segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DECISÃO JUDICIAL NÃO SE DISCUTE, MAS...


"É conhecida a frase “Decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Ela, no fundo, não passa de um dos diversos mitos ligados ao Direito, é frequentemente mal compreendida e repetida sem senso crítico, até por autoridades das quais se esperava mais discernimento sobre a democracia e o funcionamento do poder público.
Decisões judiciais são atos por meio dos quais o Estado manifesta sua soberania e exerce poder sobre os cidadãos. Além disso, o Poder Judiciário é geralmente a última instância dos órgãos públicos em que os conflitos entre pessoas (físicas e jurídicas) e entre elas e a própria administração pública são resolvidos. Por todas essas razões, as decisões judiciais têm enorme importância e devem ser respeitadas e prontamente cumpridas.
Nada disso significa, porém, que, em um regime democrático, as decisões judiciais, como qualquer ato do poder público, estejam imunes à crítica respeitosa. Uma das características da democracia é a possibilidade dos cidadãos – e, em especial, da imprensa – de exercer a liberdade de manifestação e de opinião, as quais, entre outras finalidades, servem justamente para criticar os atos estatais. Apenas em regimes de força, não democráticos, os atos do poder público devem ser acatados e cumpridos silenciosamente pela sociedade.
No Estado democrático de direito que a Constituição do Brasil institui já em seu artigo 1.º, o qual adota como valores a cidadania e o pluralismo político, não é admissível nem desejável que os cidadãos estejam proibidos de criticar atos do Estado.
Para professores e alunos, o artigo 206, inciso II, da Constituição, garante a liberdade de cátedra, ou seja, a permissão que os professores têm de expressar seu pensamento a respeito dos temas abordados no processo educativo e que os alunos devem ter de discutir e se manifestar sobre eles. Não só para os professores de Direito, mas também para os quaisquer outras disciplinas nas quais as decisões judiciais tenham impacto, deve haver a possibilidade de criticá-las livremente. Na prática, isso pode abranger todas as áreas do conhecimento, dada a variedade de assuntos que são submetidos a decisão judicial.
Para a liberdade de imprensa, a possibilidade de crítica aos atos do poder público é fundamental. O art. 220, parágrafo 1.º, da Constituição, expressamente determina que nenhuma lei pode constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. É inconcebível imprensa livre que não possa analisar e criticar decisões judiciais.
Em todas essas áreas, portanto, não há nem deve haver impedimento legal à possibilidade de crítica das decisões judiciais.
A única exceção prevista na lei brasileira dirige-se, na verdade, aos próprios juízes, pois a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (também conhecida como Loman, é a Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979), no art. 35, inciso III, proíbe aos juízes manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outro juiz, ou conceito depreciativo sobre decisões judiciais. Mesmo assim, a norma ressalva a possibilidade de crítica feita em autos judiciais, em obras técnicas e no exercício do magistério. Sobre esses e outros aspectos das manifestações dos juízes, veja o texto O juiz pode e deve falar fora dos autos.
Naturalmente, essa crítica deverá respeitar os juízes e tribunais, como é próprio de um regime democrático maduro. A crítica pode ser veemente, até enérgica, e manter-se em níveis apropriados ao convívio pessoal e institucional mutuamente respeitoso. Excessos na crítica podem descair para a ofensa e gerar consequências jurídicas, isto é, acarretar responsabilidade, seja no campo civil (por meio do direito a indenização em favor do ofendido), seja no penal (caso se caracterize crime contra a honra – vide o texto Calúnia, difamação e injúria: os crimes contra a honra).
A possibilidade de crítica às decisões judiciais também não tem relação com a prática, às vezes vista no Brasil, de réus condenados procurarem desqualificar o julgamento que os puniu com alegações vagas de suspeição dos juízes, de influências indevidas no julgamento ou de “perseguição” por parte de adversários ou de órgãos como o Ministério Público. O inconformismo de alguém condenado é compreensível até certo ponto, mas não deve servir como desculpa para o desrespeito ao Poder Judiciário.
Por fim, a possibilidade de crítica não exclui a necessidade de que decisões judiciais sejam prontamente cumpridas, mesmo que equivocadas. O desagrado da parte no processo não lhe dá, obviamente, o direito de ignorar ordem judicial por discordar dela. Decisão judicial cujo cumprimento deva ocorrer de imediato somente pode deixar de ser executada se a parte interessada conseguir suspendê-la ou modificá-la, por meio dos recursos processuais apropriados. Enquanto isso não ocorrer, a decisão deverá ser acatada."



(De Wellington Saraiva, post intitulado "Decisão judicial não se discute?", publicado no Jornal GGN - aqui.

"A possibilidade de crítica às decisões judiciais também não tem relação com a prática, às vezes vista no Brasil, de réus condenados procurarem desqualificar o julgamento que os puniu com alegações vagas de suspeição dos juízes, de influências indevidas no julgamento ou de 'perseguição' por parte de adversários ou de órgãos como o Ministério Público. O inconformismo de alguém condenado é compreensível até certo ponto, mas não deve servir como desculpa para o desrespeito ao Poder Judiciário."
Ok. Mas, o ensinamento comporta indagações. Exemplos: A quem compete determinar se alegações de suspeição de juízes são "vagas"? Como se dá a gradação da alegação? A partir de quanto restaria configurada a eventual parcialidade?
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Wellington Cabral SaraivaMembro do Ministério Público Federal desde 1995, quando tomou posse como Procurador da República. Foi promovido em 2003 ao cargo de Procurador Regional da República. Antes, foi promotor de justiça do Distrito Federal [1992-1995], assessor de ministro no Superior Tribunal de Justiça [1991-1992], assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco [1991], advogado militante [1988-1991] e empregado do Banco do Brasil [1987-1991]. É mestre em Direito pela Universidade de Brasília. 
Wellington é titular do blog wsaraiva.com - aqui).

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