e má condições de vida em geral. A imprensa não é culpada por tudo. Mas nós temos a tendência a nos fixarmos em aspectos negativos da vida. Até certo ponto isto é saudável: é melhor projetar um cenário negativo do que ser arrastado de surpresa por ele. Mas, antes de partirmos para projeções e especulações sobre o futuro, é melhor aprendermos a verificar por nós mesmos o que é fato, e o que é oportunismo da imprensa. Porque ela quer nos fazer acreditar que nada mais tem jeito e a mudança nunca vai acontecer. Até aparecer uma manchete maior, mais suja e com maior audiência.  -  (AQUI).

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